Violência doméstica
Começar de novo e contar comigo
Como é que as vítimas de violência ultrapassam o trauma? José Sarmento Matos quis saber a resposta e apresenta O Virar da Página.
Há Nicole, que desde os 11 anos foi agredida e violada pelo ex-namorado — engravidou aos 12 e a família dele fechou-a em casa; batia-lhe e obrigava-a a fazer o serviço doméstico. Há uma porta de casa arranhada por uma mulher que continua a perseguir João e a exercer abusos psicológicos sobre ele. Há Hasina, uma senegalesa que foi vendida como esposa a um homem que vivia em Portugal, de quem foi escrava. Há Angelina, que durante 29 anos teve uma relação violenta com “Palito”, que um dia disparou contra ela e matou-lhe a mãe e a tia. Há muitas outras histórias em O Virar da Página, um projecto do fotógrafo José Sarmento Matos. E há muitas respostas para a pergunta que lhe serviu de ponto de partida: Como é que as pessoas que são vítimas de crimes violentos recomeçam uma nova vida?
Entre Setembro de 2014 e Abril de 2015, José Sarmento Matos fotografou 30 pessoas vítimas de violência doméstica, tráfico humano, perseguições e outras que ficaram traumatizadas pelo assassinato de alguém que lhes era próximo. Mas antes de fotografar, fez entrevistas, horas e horas de entrevistas. No final das conversas, ouviu várias vezes: “Parece que fui ao psicólogo.” Só semanas depois é que Sarmento Matos começava a disparar.
“É um tema delicado”, que não se centra necessariamente no passado, mas no presente, “na mudança, no ponto de viragem, para uma vida mais estável”, diz o fotógrafo à Revista 2. “Fotografei com película para haver um espaço de tempo maior porque não queria um instantâneo.” Ao contrário do digital, o filme permitia pausas: abrir a máquina, trocar de rolo, disparar de novo. Esse era o tempo em que a aproximação com os entrevistados voltava a acontecer.
Sarmento Matos, de 26 anos, foi um dos vencedores do concurso da agência Magnum Photo 30 Under 30, que distingue 30 fotógrafos internacionais abaixo dos 30 anos (na lista está também o português Mário Cruz). Concorreu a esse prémio com cinco fotografias que fazem parte deste projecto, que nasceu depois de um trabalho com a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima. A APAV, que comemora o seu 25.º aniversário, é parceira deste O Virar da Página (todas as pessoas fotografadas receberam ajuda da associação), a que Sarmento Matos chama “documentário fotográfico”. A exposição estará no espaço Novo Banco Arte, em Lisboa, até 30 de Dezembro. Francisca Gorjão Henriques