REVISTA_2
Os retratistas passaram a retratados
Se a inauguração de uma galeria de fotografia em Portugal é um acontecimento raro, a inauguração de duas galerias de fotografia no mesmo mês e no mesmo ano não é só um acontecimento raríssimo — é uma coisa nunca vista. A Galeria Pedro Alfacinha abriu portas no dia 25 de Setembro em Lisboa, na Rua de São Mamede, 25C, e apresenta-se como uma galeria de arte contemporânea com um foco especial no suporte e na linguagem fotográficos. Veneto, do italiano Guido Guidi (um dos onze artistas representados), é a sua primeira exposição. Por seu lado, a Dear Gallery arrancou no dia 13, no Porto, na Rua do Almada, 331, e é um projecto paralelo à Dear Sir Agency, uma plataforma que ao longo dos últimos três anos se tem dedicado à promoção e venda de trabalhos de mais de uma dezena de fotógrafos. Alexandra Sousa, líder da galeria nortenha, não esconde uma grande dose de “aventura” em cada um dos projectos que abraçou. Porque, explicou à Revista 2, decidiu não abdicar do “trabalho autoral” de cada um dos artistas que representa, numa época de carteiras mais vazias e em que “alguns compradores até têm vergonha de assumir que têm meios para comprar fotografia”.
Para a exposição inaugural, Alexandra Sousa, uma antiga profissional da área do marketing com uma paixão antiga pela fotografia, desafiou José Bacelar, Valter Vinagre, Monika Merva, Luísa Ferreira, Jordi Burch, Georges Pacheco, Alexandre Almeida e Mireille Loup a apresentarem auto-retratos para uma exposição colectiva a que chamou Self Face. “Vê-te e conta-nos”, foi o mote. Se para uns o género não era novidade (Mireille Loup alimenta desde 1992 a série Chacun de mes visages, num exercício de autodescoberta e de questionamento identitário), para outros o desafio foi mais inovador. Segundo a galerista, houve até quem tivesse passado para o outro lado da câmara pela primeira vez (com uma intenção de se mostrar publicamente), o que não deixa de ser surpreendente para fotógrafos com percursos tão longos e sedimentados. A figuração directa foi uma opção para a maioria, mas houve quem optasse por referências menos óbvias, casos de Luísa Ferreira, Alexandre Almeida e Jordi Burch.
Com a Dear Gallery, Alexandra Sousa quer conquistar novos compradores de fotografia contemporânea, apostando em preços acessíveis e formatos que estimulem o coleccionismo, como a Photography Box, caixa com uma fotografia de cada autor. Esta materialização do projecto através de uma galeria era um passo que a galerista alimentava há algum tempo, já que sentia necessidade de lhe dar mais “fisicalidade”, um rosto mais vincado.
Os próximos nove meses serão dedicados a exposições de artistas representados pela agência (Jordi Burch inaugura uma individual a 11 de Outubro), mas depois a ambição é abrir portas a outros projectos de fotografia contemporânea, exposições individuais e colectivas. A Dear Gallery receberá ainda outras iniciativas relacionadas com fotografia e pretende tornar-se um pólo divulgador (e vendedor) de livros de fotografia.