Blatter, o monarca absoluto da Fifalândia
Quarenta anos a mover influências e a consolidar o poder tornaram o suíço, de facto, quase intocável, apesar das denúncias.
Quando Sepp Blatter chegou à presidência da FIFA em 1998, já por lá andava há 23 anos, primeiro como director-técnico (1975-1981), depois como secretário-geral (1981-1998), sempre com o brasileiro João Havelange, o segundo presidente da FIFA com mais anos no cargo (24), apenas atrás de Jules Rimet (33) – Blatter, com 17 anos na cadeira, já é o terceiro. “Ele pode bem ser o ditador não homicida com mais sucesso do último século”, escrevia no início no ano Marina Hyde, num artigo do jornal britânico “The Guardian”. Quarenta anos a mover influências e a consolidar o poder tornaram-no, de facto, quase intocável, apesar das denúncias, e ao ponto de se candidatar a mais um mandato, apesar de ter dito antes que não o iria fazer.
As primeiras eleições para a presidência da FIFA a que concorreu, em 1998, já dão uma ideia de como o suíço se tem consolidado no organismo. Frente ao sueco Lennart Johansson, na altura presidente da UEFA, Blatter ganhou na primeira ronda de votação (111-80) e o sueco concedeu a vitória ao suíço, apesar da suspeita de compra de votos. As eleições de 2002 foram ainda mais fáceis para Blatter, com um esmagador 139-56 frente ao camaronês Issa Hayatou (que entretanto se tornou um aliado de Blatter e que também foi, em 2011, envolvido em alegações de compra de votos na atribuição do Mundial 2022 ao Qatar). Em 2007 e 2011, Blatter foi o único a ir a votos, sendo que, em 2011, beneficiou da desistência do qatari Mohammed bin Hamman, também envolvido em acusações de corrupção.
Blatter tem a oposição declarada da UEFA e da maior parte dos seus membros, mas não foi na Europa que consolidou o poder. Como diz um perfil publicado pela própria revista da FIFA, Blatter viajou bem mais que os seus antecessores, “visitando a Samoa, as Ilhas Cook, o Nepal, o Djibouti, Monserrat e Dominica”, nações com pouca expressão no futebol, mas que, em congresso, têm um voto, tal como os países mais poderosos, a contrapartida pelo desenvolvimento do futebol através dos tais fundos de solidariedade. À entrada para mais um congresso e mais um acto eleitoral, Blatter terá o apoio da Confederação Africana e terá boa parte dos países asiáticos, para além de contar com a maioria ou totalidade dos votos na Oceânia, América do Sul e CONCACAF (América do Norte, Central e Caraíbas).
Claro que a FIFA cresceu com Blatter. Quando entrou na FIFA, os seus membros eram 144. Em 2015, são 209. Em 1975, Blatter foi contratado ao fabricante de relógios Longines e tornou-se no 12.º funcionário do organismo. Vinte anos depois, a FIFA emprega 425 pessoas. Também foi com Blatter que a FIFA ganhou a sua luxuosa sede em Zurique, com um custo estimado de 196 milhões de dólares. Com as receitas dos patrocínios e das transmissões televisivas, a FIFA pode dar-se a estes luxos.
Blatter, tantas vezes apontado como o principal responsável pela degradação da imagem do organismo a que preside, tem conseguindo evitar um envolvimento directo em todas as investigações, à custa de muita retórica, promessas de reformas e vontade publicamente declarada de ajudar em tudo o que for preciso. Como Walter de Gregorio o porta-voz da FIFA, declarou, Blatter não está directamente envolvido nesta investigação, mas também “não está a dançar no seu gabinete”.
É pouco provável que ele próprio tenha recebido subornos para o que quer que fosse. Como escrevia há um ano Owen Gibson no “Guardian”, Blatter “não tem necessidade de encher os bolsos com subornos com um salário não declarado da FIFA que ele dizia em 2011 ser de um milhão de dólares, mais bónus generosos e subsídios para despesas”. “Mais do que isto, ele é totalmente viciado no estatuto que a sua posição lhe dá.”