Os temas que preocupam a troika no regresso a Portugal

Na sua última visita a Portugal, a troika deixou críticas e recomendações. O que é que irá encontrar seis meses e um Governo depois?

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Paulo Pimenta

12 de Junho de 2015. Pedro Passos Coelho e Paulo Portas estavam ainda à frente do Governo e a preparar-se para eleições, a meta para o défice público de 2016 tinha acabado de ser colocada em 1,8%, a reversão dos cortes salariais e da sobretaxa iria ser feita de forma lenta e o Bani ainda não tinha falido. Agora, passados seis meses desde a sua última missão em Portugal, a troika prepara-se para encontrar esta quarta-feira um país em que muita coisa mudou.

Responsáveis da Comissão Europeia, do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Central Europeu (BCE) – as entidades que ficaram conhecidas como a troika - iniciam a terceira avaliação pós-programa a Portugal num cenário que tem tudo para gerar nas reuniões agendadas com as autoridades portuguesas acesas discussões e desentendimentos entre as partes.

A conclusão não é muito difícil de tirar quando se olha para os relatórios publicados pela troika a seguir à missão realizada em Junho. Em muitos dos temas em que eram deixadas críticas e feitas recomendações às autoridades portuguesas, o novo Governo adoptou medidas que vão no sentido contrário daquilo que era desejado por Bruxelas, Washington e Frankfurt. Ritmo de consolidação orçamental assumidamente mais lento, estratégia de subida dos rendimentos incluindo salários do sector público e privado, impostos e pensões, e recuos nas privatizações e concessões deverão ser os temas mais quentes. Mas não os únicos.

O que a troika disse
“A consolidação orçamental deve focar-se na despesa primária”

Durante os três anos de aplicação do programa e no mais de um ano e meio que se seguiu, a mensagem mais vezes repetida pela troika foi a da necessidade de Portugal consolidar as suas finanças públicas através sobretudo do corte permanente da despesa. E aqui, defenderam, os salários dos funcionários públicos e as pensões, pelo peso que têm na despesa total, não podem ser poupados.

Não será de espantar por isso que, quando chegarem a Lisboa, o tema a dar o motivo para os maiores confrontos entre a troika e o novo Governo seja a reversão mais rápida do que o previsto nos salários das funções públicas realizado logo no início do ano.

Tanto a Comissão Europeia como o FMI já se mostravam bastante apreensivos com a forma (bem mais lenta) com que o anterior Executivo queria fazer subir os salários. Agora, com a versão mais acelerada, as críticas da troika não deverão demorar a chegar.

E este será provavelmente, apenas um dos pontos que servirá de argumento para mostrar dúvidas em relação às projecções orçamentais do Governo, quer agora prevê um défice de 2,6% para 2016, mais 0,8 pontos do que aquilo que tinha sido prometido no Programa de Estabilidade.

Do outro lado da barricada, Mário Centeno tentará convencer os seus interlocutores da bondade de processos de consolidação orçamental baseados numa retoma da economia, mas a verdade é que a troika, tanto em Portugal como noutros países onde esteve presente, sempre foi muito céptica em relação a estratégias desse tipo. Alguém acredita que será agora que irá mudar? Sérgio Aníbal

O que a troika disse
“Manter os desenvolvimentos do salário mínimo consistentes com os objectivos de promover o emprego e a competitividade”

A moderação salarial tem sido um apelo recorrente feito pelas instituições internacionais nos últimos anos. O aumento do salário mínimo, decidido em 2014 pelo anterior governo, e o descongelamento das portarias de extensão (um mecanismo que estende os aumentos salariais previstos num contrato colectivo a empresas não filiadas nas associações que o assinaram) já não tinha sido visto com bons olhos pela Comissão Europeia e pelo FMI.

Com o novo governo, o caminho desvia-se ainda mais do rumo desejado pela troika. No esboço do Orçamento do Estado (OE) para 2016, o executivo sustenta uma parte significativa da aceleração da economia num aumento do rendimento dos portugueses, com a remuneração média por trabalhador a registar um aumento anual de 2,1%.

Este aumento tem por base duas medidas que estão em vigor desde o início do ano. A subida do salário mínimo de 505 para 530 euros, abrangendo mais de 600 mil trabalhadores, e a reposição dos cortes salariais dos funcionários públicos ao longo do ano (mais depressa do que previa o anterior Governo).

Além disso, o governo de António Costa recuperou a fórmula de actualização das pensões (este ano, as reformas até 628 euros terão um aumento de 0,4%). Aumentou ainda o valor de referência do  rendimento social de inserção, o limite a partir do qual os idosos podem aceder ao complemento solidário e os dois primeiros escalões do abono de família.

O esboço do OE, o governo compromete-se também a reduzir a taxa social única paga pelos trabalhadores com salários até 600 euros.

No conjunto, todas estas medidas se traduzem em mais rendimento disponível para trabalhadores, pensionistas e beneficiários de prestações sociais. Raquel Martins

O que a troika disse
“Uma reforma abrangente do sistema de pensões, só será discutida depois das eleições [legislativas]”

Depois de várias tentativas, a última das quais foi travada pelo Tribunal Constitucional, a reforma do sistema de pensões acabou por não avançar. No Programa de Estabilidade, o anterior governo comprometia-se a poupar 600 milhões de euros com as pensões, “independentemente da combinação entre medidas de redução de despesa ou de acréscimo de receita que venha a ser definida”.

O executivo de António Costa não se compromete a fazer qualquer reforma profunda no sistema, nem sequer fala em 600 milhões de euros. O objectivo passa, sobretudo, por melhorar a sustentabilidade do regime de pensões a médio prazo.

Para isso, em 2016, irá reavaliar as alterações feitas ao factor de sustentabilidade, estudar a diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social e, em simultâneo, rever as isenções e reduções da taxa contributiva.

Promete também aprofundar a convergência do regime da Caixa Geral de Aposentações (CGA) com o Regime Geral de Segurança Social (RGSS), para eliminar as discrepâncias ainda existentes. Raquel Martins

O que a troika disse
“As autoridades devem ser cautelosas na reversão de medidas do lado da receita”

Na sua última avaliação, o FMI pedia prudência em relação às alterações na política fiscal e considerava as projecções para a cobrança de impostos demasiado optimistas (a receita fiscal do Estado acabaria por crescer 5% no conjunto do ano, mas ficou a 40 milhões de euros aquém do objectivo dos 39.023,9 milhões de euros).

Para o Fundo, “as autoridades devem ser cautelosas na reversão de medidas do lado da receita adoptadas nos últimos anos”, o que poderia exigir nomeadamente “o cancelamento parcial ou o adiamento da proposta de supressão gradual da sobretaxa do IRS” caso se verificassem desvios na receita e na despesa pública. Para este ano, os avisos poderão ser retomados agora pela troika, já que há duas medidas com impacto orçamental que o novo Governo vai mexer: a redução do IVA da restauração para 13% a partir de Julho e a redução gradual da sobretaxa de IRS de 3,5%. Em vez de a taxa descer 0,875 pontos ao longo de quatro anos (só sendo eliminada por completo em 2019, como previa o anterior executivo), a sobretaxa é reduzida de forma mais rápida já este ano para os primeiros escalões de IRS (para 1%, 1,5% ou 3%, só se mantendo nos 3,5% para os rendimentos colectáveis acima dos 80 mil euros).

O FMI fazia ainda outro aviso, para a redução do IRC ser “cuidadosamente avaliada a cada ano, para evitar queda nas receitas”. Neste caso, o PS já tinha dito que não iria dar seguimento à redução do IRC programada pelo anterior executivo, pelo que a taxa se mantém nos 21%. Pedro Crisóstomo

O que a troika disse
“Abordagem coordenada para a reestruturação das empresas”

Era um dos focos do programa da troika e continua a ser uma das preocupações da Comissão Europeia e do FMI. Perante o elevado nível de endividamento do tecido empresarial, actualmente num valor equivalente a 146% do PIB português, as instituições aconselham que continuem a ser tomadas medidas para resolver o enquadramento legal da reestruturação de dívidas de empresas.

Ainda antes das legislativas, no relatório da segunda avaliação pós-programa de resgate de Portugal, o FMI pedia para que as autoridades portuguesas fossem “pró-activas” e avançassem com uma “abordagem coordenada para a reestruturação das empresas viáveis e a liquidação das empresas não viáveis”. Também a Comissão Europeia sugeria uma “abordagem mais ambiciosa para resolver o problema de desalavancagem das empresas e para complementar as medidas já em vigor”.

Nem o FMI nem a Comissão indicam que tipo de medidas que devem ser tomadas, limitando-se a identificar o problema. O primeiro Governo de Passos lançou, nos últimos anos, várias medidas na área das insolvências e da recuperação das empresas, nomeadamente com o novo Código de Insolvência, o Processo Especial de Revitalização e o Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial, estes dois criados como alternativa às insolvências.

Agora, o regime de insolvência deverá ser revisto de novo. No programa de Governo, o executivo de António Costa explica que o objectivo é “retirando ao juiz actos meramente administrativos e credibilizando a reclamação de créditos e fixando especiais exigências às entidades públicas quando inviabilizam um PER perante a existência de uma maioria de credores comuns a expressar o seu acordo”.

Outra prioridade prevista passa por “promover a aceleração dos processos de reestruturação empresarial e respectiva capitalização, criando mecanismos que facilitem a conversão da dívida em capital ou de redução da dívida em empresas consideradas viáveis”. Pedro Crisóstomo

O que a troika disse
“Reformas no sector dos transportes avançam muito devagar”

A frase foi escrita no relatório da Comissão Europeia feito após a segunda visita da troika de credores de Junho de 2015. E pode muito bem manter-se no relatório que vai resultar da visita nos primeiros meses de 2016. As reformas no sector portuário, com o objectivo de estabelecer “um novo modelo de governação e regulação do sector” continuam sem ter saído do papel – apesar de estarem inicialmente previstas para Março de 2015. A Autoridade da Concorrência colocou em consulta pública um estudo com recomendações nesse sentido, mas ainda não apresentou a versão final.

E as renegociações de todas as concessões portuárias acabaram por levar um travão a fundo, com a queda do governo de Passos Coelho e tomada de posse do governo socialista. A troika recomendava que  todas as concessões fossem renegociadas, de modo a permitir baixar os custos pela sua utilização por parte dos operadores portuários.

Por enquanto, apenas a concessão do Terminal XXI foi concluída. E todas as outras estão num compasso de espera. Ao PÚBLICO, a nova Ministra do Mar, Ana Paula Vitorino, diz que ainda está a aguardar informações das administrações portuárias e dados que a convençam da necessidade de renegociar as concessões e fazer novos investimentos. 

No caso dos transportes urbanos, as subconcessões levaram um travão a fundo. O contrato para a operação privada do Metro de Lisboa e da Carris vai ser anulado, e o contrato da STCP terá uma decisão semelhante nos próximos dias. No caso da Metro do Porto, a tutela quer manter o actual figurino da operação (com concessões a provados) faltando decidir se lança um novo concurso, ou dá seguimento ao ajuste directo em que saiu seleccionada a Transdev.

Ainda no capítulo das privatizações, apenas a venda da CP-Carga pode ser dada como consumada, e já foi entregue à MSC Carga. A TAP, já foi vendida ao consórcio Atlantic Gateway, dos empresário  Humberto Pedrosa e David Neelman, mas o governo quer convence-los a perder a posição maioritária com que ficaram no capital accionista. Luísa Pinto

O que a troika disse
“Eliminação do défice tarifário até 2020”

A redução dos custos da energia para famílias e empresas e a eliminação da dívida tarifária da electricidade (que este ano pesará 1,78 mil milhões de euros nas facturas da luz) foi um dos temas em que as instituições internacionais fizeram finca-pé nos relatórios de monitorização, com a meta a estabelecer-se inicialmente em 2020. O Governo PSD/CDS assumiu entretanto o adiamento para 2022, mas há duas semanas o regulador do sector, a ERSE, disse que as suas estimativas “apontam para 2023 ou 2024”, mas só se não houver decisões de política energética que acrescentem mais custos ao sistema eléctrico. Não está claro quais serão as medidas do executivo na energia, além do referido no plano de Governo (como o incentivo ao desenvolvimento de mini-hídricas). Sabe-se no entanto que, do lado da receita, já se deu resposta a um dos avisos que o FMI deixou no relatório final, o da cautela no abandono de medidas de geradoras de receita como a contribuição extraordinária sobre o sector da energia (CESE). A vigência da medida, que vale cerca de 200 milhões, foi prorrogada em 2016. Ana Brito

O que a troika disse
“Os bancos portugueses atingiram níveis recorde de capital”

Nos seus mais recentes relatórios, tanto a Comissão Europeia como o FMI fizeram questão de mostrar optimismo em relação à situação da banca portuguesa, destacando os níveis de capital atingidos. É verdade que foram deixados alertas, como a elevada exposição ao sector imobiliário, à economia angolana e à dívida pública portuguesa, mas não foram dados sinais de que uma nova resolução bancária pudesse estar iminente.

Agora, a troika volta a Portugal depois de mais um banco – desta vez o Banif – ter obrigado o Estado a um avultado esforço financeiro que comprometeu as metas do défice. E depois de se ter confirmado a enorme dificuldade em garantir uma venda do Novo Banco a privados, tendo o Banco de Portugal assumido mesmo a necessidade de alargar as perdas dos credores da instituição financeira, com custos visíveis para a reputação do país junto dos mercados financeiros internacionais.

Nesta questão, contudo, é pouco provável que o Governo se coloque à defesa. As soluções encontradas, tem defendido o Executivo, foram sobretudo responsabilidade do Banco de Portugal e da Comissão Europeia. Sendo assim, quando se falar da necessidade de estabilidade financeira, as diversas partes poderão entrar num jogo de distribuição de culpas. Sérgio Aníbal

O que a troika disse
“Informação preliminar fornecida pelas autoridades demonstra que o novo sistema [emissão de recibos electrónicos de renda] funciona bem”

No mercado de habitação, a troika identificou vários problemas, com destaque para o arrendamento paralelo, exigindo ao Governo uma plano de acção com ao seu combate. Na presente avaliação são reconhecidos melhorias, em especial no novo enquadramento fiscal do arrendamento, onde assume relevância o registo electrónico dos contratos e respectiva emissão de recibos electrónicos de renda. Os dados até Junho - 100 mil contribuintes chamados a corrigir os rendimentos prediais nas declarações de IRS, 120 mil contratos e emitidos 270 mil recibos electrónicos – mostram que o sistema está a funcionar bem”, refere o relatório. Entretanto, os números referidos foram largamente ultrapassados no final do ano, superando os 550 contratos registados. É referido ainda que o combate à evasão fiscal beneficiará ainda do cruzamento de dados dos prestadores de serviços básicos (água electricidade e telecomunicações) e de inspecções fiscais, em curso. Rosa Soares

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