O dragão: mais do que a identidade do FC Porto, é um símbolo da cidade

Iniciativa intitulada Rota do Dragão desvendou algumas das histórias por detrás de edifícios históricos do Porto.

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Rui Farinha/NFactos
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Manhã de domingo. O Coliseu do Porto é a primeira paragem da Rota do Dragão, uma iniciativa promovida pelo Museu do Futebol Clube do Porto e orientada pelo historiador e arqueólogo Joel Cleto, para dar a conhecer as origens dos dragões que se encontram espalhados pela cidade. A segunda edição do projecto que se iniciou em 2015 arranca com uma visita a um local emblemático, um dos vários com história e histórias por contar.

A sala de espectáculos marca o início do caminho, pois celebrará em 2016 75 anos de vida, tendo sido inaugurada a 19 de Dezembro de 1941. Todo o espaço é marcado por linhas relativamente simples, ao estilo déco. O caso do Coliseu é digno de registo: lá dentro o brasão ostenta um dragão, mas na fachada do edifício este não está presente, surgindo apenas os castelos.

Segundo o historiador Joel Cleto, a razão remonta aos tempos da ditadura: a 25 de Abril de 1940, António Salazar propôs uma revisão a todas as cidades, ordenando a retirada da coroa e do dragão do brasão portuense. Algumas das organizações que remaram contra a corrente e mantiveram estes elementos foram a Associação Comercial do Porto e o Futebol Clube do Porto.

A outrora Avenida das Nações Aliadas é a próxima paragem. Foi demolida em 1916 por ordem do Presidente da República, dado que o “Porto precisava de uma grande praça como havia nas metrópoles europeias”, conta Joel Cleto. Construiu-se, então, a Avenida dos Aliados, e sobre ela uma estátua de um soldado romano com um dragão.

Sobre a varanda nobre da Câmara Municipal também se vê o brasão. Contudo, a torre foi construída depois de 1940 e por isso só se adivinham os castelos nas insígnias.

Sinónimo de invencibilidade

Desce-se a Avenida e encontra-se a estátua de D.Pedro IV. Aqui, o historiador conta a importância da cidade para o antigo Imperador do Brasil: em 1828, D. Miguel encontrava-se no poder – aproveitando a ausência do irmão – e o descontentamento era elevado. O Porto revoltou-se prontamente, rebelião que levou a que “os mártires da pátria” fossem executados pelos absolutistas.

A situação mudou em 1832: D.Pedro desembarca em Pampelido e, com o apoio da população, vence a guerra civil dois anos depois, expulsando os absolutistas e proclamando D. Maria II, sua filha, como Rainha de Portugal. “D. Pedro sabia que sem o Porto não teria sido possível”, explica Joel Cleto. Como "recompensa" pela luta incansável da cidade, o monarca atribuiu-lhe o título de “Invicta” e deixou (literalmente) o seu coração, que se encontra actualmente num dos altares da igreja da Lapa, adornado também com um dragão. “O dragão tem a ver com os valores representados durante o Cerco: espírito de luta, invencibilidade”, continua o historiador.

Ainda por vontade do “Libertador”, o segundo filho do Rei passaria a ostentar o título de Duque do Porto. “Dessa coroa sobressai um dragão negro das antigas armas dos senhores reis destes reinos”, conclui Joel Cleto.

Durante o século XIX, o desporto era uma prática muito associada às elites. Guilherme Gomes Fernandes, figura que impulsionou o progresso dos bombeiros de forma marcante, viveu alguns anos no Porto e mudou-se para Londres com o intuito de prosseguir os estudos. Desde cedo revelou uma paixão pela ginástica, tendo- se associado aos bombeiros para a prática da modalidade. Em 1900, durante o Campeonato do Mundo de Ginástica realizado em Vincennes, Paris, os bombeiros do Porto conquistaram o primeiro lugar. Eternizado numa estátua na praça com o seu nome, na pala do seu capacete encontra-se o brasão com um dragão no topo.

"Meia centena de lugares com dragões"

Inicia-se a viagem de regresso. De volta à Avenida dos Aliados, Joel Cleto conta que o Edifício Axa era “um parque de jogos do Futebol Clube do Porto, principalmente de basquetebol”. Ao lado, o edifício com o número 325 era a antiga sede do clube e onde está prevista a construção de um parque temático.

Desde meados do século XIX que, na opinião de Joel Cleto, é impossível separar o dragão da Invicta. “Há dragões espalhados por toda a cidade. Entre brasões, emblemas, elementos decorativos, estátuas, temos pelo menos meia centena de lugares com dragões”, conta ao PÚBLICO.

As gerações mais novas, provavelmente, não terão conhecimento destas histórias externas ao clube, devido à reforma heráldica de 1940 que retirou a coroa ducal e o dragão do brasão. “Com todo o protagonismo que o FC Porto tem, é a instituição que ostenta de forma mais evidente o dragão, por isso não admira que muita gente associe o dragão apenas ao clube, quando este é, na verdade, um símbolo da cidade”, defende o arqueólogo.

Jorge Maurício Pinto, director de programação do Museu do Futebol Clube do Porto, vê nestas iniciativas uma oportunidade de transmitir e conjugar a história do clube com a da cidade. “O Museu é do clube, é guardião de quase 123 anos de história. Cruza três séculos e, por isso, fala não apenas do clube como também da cidade. É um reflexo do próprio Porto”, refere ao PÚBLICO.

Para Jorge Maurício Pinto, a Rota do Dragão permite aos portuenses consolidarem o conhecimento sobre o Porto. “As pessoas, agarradas aos seus ideais, ao seu ‘portismo’, nem sempre se lembram que ser portista é ser portuense e vice-versa. Há uma identidade muito própria enraizada na mente delas. E portanto, nós lembramos-lhes e acrescentamos (em alguns casos) que o FC Porto é muito mais do que um clube de futebol”, prossegue.

Joel Cleto corrobora a ideia e vai mais além. “Este tipo de actividades é importante. Eu entendo que o papel da História e do património só tem alguma valia se tiver uma aplicação no presente e no futuro. Para a qualidade de vida das populações é tão importante o saneamento ou a electricidade como não nos sentirmos alheios ao passado da cidade. Saber que existem monumentos, histórias, símbolos que nos ligam uns aos outros, reforça os laços de vizinhança”, finaliza.

Texto editado por Nuno Sousa

 

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