Na rota da Seda

A Imatosgil e a CGD são os principais accionistas da espanhola La Seda
Fotogaleria
A Imatosgil e a CGD são os principais accionistas da espanhola La Seda DR (arquivo)
Fotogaleria

A empresa fundada em 1925, que começou por produzir fio de viscose e hoje lidera o mercado europeu de PET (polietileno tereftalato, o plástico utilizado em embalagens), anuncia novas aquisições a um ritmo intenso.

"É uma situação inédita dada a velocidade das operações. Em Espanha há sempre rumores sobre as possíveis compras", diz Enrique Hinojosa, analista da Eurodeal.

Em 2006 a La Seda tinha uma capacidade de produção de 190 mil toneladas por ano de PET e nenhuma de PTA (a matéria-prima de todas as formas de poliéster). Em Maio deste ano a estratégia seguida permitia ao grupo aumentar a sua capacidade instalada para 975 mil toneladas de PET e 670 mil de PTA. Já em Outubro, a compra da australiana Amcor por 430 milhões de euros trouxe receitas adicionais de 500 milhões de euros e sete novas fábricas de pré-formas, fechando a cadeia de valor da produção de embalagens plásticas, o novo "core business" da La Seda, que está cotada na bolsa.

As notícias sobre o crescimento da empresa espanhola seriam votadas à secção da economia internacional, não fosse a participação mais importante estar nas mãos de duas empresas portuguesas. A "holding" Imatosgil (IMG), da família Matos Gil, tem 11 por cento do capital e fez um acordo verbal com a Caixa Geral de Depósito (CGD), que detém cinco por cento, para reforçar e concertar posições nas assembleias gerais e no conselho de administração.

Histórias cruzadas

Discreta e com pouca exposição pública, a família Matos Gil está há muito ligada ao sector dos plásticos. "A primeira empresa que teve foi a Neoplástica. Em finais de 2001 vendeu-a ao grupo alemão Klöckner que produzia embalagens para o sector alimentar", começa por explicar Nuno Gaioso Ribeiro, administrador da Imatosgil. O investimento na La Seda acontece no mesmo ano, e numa altura de grandes dificuldades financeiras para a empresa petroquímica, que chegou a sair da bolsa no início da década de 90, desinvestiu em áreas de negócio e foi obrigada a fazer uma reconversão industrial.

A Imatosgil percebeu que o produtor espanhol tinha um parque industrial preparado para deixar a produção de fibras e apostar no PET, cujo consumo na Europa regista um crescimento na ordem dos seis por cento, (veja caixa). Para a transformar em líder de mercado era preciso fazer uma ampla reestruturação financeira e industrial, consolidar o sector do PET e introduzir a produção de PTA e pré-formas.

A "holding" IMG foi aumentando a sua participação no grupo catalão - chegou a ter 25 por cento - à medida que também investia em novos activos no sector petroquímico, comprando em 2002 a Trevira Fibras, fábrica de Portalegre que passou a chamar-se Selenis. Quando a família Matos Gil a adquiriu (o banco holandês ING Barings e a sociedade capital de risco Ibersuizas também eram sócios) liderava o mercado nacional e tinha uma facturação global de 69 milhões de euros. Um dos seus clientes históricos é a Logoplaste. "Somos clientes desde 1991 quando a empresa ainda se chamava Hoechst Fibras. É o único fornecedor com fábrica em Portugal", diz Filipe de Botton, líder da Logoplaste.

A família Matos Gil continua a apostar no sector petroquímico e no início de 2004 anuncia a venda da Neoplástica América (com fábricas no Brasil e no México) ao Banco Pastor e Reordo, sociedade de investimento que pertence à família de Amancio Ortega, o presidente do gigante têxtil Inditex. Seguiu-se a compra da Aussapol, unidade de PET instalada em Udine, Itália. O grupo português tinha, assim, uma capacidade de produção de 270 mil toneladas, superior à da La Seda. "Éramos maiores do que a empresa espanhola que só tinha uma unidade em Barcelona. Em 2005 comprámos a Volos PET Industry [o único produtor de PET na Grécia e nos Balcãs], com 80 mil toneladas de capacidade de produção. Neste sector, somos operativos, operacionais e investidores", comenta Nuno Gaioso Ribeiro, que também é administrador da La Seda. O investimento de 50 milhões de euros transformou o grupo português no líder europeu.

Comprar, comprar, comprar

No final de 2006 é a vez da La Seda ir às compras. A Imatosgil vende ao grupo de que é accionista a Selenis Indústria (Portalegre) e a Selenis Itália. A empresa portuguesa encaixa 80 milhões de euros, mantendo ainda quatro outras divisões da Selenis, como a de reciclagem e a de fibras. Para conseguir concretizar a aquisição, os accionistas da La Seda aprovam um aumento de capital de 419 milhões de euros. É nesta altura que a CGD entra no grupo espanhol, facilitando a transacção da Selenis entre a Imatosgil e a La Seda. Esta operação dá a liderança à empresa espanhola e condições para estabelecer uma linha de crédito de 405 milhões de euros com o Deutsche Bank.

À Imatosgil, a entrada da CGD fornece um novo aliado. Concertados, os dois reúnem 16 por cento da La Seda, ficando o banco público com cinco por cento. A CGD, que já aplicou 56,7 milhões de euros neste negócio, diz que teve como objectivo "a internacionalização de um grupo português que tinha já uma posição accionista relevante na empresa" e a "realização em Portugal de um investimento numa fábrica para produção de PTA da La Seda", o projecto de Sines que começará a laborar em 2010. "Como empresa cotada em bolsa, podemos afirmar que, em termos de valorização, está a ser igualmente um negócio interessante", acrescenta fonte oficial do banco. A Imatosgil e a CGD não escondem a possibilidade de aumentar a posição na La Seda, tendo que lançar uma Oferta Pública de Aquisição (OPA) obrigatória se passarem os 30 por cento.

Apetite voraz

Fortalecida financeiramente, a La Seda continua a saciar o apetite pelas aquisições, num mercado regional e fragmentado, mas avaliado em cerca de 25 mil milhões de euros. Os activos industriais de PET, pré-formas e PTA da Advansa, do grupo Sabançil, custam-lhe 320 milhões de euros, e dão acesso ao mercado de PTA, a base de produção de PET. Depois, compram outra sociedade da Imatosgil, a grega Volos PET, vendem uma unidade têxtil por 24 milhões de euros, e criam uma nova empresa com os italianos da Montefibre. É nesta altura de compras e reorganizações que surge o anúncio mais relevante desse ano: a construção de uma fábrica de PTA em Sines, com capacidade de produção de 700 mil toneladas anuais. O projecto, que terá um investimento de cerca de 300 milhões de euros, permitirá à La Seda liderar o segmento de PTA na Europa, quando até 2006 não operava nesta área. A fábrica, que conta com apoios de Bruxelas, estará operacional no primeiro trimestre de 2010, criando 150 postos de trabalho directo.

Durante uma visita do ministro da Economia, Manuel Pinho, a Barcelona, Manuel Matos Gil, presidente da Imatosgil, admitiu ao "Jornal de Negócios" que a La Seda está a estudar a construção de uma outra unidade em Portugal, uma fábrica de pré-formas, projecto que deverá arrancar em 2008 e 2009. O PÚBLICO contactou a empresa espanhola, mas não obteve resposta.

Para concretizar este e outros projectos, os accionistas da La Seda, portugueses incluídos, fazem outro esforço financeiro. Um novo aumento de capital, agora no valor de 439,5 milhões de euros, garante o dinheiro necessário para manter a política de crescimento. Ao todo, e em cerca de um ano, foram angariados 870 milhões de euros por via dos accionistas.

Na extensa lista de novas aquisições está ainda a unidade de PET da Eastman Chemical em San Roque por 40,5 milhões de euros, 60 por cento da Reciclados de Plásticos de Barcelona e 20 por cento da Begreen, líder no mercado brasileiro. Toda a actividade da La Seda de PET foi, entretanto, reagrupada sob o nome Artenius.

Com a recente compra da Amcor, anunciada há pouco mais de uma semana, o grupo petroquímico de Barcelona prevê atingir no final do ano vendas na ordem dos 2,1 mil milhões de euros. Tem, agora, 22 fábricas em 11 países europeus e 2100 trabalhadores. Os investimentos atingiram os mil milhões de euros e a capitalização bolsista está nos 1500 milhões de euros. No horizonte estão novas unidades de negócio: os biocombustíveis e a reciclagem.

O analista espanhol Enrique Hinojosa, da Eurodeal, pouco sabe sobre o peso da Imatosgil na gestão do grupo catalão, mas certo é que o grupo português deverá aumentar a sua participação. É na La Seda que a IMG concentra os seus investimentos na Europa. Apesar de ser manter afastado da gestão directa, a sua posição é determinante na orientação estratégica do grupo espanhol.

Olhos postos noutros mercados

Os novos mercados a Leste, no Médio Oriente e em África também estão na mira de Manuel, João, José e Madalena Matos Gil. A Control PET Gulf, detida em partes iguais pela IMG e a saudita CDC - Chemical Development, vai construir em Khobar, na Arábia Saudita, uma fábrica de PET com 450 mil toneladas de capacidade, num investimento de 200 milhões de euros. Está também prevista a construção de uma unidade PTA (400 milhões de investimento).

A consolidação no sector do PET foi feita com recurso a "private equities" e as novas oportunidades identificadas pela Imatosgil terão como parceiros estratégicos a CGD e o BES (a IMG detém cinco por cento da Espírito Santo Internacional Holding). A prioridade do grupo português é "diversificar com parceiros": detém o fundo Honeycomp em parceria com o BES, que controla os activos da área da petroquímica - incluindo da La Seda - tem participações em "private equities" (12,5 por cento da Ibersuizas) e nos bancos BBVA, BIG e Santander. Os interesses estendem-se ao imobiliário (tem 100 por cento da Neoimobiliária) e às energias renováveis (comprou a Enervento, agora IMG Energia).

A La Seda, que serviu de expansão para a Imatogil, é hoje uma empresa com reputação no mercado e sinal do interesse crescente é a entrada, este mês, da Oman Oil no capital do grupo. "Tem grande prestígio e boa reputação no mercado. Em Espanha é considerada uma das boas empresas para investir a médio prazo", comenta Enrique Hinojosa. As conversas de corredor sobre o futuro da La Seda vão continuar.

Sugerir correcção
Comentar