Os bonsai também vão de férias e podem ir parar ao hospital

Em Portugal ainda é tímida a oferta de hotéis e de locais onde se possam internar os bonsai doentes, mas a procura parece estar a aumentar. Vista por muitos como uma prática terapêutica, a arte de criar e cuidar os bonsai pode ser também uma forma de conservar espécies em extinção.

Fotogaleria
Desidratação, excesso de água, fungos ou aranhiços são as maleitas mais comuns dos bonsai Bruno Lisita
Fotogaleria
Bruno Lisita
Fotogaleria
Bruno Lisita
Fotogaleria
Bruno Lisita
Fotogaleria
Bruno Lisita
Fotogaleria
Bruno Lisita

A conversa podia ter tido lugar num hotel para animais, opção para quem não tem com quem deixar o cão ou o gato nas férias. Mas não é o caso. Este é um hotel exclusivo para bonsai, termo adaptado do japonês para "árvore dentro de um vaso". O exemplar que fica a cargo de Silvina Ferreira é um junípero em miniatura – pouco mais de 30 centímetros de altura, raízes enterradas num pequeno vaso de cerâmica vitrificada –, uma espécie de pinheiro com “perto de 15 anos, talvez 17”, adivinha a cuidadora, só de olhar para ele.

No Centro de Bonsais de Campolide, em Lisboa, propriedade do Horto do Campo Grande, o Verão é sinónimo de casa cheia de hóspedes. Ou de doentes. Além de dois espaços de exposição e venda ao público de bonsai e de materiais para a criação e manutenção destas pequenas árvores ou arbustos, o centro tem hotel e hospital exclusivos para bonsai - serviços que ainda escasseiam em Portugal. Numa pesquisa rápida online apenas se encontram quatro locais do género em funcionamento: três na zona de Lisboa e um em Gondomar, no Porto. Mas há cada vez mais clientes, à medida que cresce o número de entusiastas desta arte milenar nascida na China e aprimorada pelos japoneses.

Um dia no hotel de Campolide custa entre 0,65 euros e 1,50 euros (dependendo do tamanho da árvore) e inclui rega, vitaminas, poda, e todas as "festinhas" que Silvina puder dispensar à árvore para lhe tirar as folhas secas. Um dos hóspedes do momento é um sobreiro com um chip, um equipamento que parece um pedaço de pau plastificado, espetado na terra, que emite um sinal para o telemóvel do proprietário sempre que a árvore é regada. Silvina repete a explicação do cliente: "Foi isto que lhe mostrou que a empregada não o regava e o deixou ficar doente."

Pelas suas contas, este ano está a haver mais procura pelo serviço de hotel. "Desde fins de Julho já tivemos mais de 100 bonsai e ainda temos uns 80."

Marco Rodrigues, proprietário do Museu do Bonsai (que inclui loja, hotel, hospital e escola) aberto há mais de 20 anos em Sintra, confirma que a taxa de ocupação está a bater recordes – tem actualmente mais de 500 exemplares no hotel (a 0,50 euros por dia, com descontos para estadias de longa duração) e deverá fechar o ano com mais de 1000 hóspedes. "Temos clientes do norte do país que deixam aqui os bonsai quando vão de férias para o Algarve", afirma. O pior ano foi 2011, com cerca de 300 estadias no total.

Também há quem deixe a árvore no hotel porque vai emigrar, ou porque tem obras em casa, ou porque adoeceu e não pode cuidar dela. O ambiente onde se encontra o bonsai – consoante a espécie, pode ser colocado no exterior ou no interior dos edifícios – influência a forma como este se desenvolve. "Não é mito. Eles sentem a nossa falta, gostam de carinho, tal como os animais", garante Silvina, cuja rotina diária começa sempre com os "banhos matinais" que dá aos seus "meninos" e "meninas". Prefere não baptizar as árvores, mas os clientes fazem-no. "Tenho cá uma Carlota."

Desidratação, excesso de água, fungos ou aranhiços são as maleitas mais comuns dos bonsai. Em Campolide estão internados perto de 20, eram 30 há poucas semanas, mas alguns já estão em recuperação no hotel. As árvores doentes não se misturam com as saudáveis – por isso é feito o diagnóstico assim que um hóspede faz check in.

Este ano chegaram muitos doentes. "Quanto mais instável o tempo está, pior." Depois de dar banho à árvore e de uma inspecção ao tronco e às folhas, Silvina prescreve o tratamento: um "choque" de vitaminas, mais água ou um produto químico para matar os bichos instalados. "Às vezes chegam aqui bonsai já mortos. Há pessoas que tentam recuperá-los em casa e quando vêm já é tarde." Ainda assim, e apesar dos ralhetes que vai dando a alguns clientes, sublinha: "qualquer pessoa pode ter um bonsai". Só tem de aprender a olhar para ele.

Árvores como as outras mas mais sensíveis
Um bonsai é uma árvore igual às que existem nos jardins e florestas – ou seja, não é geneticamente transformada – mas em ponto pequeno, porque o vaso lhe limita o crescimento da raiz. Se a qualquer momento for replantada no solo e tiver espaço livre, vai crescer como qualquer outra. Também por isso, praticamente todas as espécies podem ser adaptadas a bonsai (embora algumas sejam mais fáceis de manter do que outras), incluindo árvores de fruto como laranjeiras, romãzeiras, oliveiras, figueiras, alfarrobeiras ou macieiras. "Já provei um figo e era bom mas as maçãs, por exemplo, são pequeninas e muito ácidas", conta a empregada do Centro de Bonsais de Campolide. 

Além do tamanho, que não ultrapassa os três metros de altura, embora sejam normalmente muito mais pequenos, também a forma do bonsai pode ser modificada ao gosto do criador, através da poda regular e da aramação. Os arames enrolados ao tronco e aos ramos, quando estes ainda são maleáveis, servem para dar a forma desejada: em Z, em cascata, inclinada, vertical, entre outras. No Museu do Bonsai de Sintra, no espaço da Luso-Bonsai em Pegões (Montijo) e na loja do Mestre Bonsai, (Gondomar) há regularmente cursos de iniciação a esta arte, com preços a rondarem os 60 euros.

“Por estar num vaso, o bonsai tem um comportamento diferente da árvore de jardim e é mais sensível com determinadas coisas, como o sol, por exemplo”, explica o botânico Pedro Pereira, proprietário da loja Mestre Bonsai, em Valbom, Gondomar. Segundo este especialista, o segredo é aprender a “respirar ao ritmo do bonsai, com calma”. É por isso que “muitas pessoas vêm este hobby como um escape” ao stress diário, completa Marco Rodrigues, do Museu do Bonsai.

"Cuidar de um bonsai é terapêutico”, garante, apontando também outra função da pequena planta: "É uma forma de protecção da Natureza, porque permite conservar exemplares de espécies que, por algum motivo, desapareceram do lugar de origem ou estão mesmo em extinção".

Nas últimas décadas, porém, a criação de bonsai tornou-se mais comercial, até porque as somas envolvidas chegam aos milhares de euros por exemplar, com os valores a subirem em função da idade ou da raridade da espécie. Em Campolide, por exemplo, o bonsai mais antigo é um ulmeiro de 65 anos que custa 1102 euros. E no Museu do Bonsai há árvores a custarem 40 mil euros.

Sugerir correcção
Comentar