Deputado de assembleia de freguesia detido por gravar sessão pública
Luís Figueiredo, deputado do PS da Assembleia de Freguesia de Molelos, foi condenado a 1350 euros de multa por não ter desligado a câmara após ordem da GNR.
Os factos ocorreram no dia 29 de Dezembro, mas num país onde se diz que a justiça é lenta, na passada sexta-feira já o arguido fora julgado e condenado: Luís Figueiredo, deputado da assembleia de freguesia de Molelos e director do jornal da Casa da Povo daquela localidade, foi condenado à pena diária de 15 euros de multa durante 90 dias.
Motivo: nunca se deve desobedecer à GNR. Nem mesmo quando a ordem emanada é ilegítima, segundo alega o deputado municipal que naquele dia de Dezembro tinha montado um tripé com uma câmara para filmar a sessão da Assembleia de Freguesia de Molelos.
“Fi-lo na dupla qualidade de deputado e de director do Augaciar [jornal da Casa do Povo de Molelos] porque já na sessão anterior a proposta de acta para aprovação não estava correcta e porque não me deram acesso à gravação da reunião”, disse Luís Figueiredo ao PÚBLICO. “As sessões da Assembleia de Freguesia são públicas e os eleitos locais, no exercício das suas funções, não gozam de direitos de imagem, como estabelece um parecer da Procuradoria Geral da República. Por isso era ilegal pôr a gravação à votação, tal como foi ilegal a ordem do comandante da patrulha da GNR chamada ao local para que eu desligasse a câmara”.
A sua recusa valeu-lhe ser retirado da Assembleia da Freguesia e ficar detido durante três horas no posto da GNR. Nas seis semanas seguintes decorreriam as quatro sessões do julgamento por crime de desobediência à autoridade que terminaram na sua condenação.
Luís Figueiredo diz que vai recorrer da sentença e até já apresentou uma queixa do juiz ao Conselho Superior de Magistratura na qual não alega questões de Direito, mas sim a conduta daquele magistrado durante o julgamento, que terá revelado preconceito em relação à profissão do arguido (professor) e se comportou desde o início como se já tivesse decidido o caso. Mais: o juiz terá até revelado uma simpatia política pelo governo anterior, oposta, portanto, à do partido de Luís Figueiredo.
Na queixa não resiste, porém, em esgrimir uma questão de Direito: diz que o juiz o condenou considerando que uma Assembleia de Freguesia é um órgão de soberania, o que é falso pois só o são o Presidente da República, a Assembleia da República, o governo e os tribunais.
Horácio Rodrigues, presidente da Assembleia de Freguesia de Molelos, disse ao PÚBLICO que o regimento daquele órgão só permite a gravação das reuniões desde que feito por um cidadão devidamente credenciado e com autorização dos próprios deputados. Ora neste caso, a Assembleia de Freguesia votou contra as pretensões de Luís Figueiredo, com os votos maioritários do PSD, mas tendo havido até dois elementos do PS que se abstiveram em vez de votar a favor do seu colega de partido como seria de esperar.
O autarca diz que Luís Figueiredo, apesar de ser director do Augaciar, não mostrou nenhum documento comprovativo de equiparado a jornalista e daí que tenha mandado chamar a GNR para interromper a gravação e dar início à reunião. “Depois de ele ter saído, a Assembleia de Freguesia decorreu com normalidade”, contou, adiantando que o deputado foi condenado por ter desobedecido à autoridade e não por ter estado a gravar. “Ele é um desestabilizador nato”, concluiu.
Luís Figueiredo contesta que quando a GNR chegou, a sessão já estava a decorrer e que a mesma não foi suspensa nessa altura. “O comandante da patrulha disse-me para desligar a câmara alegando que lhe tinham comunicado o resultado da votação, mas eu voltei a referir que essa ordem era ilegítima e recusei-me a desligar. Foi então que, estando sentado no meu lugar de deputado, recebi a ordem de detenção”.
Ainda assim, o deputado recusou-se a desligar a câmara que continuou a gravar quando a GNR a retirou da sala e a transportou para o exterior. “Só lá fora é que a desliguei. Mas só o fiz porque já não estava na Assembleia da Freguesia e porque um dos militares mo pediu de forma educada. Como foi um pedido e não uma ordem ilegítima, é que acedi”, contou.
O deputado, de 49 anos, professor de Engenharia Informática no Politécnico da Guarda, tem-se destacado como uma voz opositora aos poderes autárquicos locais, aos quais não dá tréguas através do órgão da Casa do Povo de Molelos. Aguaciar no dialecto local significa “Alerta!” ou “Atenção!” e nele Luís Figueiredo diz que os líderes do PSD local “usam a ditadura da maioria para impedir a população de Molelos de ter conhecimento do que se passa na Assembleia de Freguesia e agem como se estivessem antes do 25 de Abril”.
Foi neste jornal que o deputado denunciou a construção de um sintético num campo desportivo que custou 3,3 milhões de euros. E foi também nas suas páginas que contou um negócio de 2009, por parte da Junta de Freguesia, da cedência de direitos de superfície de um terreno por 2500 euros à empresa municipal Tondela Viva que, seis meses depois, os cedeu ao BES por 685 mil euros.