Fotografia
Na Coreia do Norte, o governo produz uma “realidade simulada” para estrangeiros
Filippo Venturi foi avisado: na Coreia do Norte é proibido “tirar fotografias de soldados, edifícios em construção, áreas degradadas, pessoas mal-comportadas e locais ‘sagrados’ (aqueles que continham reproduções à escala natural dos seus líderes)”. Durante a sua estadia no país, esteve sempre acompanhado por três guias; ou melhor, "supervisores”, ironizou o fotógrafo italiano, em entrevista ao P3. “Sem eles, eu não podia sequer sair do meu quarto de hotel. E, dentro do hotel, a situação não era melhor, tendo em conta que me alertaram para o facto de ter o meu quarto sob escuta.” Os norte-coreanos suspeitam de todos os europeus, explicou. Temem a presença de espiões.
A preparação para a viagem durou muitos meses. Os fotógrafos e os jornalistas vêem a entrada no país dificultada, mesmo quando pedem visto turístico. “Tive de preparar um relatório, que foi dirigido às autoridades norte-coreanas, e enumerar todos os locais que desejava visitar e aquilo que pretendia fotografar.” À chegada, o plano foi cumprido escrupulosamente.
“Desde o início, notei que as pessoas que conhecia circunstancialmente – que estavam a visitar um museu ou a tomar café – estavam ‘prontas’ a entrar em contacto comigo.” Os estudantes, os trabalhadores, os guias turísticos, os membros do partido “respondiam sempre de forma igual” às perguntas que colocava. “É difícil acreditar que estas ‘entrevistas’ não foram encenadas”, observou. “Todos, sem excepção, confiavam cegamente no Líder Supremo, todos sonhavam com a reunificação da Península da Coreia sob o seu comando.” O nome da série fotográfica que Filippo partilha com o P3 é Korean Dream precisamente por esse motivo. “Quando algum norte-coreano, num espaço público, me abordava espontaneamente, eu notava que os meus guias ficavam nervosos. Mas as perguntas que esses cidadãos me colocavam eram sempre inocentes, normalmente relacionadas com a minha proveniência.“
Venturi considera que a maioria da população “vive à mercê da propaganda e da pequena elite que a fabrica”, mas descobriu que existe também “uma área cinzenta de pessoas bem cientes de como a informação se manipula”. Os guias turísticos, por exemplo, eram pessoas mais informadas do que o resto da população, notou. “Um deles tinha estudado espanhol em Cuba.” Os norte-coreanos não podem sair do país, apenas mediante uma autorização especial. “O outro guia, o mais jovem, era filho de um advogado e tinha o sonho de se tornar membro do Partido dos Trabalhadores da Coreia. Fiz-lhe algumas perguntas; por exemplo, se sabia quem era o primeiro-ministro de Itália. Respondeu-me que era o Renzi, mas na altura Renzi já não estava no cargo. Perguntei-lhe se o seu Líder Supremo tinha irmãos ou irmãs e ele respondeu-me que tinha apenas uma irmã. Para não restar sombra de dúvida, perguntei-lhe se sabia o que tinha acontecido há uns meses atrás em Kuala Lumpur; ele respondeu que não. Perguntei-he se gostaria de saber o que aconteceu em Kuala Lumpur e a resposta foi taxativa: ‘Eu não quero saber’.”
Pyongyang é uma capital aparentemente desenvolvida. “Pode ser descrita como um grande e brilhante mostruário da Coreia do Norte para o mundo”, descreve o fotógrafo. “Por exemplo, vi grandes edifícios escolares para crianças e adolescentes, impressionantes na sua dimensão e oferta formativa; mas apenas uma pequena parcela da população tem acesso a esse tipo de estrutura. Na verdade, quando prestamos atenção às ruas paralelas às grandes e brilhantes vias, facilmente nos deparamos com pobreza e degradação. Fora da capital, a miséria salta à vista de imediato. Há vilas e cidades sem saneamento básico, água, energia eléctrica ou gás. É também frequente ver pessoas a tomar banho ou a fazer as necessidades junto aos cursos de água.”
“Frustração” é a primeira palavra que ocorre a Filippo Venturi quando se fala da Coreia do Norte. “Durante a minha estadia, a certa altura notei que um dos meus guias, o mais jovem, mantinha vivo um instinto de curiosidade, parecia desconfiar de que existia uma realidade diferente daquela que tinha sido gravada na sua cabeça. Por vezes, perguntava-me coisas que eram nitidamente fruto de uma vontade de saber mais, mas outras vezes adoptava uma forma fundamentalista de se expressar, talvez para se convencer a si próprio ou aos outros guardas de que seguia o protocolo.” Perguntou-se algumas vezes se haveria algo que pudesse fazer para ajudá-lo. “Mas, no final, decidi não fazer nada. Qualquer coisa que fizesse para ‘libertá-lo’ seria inútil e teria, provavelmente, consequências nocivas.”