Quénia
Crime em cada esquina
O Quénia foi o primeiro país que o Papa Francisco visitou esta semana, numa viagem arriscada à “periferia do mundo”. A Reuters mostra o quotidiano de violência nos bairros de lata de Nairobi.
"O crime já levou muitas, muitas pessoas que eu conhecia”, diz George Kiru enquanto acaricia o copo da bebida que tem entre mãos, às duas da manhã, num bar no topo do Korogocho, o maior bairro de lata de Nairobi. A música não dá descanso enquanto ele faz a listagem de todos os amigos de infância que aderiram a gangues, a maioria na cadeia ou morto. “Pessoalmente, a minha opção foi sempre dizer ‘não’ ao crime”, diz Kiru, que vende artigos em segunda mão e ocasionalmente arranja uns biscates como condutor de minibus para alimentar as duas filhas e as manter na escola. “A vida de um criminoso nunca acaba bem. Podes mesmo acabar morto.”
Vivem cerca de dois milhões de pessoas nos bairros de lata que se espalham à volta da capital do Quénia — Korogocho é o maior mas outros têm igual fama, como Mathare, Mukuru kwa Njenga, Kibera.
Vive-se numa azáfama, as igrejas estão lotadas, os ginásios enchem-se de jovens e há sempre grupos de amigos a vender galinhas à beira da estrada. Os índices do crime e do desemprego são altíssimos, os serviços básicos e de cuidados sanitários escasseiam.
As paredes das casas com telhados de zinco e de madeira estão à beira de se desmoronarem e quem aqui vive descreve um quotidiano de luta permanente pela sobrevivência. Muitos voltam-se para a prostituição ou outros crimes. Alice tem 20 anos e diz que o companheiro foi morto há cinco anos durante um tiroteio. Ficou sem maneira de se sustentar e ao bebé recém-nascido, por isso tornou-se prostituta. Claire, com 17, diz que se prostitui desde os 14.
Durante uma rusga policial em Korogocho, Dandora e Makadara, um polícia, que pede para não ser identificado, diz que nos últimos dois anos morreram quatro colegas em tiroteios. “Temos de ser muito duros ou a situação torna-se incontrolável... Todas as semanas há um tiroteio, um assassínio, um roubo. De dois em dois dias, há sempre alguém que comete um crime muito violento.” Os que vivem nestes bairros lembram que quem mais sofre com a violência são eles próprios. Muito mais do que a polícia. Um homem de Korogocho diz que o filho, com 20 anos, morreu no ano passado numa troca de tiros com a polícia. As autoridades exortam os residentes a denunciar casos de polícias corruptos ou violentos. O homem prefere manter o anonimato com receio de represálias. Há muitos quenianos que se queixam da forma como são tratados pelas forças policiais, por isso são mais os crimes que ficam por denunciar nesta relação sempre tensa com a polícia. Enquanto as autoridades policiais insistem que investigam as queixas que lhes chegam, os polícias no terreno reclamam por estarem expostos todos os dias ao crime violento.
A toxicodependência e o alcoolismo estão por todo o lado. No bairro de lata de Mathare, fazem-se piras a céu aberto para a fermentação de uma bebida alcoólica ilegal, a Chang’aa. Em Huruma, Stanley e Saaid estão agarrados à heroína. Stanley tem 36 anos e recolhe lixo; Saaid, 32, apanha todo o tipo de metal para depois o vender para reciclagem. “É uma vida muito dura esta”, diz Kiru, enquanto continua a acariciar o copo no bar de Korogocho. À nossa volta, os empregados distribuem bebidas aos clientes, separados por um gradeamento de ferro. Brian McGee, Reuters