O que o está em causa nas negociações com Bruxelas
Entre aquilo que a Comissão Europeia quer e os compromissos assumidos com os partidos à sua esquerda, o Governo tem uma margem de manobra curta para garantir o sucesso das negociações.
O que a Comissão Europeia quer...
Um défice claramente abaixo de 3%
Depois de Portugal falhar, por causa do custo associado à resolução do Banif, o objectivo de colocar o défice abaixo de 3% em 2015, a Comissão Europeia quer ver no Orçamento do Estado para este ano uma meta que fique de forma confortável dentro dos limites estabelecidos pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento.
O anterior Governo tinha apontado em Julho para uma meta de 1,8% do PIB (depois dos 2,7% não cumpridos em 2015). O actual Governo começou por apresentar uma meta de 2,8% no programa do Governo, que baixou para 2,6% no esboço do Orçamento e que agora parece disposto a colocar em 2,4%.
O problema é que nas contas da Comissão, os números do Governo não batem certo e o défice pode ficar mesmo acima de 3% outra vez.
Uma redução no défice estrutural
A última recomendação feita pelo Conselho Europeu a Portugal era, depois de mais uma meta falhada em 2015, de uma redução do défice estrutural em 2016 de 0,6 pontos percentuais. No esboço do Orçamento, o Governo apenas prometeu 0,2 pontos, o suficiente para deixar desde logo os responsáveis da Comissão insatisfeitos.
Mas o problema tornou-se ainda maior porque, para atingir esse valor, o executivo classificou como medidas extraordinárias muitas das reversões de austeridade previstas para este ano, como o desaparecimento dos cortes salariais na função pública ou a redução mais rápida da sobretaxa.
A Comissão e o Governo estão a negociar qual a melhor forma de contabilização destas medidas, mas o que é certo é que Bruxelas quer ver um maior esforço de consolidação orçamental e não apenas uma redução do défice baseado no crescimento da economia.
Mais reformas estruturais
No passado, em países que não cumpriam nos seus orçamentos com as metas exigidas para o défice, Bruxelas aceitou como atenuante a apresentação de planos de reformas estruturais ambiciosos.
Para a Comissão, fazer reformas estruturais significa flexibilizar os mercados laboral e de produtos, por forma a reduzir os custos das empresas, tornando a economia mais competitiva. Bruxelas gostaria de ver o Governo a apresentar mais medidas deste tipo.
O que o Governo garantiu aos partidos à esquerda
Reposição salarial
O documento prevê “a reposição integral, ao longo do ano de 2016, dos salários dos trabalhadores do Estado”.
Prestações sociais
No Complemento Solidário para Idosos, o esboço prevê a reposição do valor de referência, passando de 4909 para 5022 euros anuais, repondo assim os valores em vigor até 2012 e permitindo que voltem a beneficiar desta prestação idosos que ficaram excluídos. Prevê-se que sejam abrangidos, em 2016, cerca de 200.000 idosos. No Rendimento Social de Inserção, prevê-se a reposição dos níveis de protecção, existentes até 2011, abrangendo, previsivelmente, em 2016, cerca de 240.000 portugueses.
Prestações familiares
Aumento do valor do abono de família, com uma actualização de 3,5% no 1.º escalão, de 2,5% no 2.º escalão e de 2% no 3.º escalão.
Pensões
Actualização de 0,4% de pensões e complementos até 628,82 euros. A partir de 1 de Janeiro de 2016, por aplicação das regras de actualização suspensas desde 2010, pretende actualizar-se 2,5 milhões de pensões.
Sobretaxa de IRS
Redução gradual da sobretaxa de IRS: 0% para rendimentos colectáveis anuais até 7000 euros (primeiro escalão do IRS); 1% para rendimentos colectáveis anuais entre 7000 e 20.000 euros (segundo escalão do IRS); 1,75% para rendimentos colectáveis anuais entre 20.000 e 40.000 (terceiro escalão do IRS); 3% para rendimentos colectáveis anuais entre 40.000 e 80.000 (quarto escalão do IRS).
Taxa Social Única (TSU)
Redução até ao limite de 1,5 pontos percentuais, sem consequência na formação das pensões, da TSU paga pelos trabalhadores com salário base bruto igual ou inferior a 600 euros mensais.
Outras medidas
O documento estipula como meta “melhorar a sustentabilidade do sistema de pensões a médio prazo”. Neste aspecto, compromete-se, entre vários outros pontos, a estudar a diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social. E não prevê qualquer nova privatização.
O que é que o Governo tem para oferecer a Bruxelas
Aumentar impostos
Tendo garantido no seu programa de governo, apoiado por uma maioria parlamentar, que irá proceder a uma recuperação do rendimento dos portugueses, agravar os impostos directos sobre os salários dos portugueses seria uma hipótese com elevados custos políticos.
Eventualmente, o Governo poderia centrar-se apenas nos escalões mais elevados de rendimento e nos rendimentos sobre o capital. A esse nível, as dúvidas que se colocariam seriam sobre a fiabilidade das estimativas de obtenção de receita adicional, já que neste tipo de impostos, um aumento de taxas pode conduzir a alterações do comportamento dos agentes económicos que minimizam o impacto na receita fiscal.
Nos impostos indirectos, o Governo tem mais hipóteses de garantir ganhos imediatos de receita. A hipótese de um aumento do IVA, por afectar a generalidade da população e diminuir o seu poder de compra, parece também ser difícil em termos políticos, por isso o Governo tenderá a virar-se para produtos específicos, como os combustíveis e os automóveis. Nas negociações com a Comissão Europeia estas são duas áreas que fizeram parte das propostas do Governo.
Por fim, o Governo pode optar por sugerir um agravamento dos impostos sobre a banca e as empresas.
Reduzir despesa de funcionamento
Com as principais rubricas da despesa intocáveis (salários e pensões), o Governo pode apresentar junto da Comissão Europeia a intenção de cortar nas despesas correntes de funcionamento. Já o fez no esboço do OE e poderá voltar a fazê-lo.
O problema é que, não havendo uma medida concreta por trás dessa intenção, a Comissão pode considerar as metas de cortes de despesa pouco credíveis.