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O lugar onde a fotografia não tem de nos tornar belos

Com a exposição e o livro One's own arena José Pedro Cortes fecha um ciclo de três trabalhos sobre lugares. Duas deslocações a Toyama, Japão, espaçadas por três anos, permitiram-lhe olhar para as superfícies: de pessoas, de espaços, de objectos. Encontrou um lugar onde a fotografia não tem de nos tornar belos.

José Pedro Cortes
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José Pedro Cortes

A fotografia de José Pedro Cortes não costuma vir acompanhada de muitas palavras. Foge às legendas, aos textos de interpretação, de enquadramento, de elogio ou de contexto. Dispensa os prefácios e os posfácios. Os títulos das exposições e dos livros (quando não são esqueléticos, como Costa) podem parecer até demasiado literais (Things here and Things still to come), mas funcionam quase sempre ao contrário – são uma armadilha que baralha o que vamos ver a seguir. O que quer dizer que a ambiguidade é o lugar onde este fotógrafo gosta de se colocar. No mais recente livro (e exposição, na Fundação EDP até ao dia 13 de Dezembro), One's own arena (ed. Pierre von Kleist, 2015), as referências textuais são uma vez mais reduzidas ao mínimo. Sabemos que as fotografias foram captadas em Toyama, no Japão, através de uma minúscula indicação em jeito de introdução. E sabemos que, pretensamente, cada um se move na sua própria arena, no seu espaço, numa intimidade construída de maneira veloz, durante duas estadias de Cortes naquela cidade, a primeira em 2012, a segunda em 2015. E mais nada, a não ser imagens.

Este hiato de tempo entre uma e outra viagem tornou-se, aliás, num dos grandes desafios na construção do imaginário de One's own arena. A razão é tão prosaica quanto fatalmente verdadeira – o olhar mudou. O olhar da primeira vez é mais de deslumbre e descoberta, o da segunda de aprofundamento e repetição. Quem folhear o livro, apenas subtilmente se aperceberá desta relação, e essa é justamente uma das suas forças, porque nos dá uma noção de contínuo, de uma fluidez rotineira que, afinal, esconde pequenos mistérios (a mesma mulher posa durante a gravidez e depois dela). “Fotografei muito na primeira viagem. A segunda foi muito direccionada. Tinha uma ideia mais clara sobre as imagens que me interessava fazer. Nunca me tinha acontecido trabalhar desta maneira, com imagens separadas por três anos e que se juntariam no mesmo trabalho. Isso fez-me reflectir muito sobre o primeiro grupo de imagens. Percebi que em 2015 era uma pessoa diferente daquela que viu essas imagens em 2012.”

Em termos formais, One's own arena é um fotolivro muito semelhante às duas obras anteriores de José Pedro Cortes, Costa (2011) e Things here and Things still to come (2013). Reinam as fotografias e os enquadramentos verticais, misturam-se paisagens urbanas com natureza, aparecem corpos de homens e mulheres num jogo que parece perguntar: o que é possível fotografar? O que é possível revelar com a fotografia? Até que grau de intimidade se conseguir ir com a imagem fotográfica?

Em sentido contrário, uma das grandes diferenças está na inclusão de imagens com erros que aconteceram durante a captura e revelação dos filmes analógicos com que Cortes trabalhou durante a última estadia de um mês em Toyama (localizada na costa do Mar do Japão, no centro do país). Há duplas exposições, há escorrimentos, há fotografias impressas na parte do filme reservado à margem de segurança, há furos dos clipes que seguram os filmes durante a secagem. “Decidi assumir todos os erros técnicos que foram acontecendo. Até a capa tem a assunção do erro. Faço sempre as capas dos meus livros. Quando estava a imprimir a uma só cor a fotografia da capa a minha a impressora teve problemas de tinteiro e ficou com uns riscos”. E foi estampada com esse acidente.

O que fica visível na superfície (existam ou não acidentes de percurso) foi outra das ideias que guiou José Pedro Cortes (Porto, 1976) na escolha das imagens. “O facto de a experiência destas duas curtas estadias no Japão ser também necessariamente superficial ligou com o que me aconteceu à superfície da própria película por acidente. Em termos de conteúdo, muitas das imagens do livro são sobre a superfície – sobre a pele, a superfície dos objectos.”

Nesse jogo de pose, o fotógrafo achou os fotografados “muito seguros de si”. Daí a “arena de cada um” a que o título se refere. Nesta aproximação aos fotografados e a algum do universo em que se movem, que foge da abordagem documental, Cortes foi confrontado com uma maneira de estar em relação à imagem (e à sua construção) muito particular – consciente mas nem por isso menos desprendida. “Nunca tinha experimentado uma relação fotógrafo/modelo desta maneira. São diferenças culturais relacionadas com a forma como os japoneses entendem a fotografia e dominam a sua própria imagem.” No Ocidente, diz Cortes, estamos sempre à espera que as fotografias melhorem a imagem que temos de nós. E o fotógrafo “está sempre no limite de ser julgado”. “Há uma cumplicidade quase sempre baseada na dúvida sobre se o fotógrafo está a fazer justiça à fotografada, se a vai tratar bem visualmente. No Japão não é assim. O momento fundamental é o momento a partir do qual passam a confiar no fotógrafo. A ideia do belo não está tão presente.”

Com One's own arena José Pedro Cortes (finalista do Novo Banco Photo 2014) encerra uma trilogia de fotolivros sobre lugares, onde explora o banal, o quotidiano, o corpo anónimo e tensão que se cria no acto de fotografar. Depois de Costa, sobre a Costa de Caparica, Things here and Things still to come, sobre Telavive, Israel, o fotógrafo e editor assume o fecho de um ciclo e confessa uma vontade de experimentar novas abordagens, outros temas.

E agora? “E agora não sei. Mas sinto que houve qualquer coisa que terminou. Vou ter uma exposição na Galeria Pedro Alfacinha [Valor de Face, a partir de 12 de Dezembro, Lisboa]. Será um fecho de ciclo também. Tenho andado a fotografar muito em Lisboa. Tenho muita vontade de trabalhar sobre o tempo actual na cidade.”

Seja para que direcção for a fotografia de José Pedro Cortes, há uma marca que acompanha o seu trabalho a que talvez não seja fácil de fugir: a aceitação, na mesma medida, do controlo e do descontrolo.

José Pedro Cortes
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