Reformar a Administração Pública
Reformar a Administração Pública é essencial para se racionalizar custos e fazer poupanças, o que é uma necessidade consensual.
1. Os signatários vêm-se reunindo para refletirem, ou suscitarem a reflexão, entre si e com convidados qualificados, sobre problemas coletivos que o país precisa de resolver para melhorar a vida de todas as pessoas.
Problemas cuja resolução depende apenas de nós, portugueses, seja qual for o ambiente internacional que nos rodeie, a evolução da UE ou da economia internacional.
Poderá entender-se que os remédios que preconizamos são, afinal, óbvios ou de puro bom senso. O certo é que as questões se eternizam. Talvez porque nos recusamos a ver o óbvio.
Há anos que se fala em Reforma da Administração Pública (AP), tornada ainda mais urgente face à revelação da crise. Houve avanços notórios, mas não suficientes.
A prioridade deste tema resulta de a AP tanto poder ser o instrumento principal de aplicação das políticas, do desenvolvimento do país, do bem-estar das pessoas, como o contrário disto tudo. Como atualmente acontece.
Reformar a AP é essencial para se racionalizar custos e fazer poupanças, o que é uma necessidade consensual.
2. Se há tantos anos se fala em reformar a AP, porque não se põe em prática? Será que é possível fazê-lo?
Achamos que é possível, e que há vários exemplos de reformas bem-sucedidas na AP em Portugal. Terão que ser continuadas, aprofundadas, espraiadas.
Todos os sistemas, por mais complexos que sejam, estão em permanente evolução, mesmo quando a nossa vida curta ou a nossa curta vista não se dão conta. É necessário direcionar essa evolução e acelerá-la onde pode e deve sê-lo.
Quer os funcionários públicos, quer os cidadãos, participam com entusiasmo nas alterações, desde que sejam envolvidos na conceção e execução das reformas e estas sejam bem executadas.
É possível reformar a AP se houver uma vontade persistente, por parte do Governo, de a fazer. Se quem for designado, dentro dele, para conceber e executar as reformas, tiver grande competência e amparo político. Se houver a consciência de que não é fazendo listas de infindáveis medidas, ou anunciando reformar de alto abaixo em tempo rápido, que se consegue qualquer avanço. Antes se deve escolher alguns alvos a atingir tendo em conta as repercussões que podem advir de uma reforma, mas também a viabilidade do seu sucesso. Se antes de generalizar uma mudança num setor se começar por uma parte dele e se avaliar o resultado das medida planeadas. Ou seja: experimentar e avaliar antes de generalizar. Se permanentemente se fizer a monotorização das reformas introduzidas. Se se tiver em conta que a reforma é um processo que nunca está concluído, que deve ser feito continuamente e com respeito pelo que os outros, antes de nós, fizeram.
Podem ser várias as soluções de organização de um Governo que tenha, como deve ter qualquer um, como prioridade a reforma da AP. Parece indiscutível que quem tem essa tarefa possa intervir ao nível de toda a AP e tenha, repete-se, o apoio persistente da autoridade do Primeiro-Ministro.
3. Referimos alguns problemas que são possíveis de ser resolvidos com sucesso. Se assim suceder, haverá grande repercussão na totalidade da AP. Referimo-nos, à AP que não inclui Hospitais, Tribunais, Forças Armadas, escolas e universidades, ainda que os métodos de alcançar as reformas com sucesso sejam aplicáveis a todo esse universo e algumas medidas se possam alargar pelo menos a uma parte do funcionamento dessas especiais entidades.
3.1. Melhorar a competência da AP
A saída de quadros qualificados não parece ter sido compensada com a entrada ou a formação de substitutos. Uma das consequências tem sido, para a solução de questões complexas, optar-se, à falta de competência interna, pelo recurso à contratação privada, com o que isso significa de aumento de custos e de perda do sentido público, ou a assessores dos governantes, muitas vezes inexperientes ou ignorantes da complexidade da AP e das consequências que uma regulamentação ou um procedimento têm.
Para retificar esta situação será forçoso flexibilizar a contratação de quadros, tornando-a possível com rapidez e simplicidade de procedimentos e garantindo a qualidade e imparcialidade da escolha. A qualidade da seleção não resulta de um procedimento complexo. Muitas vezes se confunde uma coisa com a outra.
Escolher bem e formar adequadamente as chefias é essencial. Em grande parte disso depende a eficiência da AP, como a experiência tem largamente demonstrado.
Deve avaliar-se rapidamente o resultado do que tem sido a aplicação da lei de recrutamento das chefias, da atuação da Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública, aperfeiçoando o que parece haver muito para aperfeiçoar.
A formação frequente e obrigatória dos quadros e dirigentes é também indispensável. Não é novidade. Tem é que ser bem executada. Faça-se uma avaliação do que está, para se mudar para melhor.
A formação não deve limitar-se aos quadros e às chefias. Dentro dos meios disponíveis é de estender aos funcionários, de vários setores, com menos qualificação mas não menos essenciais ao bom funcionamento da AP. Esta questão é tanto mais premente quanto a legislação que se aplica é cada vez mais um labirinto de normas em que é difícil saber sequer o que está em vigor quanto mais fazer a sua boa interpretação e aplicação. É frequente as respostas da AP sobre o mesmo assunto, variarem de serviço para serviço, com óbvio prejuízo dos cidadãos e da AP. Uma AP mais qualificada é mais eficiente e mais poupada.
3.2. Tornar a AP menos opaca e mais amiga dos cidadãos
Simplificar procedimentos - confunde-se, também aqui, garantias dos administrados com complexificação -, acabar com as viagens dos processos pelos mais diversos organismos que sobre eles têm que se pronunciar (criando, progressivamente, órgãos transversais que centralizem essas competências e adotando formas simplificadas e expeditas de ouvir quem deve pronunciar-se e só quem deve), disponibilizar, via internet, toda a informação relevante (numa linguagem acessível e com uma navegação óbvia), aperfeiçoar o sistema de aquisição de bens e serviços que também deve ser avaliado (parece haver recurso frequente demais a ajustamentos diretos, com pouca diversificação dos fornecedores consultados) implementar o controlo de qualidade pelos cidadão, são exemplos de medidas que devem ser tomadas.
Quando, recorrentemente, falamos em avaliação, não pensamos em processos complexos e demorados. E muitas vezes será possível, enquanto decorre a avaliação, ir-se fazendo trabalho preparatório de seleção de possíveis medidas reformadoras. Uma das processos de nada se fazer é multiplicar os trabalhos preparatórios ou torná-los de lenta execução.
3.3. Diminuir o desperdício, aumentar a eficiência
É nossa convicção que há muito desperdício de meios financeiros no funcionamento da AP. E, certamente, de meios humanos, que estarão mal localizados.
Elaborar os orçamentos com base zero, em que cada despesa tem que ser justificada e não com base na replicação, aumentada, do orçamento do ano anterior; conhecer os custos de cada unidade de competência (de algumas, que são tomadas como exemplo, porque não é fácil de obter esta informação e será necessário encontrar a melhor forma de a conseguir), sem o que dificilmente se pode, com racionalidade e eficácia, determinar os meios que lhes devem ser atribuídos; avaliar os funcionários, sim, mas também as estruturas, não apenas de forma quantitativa mas também qualitativa, constituindo painéis de avaliadores; tornar mais eficiente a gestão dos processos. Tudo isto são medidas que, se se respeitarem os princípios que enunciámos em 1., sendo exequíveis diminuem o desperdício e aumentam a eficiência.
3.4. Melhorar a feitura das leis e dos regulamentos
Há muito que se diagnostica que há demasiada produção normativa. E demasiada produção tecnicamente mal feita, mal redigida, cheia de lacunas, difícil de interpretar e de aplicar.
O diagnóstico está feito, mas a doença agrava-se sem que se lhe aplique qualquer terapêutica ou, pelo menos, a terapêutica adequada.
Uma atitude que se verifica com frequência é a de se mudar a legislação e a regulamentação de cada vez que se muda o Governo ou o alto dirigente de um setor, sem se fazer nenhuma avaliação séria do passado.
Não é raro que se encomende legislação a juristas fora da AP, sem qualquer conhecimento da vida quotidiana da Administração.
Mudar esta situação não é fácil. Deveria começar-se por setores vitais da AP, porventura de pequena dimensão e que pudessem servir de exemplo. Os serviços deveriam ser obrigatoriamente ouvidos na elaboração dos diplomas; a nova regulamentação deveria ser bem explícita no que pretende mudar, porquê, e como é que a nova regulamentação contribui para essa mudança; deveria haver uma revisão técnica cuidada por pessoas com saber e experiência; deveria implementar-se uma prática, primeiro localizada e que se fosse generalizando, de avaliação da produção legislativa e regulamentar.
As leis que saem da Assembleia da República deixam imenso a desejar. Os deputados, de formações diversas, nem sempre conseguem plasmar em articulado as opções políticas maioritárias. Com frequência esses articulados resultam de uma negociação interpartidária o que torna mais difícil a redação cuidada, inteligível e aplicável. O nosso parlamento deveria fazer uma séria reflexão sobre este assunto. Há leis que saem dos nossos representantes de uma debilidade inconcebível. Sucedem-se, depois, as permanentes revisões, com a instabilidade que provocam e a dificuldade da aplicação no tempo das normas.
A estabilidade legislativa e regulamentar deve ser um objetivo de todos os que em cada momento, são investidos no poder delegado pelo povo. As mudanças que resultam da alternância democrática são essenciais, mas muitas delas não exigem alterações normativas. Ou se deve perseguir o objetivo de, sempre que se demonstre possível, se estabelecer um quadro de normas suscetíveis de enquadrar várias políticas.
Fernando Bello
Francisco Seixas da Costa
João Costa Pinto
João Ferreira do Amaral
João Salgueiro
José Manuel Félix Ribeiro
Miguel Lobo Antunes