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Nascer. Outra vez

Manuel Roberto, fotógrafo do PÚBLICO, já esteve em zonas de conflito em Moçambique e na Guiné-Bissau. Fotografou Nelson Mandela pouco depois da sua libertação. Esteve em Entre-os-Rios nas horas que se seguiram à queda da ponte Hintze Ribeiro, que matou 59 pessoas. O que nunca fez em 26 anos de carreira foi fotografar um parto. Nem ao dos seus dois filhos assistiu. Até 5 de Novembro, que é também o dia em que fez 49 anos. O nascimento de Salvador é o início de um projecto pessoal: com Porto, Olhos nos Olhos, Roberto vai ter um retrato por dia, 365 dias. Daqui a um ano, voltaremos a ver Salvador

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No dia dos meus anos, propus-me assistir a um parto e a fotografá-lo, algo que, por cobardia, nunca tinha presenciado. Não assisti ao nascimento dos meus dois filhos. Não tive coragem. Até àquela quarta-feira, 5 de Novembro, apenas sabia que tinha nascido, não sabia o que era nascer. Foi o Salvador que me fez perceber, às 18h19. Não era o único inexperiente naquela sala — Joana e Bruno esperavam o seu primeiro filho, a enfermeira estagiária Araceli assistia pela primeira vez a um parto.

Estava muito bem acompanhado, como que para não quebrar. O ambiente da maternidade ajudou — da alegria da equipa médica do Centro Materno-Infantil do Norte à intensidade da luz que fazia lembrar um dia soalheiro ou ao amarelo-vivo que cobria as paredes —, a tudo isto me agarrei como se fossem cabides, nos momentos em que deixava de sentir as pernas.

Lembro-me das palavras da sorridente médica, Andrea Lebre: “Puxa, puxa, Joana! Tu és capaz. Eu também sou mãe.” Estava quase paralisado, absorto pela magia do momento — e foi quando senti o safanão solidário de Bruno, como que a recordar-me do que eu estava ali a fazer. Até então, tinha estado de olhar fixo na Joana, que a muito custo se esforçava por se separar de uma parte de si. O Salvador a nascer e eu a olhar para ela, a tentar entender o sentimento maternal. Só depois comecei a processar todas as imagens daquela sala — como a de Araceli, que, emocionada, levou várias vezes a mão à boca, num gesto infantil de deslumbramento.

Quando saí, não era o mesmo homem. Tudo à minha volta já fazia sentido. Talvez tenha renascido ao ver sangue — um sangue que acabava de gerar uma nova vida.

P.S. — Este portfólio não teria sido possível sem a prenda de aniversário que me deu a Margarida Gomes. Foi ela quem me abriu as portas do CMIN. Esta experiência não se agradece