Reclusos de Leiria interpretam a ópera "Don Giovanni"
De entre uma população prisional de 250 pessoas, foram seleccionados 50 cantores que já ensaiam para o primeiro espectáculo, no dia 19 de Julho, no Teatro Miguel Franco, em Leiria. O culminar do projecto será a 17 de Setembro de 2016, com espectáculo final do Teatro José Lúcio da Silva, a principal sala de cidade.
Os ensaios já começaram e o projecto foi apresentado esta sexta-feira, na serração da prisão. Um grupo de detidos cantou uma amostra do trabalho, que culminará em 2016 e ao longo do qual haverá quatro récitas: duas na EPL e duas na cidade de Leiria. "Estes primeiros dias têm sido muito bons. Fazem esquecer o tempo, ajudam a sonhar e a viver. Quando cantamos, ficamos mais leves", confessou Mauro, um dos detidos que cantará "Don Giovanni".
O recluso cumpre pena até 2018 e inscreveu-se para "aprender coisas novas". "Pode ser este um caminho a seguir? Talvez sim, talvez não. Vou ver com o tempo".
Explorar as diversas experiências de vida da população da EPL, aproveitando-as para a música, é um dos desafios de "Ópera na Prisão: D. Giovanni 1003 - Leoporello 2015". "A música é importante nas nossas vidas, mas as vossas vidas são riquíssimas, com muitas experiências. A ópera é, de todos os géneros musicais, o que mais fala das paixões humanas, dos sonhos, poderes, das limitações. Vocês, que têm vidas muito mais ricas do que nós, têm dentro de vocês muitas óperas a contar", disse o maestro e director artístico da SAMP, Paulo Lameiro, dirigindo-se ao coro de detidos.
De entre uma população prisional de 250 pessoas, foram seleccionados 50 cantores que já ensaiam para o primeiro espectáculo, no dia 19 de Julho, no Teatro Miguel Franco, em Leiria. Paulo Lameiro está optimista: "Temos aqui muitos músicos melhores do que aqueles passam nos concursos da televisão".
"No primeiro ano, vamos brincar com a música, aprender o que é Mozart, que conseguiu, dentro das regras estabelecidas, fazer coisas bestiais, ser um radical", nota o director artístico, referindo, subliminarmente, uma das mais-valias da ópera chegar à prisão, nesta iniciativa apoiada pela Fundação Calouste Gulbenkian.
Em 2015, o grupo montará a ópera propriamente dita, com cantores e orquestra profissional, cenário e figurinos, estando agendadas duas apresentações na EPL, a 23 e 24 de Outubro.
O culminar do projecto será a 17 de Setembro de 2016, com espectáculo final do Teatro José Lúcio da Silva, a principal sala de Leiria. Mas, para Paulo Lameiro, "o mais importante é o que acontece depois". "Como usar essa experiência? Eles sabem o quão difícil é a vida depois de sair daqui. Alguns já sabem o que querem mudar, outros ainda não. Lá fora, é importante que as experiências que tiveram aqui os ajudem".
Para isso, ao longo dos ensaios, serão convidados maestros e músicos das comunidades de origem dos reclusos. "Quando saírem daqui, sabem que alguém lá na terra toca música e os pode envolver".
O diretor do EPL, José Ricardo Nunes, vê nesta a oportunidade dos reclusos se descobrirem a si próprios.
"Todos somos capazes de fazer coisas fantásticas. Temos é de descobrir o nosso talento e trabalhá-lo. Aqui, vão ter oportunidade para projetar a sua liberdade pessoal, mesmo privados de liberdade".