Competitividade, salários e o futuro
Anseio pelo dia em que Portugal já não necessitará de ser pedinte de astronómicos fundos europeus.
O líder do governo português criticou as políticas de baixos salários e de precariedade. Possui poder de decisão, tutela os serviços públicos e, por exemplo, poderá colocar um fim à precariedade contratual dos professores e à exploração de profissionais de saúde. Aquelas frases foram sensatas. Mas temo que a política portuguesa continue a ser quase deserta de ideias brilhantes sobre como construir um futuro diferente.
Obviamente pode ser inexequível uma empresa pagar instantaneamente melhores salários. Mas a imobilidade será o suicídio empresarial a prazo. Muitos outros países têm e terão sempre salários mais baixos que os portugueses e, agora, começam simultaneamente a aceder às mais modernas tecnologias. Temos que evoluir. Este é um modelo económico que irá lentamente implodir.
Muitos invocam a subida dos salários como algo que retiraria competitividade às empresas nacionais. E infere-se que os trabalhadores devem incrementar a “sua” produtividade. Persiste também a visão de que os portugueses trabalham pouco e de que é útil extinguir feriados e aumentar horários de trabalho. Não é assim.
No mais recente ranking mundial de competitividade (WEF) Portugal situa-se num humilhante 39.º lugar. A ultracompetitiva Alemanha está colocada no brilhante 4.º lugar, mas os seus trabalhadores recebem um salário médio que é triplo do salário médio em Portugal. Na maioria das nações mais competitivas o salário médio é muito superior ao português. Os irlandeses, que imaginamos em terrível crise, ganham, em média, mais do dobro dos portugueses.
Olhemos comparativamente também o argumento de que a competitividade exige que trabalhemos mais horas. Os últimos dados anuais disponíveis indicam que os trabalhadores portugueses trabalham mais 35,4% de horas do que os trabalhadores alemães. As empresas portuguesas trabalham muito mais que as alemãs. Mas muito pior.
Isto é, as empresas portuguesas carecem de competitividade mas as altamente competitivas empresas alemãs pagam salários muitíssimo mais altos, a trabalhadores que trabalham muito menos horas. Poderíamos admitir que, intrinsecamente, os trabalhadores portugueses são menos produtivos, mas isso não é exacto. Constato, em muitas das empresas eficientes do mundo, que trabalhadores portugueses, algum tempo depois de recrutados, estão entre os melhores, os mais apreciados, os mais produtivos.
É verdade que Portugal enferma de uma cultura transversal de “trapalhice” que parece contaminar o ADN de toda uma nação. Mas os trabalhadores portugueses, quando inseridos numa “máquina” altamente coordenada e precisa, são muito produtivos. Além disso, naqueles países competitivos os trabalhadores tendem a ser muito mais respeitados, bem remunerados e assim incentivados. São tratados como um investimento enquanto em Portugal são vistos como um custo desprezado. É a diferença entre a moderna inteligência produtiva e o atraso.
Entendo (com todo o respeito e apesar das muitas excepções) que as empresas portuguesas, predominantemente, são desorganizadas e mal geridas no plano corrente e pior ainda no plano estratégico. De resto, competitividade e produtividade são conceitos distintos, embora interligados. A produtividade é apenas um dos múltiplos vectores da competitividade. Para esta, é fundamental criatividade e sensibilidade estratégica. Inclusive, é possível aumentar a produtividade e, mesmo assim, perder em competitividade.
Portugal entusiasma-se com uma nova vaga de fundos europeus. Mas durante as últimas 3 décadas Portugal recebeu mais de 9 milhões de Euros por dia em fundos comunitários e o resultado é um país eternamente secundário, em crise, em sofrimento. E sem esperança, porque os portugueses já perceberam que, em geral, a “classe” política carece de visão e preparação.
Entretido com um excesso de estéreis discussões sobre o défice e a execução orçamental, o país perde noção da estratégia económica num mercado transnacional em revolucionária mutação. Perdido nas tricas do imediatismo, Portugal é um país desorientado.
O que também aflige em Portugal é a deficiente noção das realidades envolventes. Acreditamos que existe uma “crise global” que desculpa a nossa perene miséria. Na verdade, estamos mais pobres enquanto outros prosperam.
Quando aderimos ao “espaço europeu” éramos um dos membros mais pobres. A Irlanda acompanhava-nos nesse atraso, mas hoje tem um PIB per capita (ppp) que é duplo do de Portugal e mesmo superior ao alemão. Na última década muitos países da Europa de Leste aderiram à UE. Eram mais atrasados e pobres do que Portugal. Mas em poucos anos a prosperidade dos portugueses já foi ultrapassada pela República Checa, pela Eslováquia, por Chipre, pela Estónia, pela Lituânia, pela Eslovénia. Os próximos a tornarem-se mais ricos que nós serão a Polónia e a Hungria.
Compreendo a euforia com os novos milhares de milhões em apoios da UE. Mas será isso uma vitória? Não necessariamente. Anseio pelo dia em que Portugal já não necessitará de ser pedinte de astronómicos fundos europeus. Nesse dia terá vencido. Agora continua um perdedor.
Gestor