Um novo modelo de gestão para o Museu Nacional de Arte Antiga

A importância do MNAA não pode ser entendida em competição ou secundarização com os restantes museus nacionais.

O ministro da Cultura revelou recentemente, na Assembleia da República, que o Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA) irá brevemente ter um novo estatuto jurídico, possibilitando-lhe "maior autonomia administrativa e financeira". Esclareceu ainda, segundo a imprensa, que este modelo não passará a ser “o de uma empresa pública",

Iniciei a minha carreira profissional no Museu Nacional de Arte Antiga. De todos os colaboradores do meu tempo, sou dos poucos que ainda hoje permanece activo na área dos museus. Desta minha experiência tão marcante resultou o entendimento que o museu merecia sem discussão, dadas as suas colecções, dimensão e equipa, ter um estatuto especial no panorama nacional.

A minha passagem pela Direcção-Geral do Património (DGPC) obrigou-me a compreender a questão de um modo diferente, onde certamente pesou a minha experiência anterior numa grande fundação, assim como os projectos e contactos que desenvolvi internacionalmente. É esta perspectiva, mais integradora que fragmentadora, que gostaria de partilhar neste momento que se prepara um novo estatuto jurídico para o Museu.

Sempre defendi o projecto do Museu que então tutelei como a sua direcção que considero exemplar. As recentes obras de beneficiação realizadas nas Janelas Verdes, que culminará com a abertura do renovado terceiro piso dedicado às colecções de pintura e escultura portuguesa, são um legado da DGPC, continuado pela minha sucessora, de que muito me regozijo.

É totalmente incontestável a importância cimeira do museu e das suas colecções, assim como a afirmação da imagem pública que o museu registou nos últimos anos, esforço em parte da acção do seu actual director, António Filipe Pimentel, mas igualmente relevante a gestão dos directores que o antecederam. Especial destaque para Dalila Rodrigues por igualmente ter colocado sobre a mesa, de modo definitivo, a questão da sua autonomia.

Sem nunca perder de vista a realidade dos museus em Portugal, o debate em torno do seu modelo de gestão deverá, no meu entender, ser colocado fundamentalmente em dois tópicos: o patrimonial e o financeiro.

De um modo sumário interrogamo-nos se podem ser divididas em gestões distintas as colecções nacionais, que possuem uma unidade evidente, e que entre todas se completam? Por outro lado se apresenta hoje ou no futuro próximo o Museu capacidade para ser financeiramente autónomo, desenvolvendo os seus projectos, nomeadamente a sua ampliação, não se tornando mais um “Elefante Branco”? Como o é hoje a Fundação Côa Parque, um belíssimo projecto, facilmente transformado num pesadelo de gestão.

A resposta, nos dias de hoje, não é optimista. Falar de autonomia administrativa e financeira num momento de retrocesso como observamos hoje na área do património é por demais extemporâneo. Saliente-se que o Museu Nacional de Arte Antiga apresentou nos últimos anos uma capacidade de obtenção de receita própria na ordem dos 20% dos seus custos de funcionamento, o que não é significativo.

Neste momento o Museu é financiado através da sua entidade tutelar a DGPC. Esta por sua vez através do Orçamento de Estado e de significativas receitas próprias, presentemente em torno dos 50%. Retirar à DGPC as verbas correspondes às despesas de funcionamento e pessoal do MNAA, para o entregar à nova gestão do Museu, seja sob a figura jurídica que se quiser, quebraria o princípio de solidariedade dentro dos Museus, Palácios e Monumentos, em que os de maior obtenção de receita equilibram os de menor capacidade. Registe-se que no ano passado os equipamentos afectos à DGPC receberam 4.056.000 visitantes, dos quais 164.000 correspondem ao MNAA.

O segundo ponto de especial cuidado diz respeito às colecções. Ao inverso da ideia generalizada as colecções do MNAA, mesmo que excepcionais, não têm o alcance no património mundial, como sucede, num exemplo próximo, com o mais importante museu espanhol que lhe tem servido de comparação, o Museu do Prado.

Tal reconhecimento apenas poderá ser manifesto através das suas colecções em associação com outras colecções nacionais. Um exemplo simples. Para narrar a História de Portugal esta deverá ser acompanhada obrigatoriamente desde as colecções do Museu Nacional de Arqueologia, sem excluir uma passagem pelo Museu Nacional Machado de Castro, mas não só, concluindo no Museu Nacional de Arte Contemporânea - Museu do Chiado. Apenas com a colecção do museu esta viagem identitária seria significativamente incompleta.

A apresentação em Turim da mostra “A Arquitectura Imaginária: Pintura, Escultura, Artes Decorativas”, concebida e produzida pelo MNAA, reunindo obras das suas colecções e dos principias museus portugueses é testemunho exemplar do entendimento das colecções nacionais como um todo e do museu como catalisador da sua internacionalização.

Neste quadro torna-se muito difícil defender uma gestão baseada na autonomia financeira ou patrimonial. Desde muito, para não dizer desde sempre, que o museu gozou de total autonomia científica na condução dos seus projectos. Esta é porventura uma das mais importantes realidades, nem sempre destacada. Necessita contudo de ser associada a um eficaz suporte da tutela.

Qual então o modelo de gestão para o Museu Nacional de Arte Antiga? Parte da solução passará pela reformulação da própria DGPC que possui consideráveis capacidades de obtenção de receitas, logo de maior autonomia financeira. Por outro lado urge a agilização dos procedimentos, de despesa, mas fundamentalmente de receita. Área em que é necessária a intervenção das Finanças, que independentemente dos governos, é uma verdadeira “camisa-de-forças” a qualquer tentativa de gestão dinâmica. Um entrave a uma autonomia responsável em benefício dos interesses do colectivo e do próprio Estado.

A importância do MNAA não pode ser entendida em competição ou secundarização com os restantes museus nacionais. Por outro lado não pode ser comparado com grandes museus estrangeiros o que sucede, infelizmente, de um modo quase quotidiano. Com isto tudo quero afirmar a unicidade das colecções dos museus nacionais. Factor de maior relevo para o debate que se apresenta.

Outro aspecto de suma importância é a capacidade de gestão integrada do património que a DGPC possui e que a sua recente história ainda não permitiu uma manifestação plena. Constrangimentos administrativos para não dizer burocráticos, défice de pessoal especializado, capacidade de resposta pronta aos desafios, são problemas comuns em toda a máquina do Estado, e não apenas no MNAA.

É no todo, no conjunto dos Museus, Palácios e Monumentos, que se deve encontrar a solução.

A questão do modelo de gestão para o Museu Nacional de Arte Antiga é de uma importância crucial e não pode ser muito prolongada. Mas é igualmente uma questão que afecta todo o património pelo que se exige o maior cuidado. O debate até ao momento tem sido colocado no que o museu procura ser e não no que o museu realmente é. E esta é a única base segura.

Ex-director-geral do Património Cultural e Secretário de Estado da Cultura

Sugerir correcção
Comentar