O Brasil e o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa
Embora o AOLP possa conter imperfeições, constituiu o primeiro instrumento palpável de harmonização da ortografia da língua portuguesa.
O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (AOLP) passou a ter plena vigência no Brasil a partir de 1.º de janeiro de 2016. A fase discursiva do exame de acesso à Universidade de São Paulo (USP), realizada em 10 de janeiro do corrente, com a participação de 26 mil estudantes, foi o primeiro grande exame de acesso ao ensino superior brasileiro a aceitar apenas a ortografia prevista no AOLP.
O Acordo Ortográfico, firmado em 1990 por Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste, representa ponto de inflexão na trajetória internacional do idioma. Desde 1911, Brasil e Portugal ou realizaram reformas unilaterais ou ensaiaram esforços baldados de aproximação ortográfica. O AOLP interrompe essa tendência e manifesta a disposição dos países da CPLP de evitar maior dispersão da grafia do idioma.
Ademais, a uniformização das normas ortográficas contribui para a internacionalização do português ao reduzir os custos de sua transformação para língua de trabalho ou oficial em organismos internacionais. Ademais, propicia sua disseminação em sistemas de comunicação globais, como a Internet; possibilita a circulação de bens culturais entre os países de língua portuguesa, num espaço ampliado, com mais de 250 milhões de pessoas; e favorece o seu ensino como língua estrangeira ao reduzir a discrepância entre suas variantes.
Como se sabe, a incorporação do AOLP ao ordenamento jurídico brasileiro remonta a 2008, quando se finalizou o processo de ratificação do Acordo e de seus dois Protocolos Modificativos. Na ocasião, foi previsto período de transição de quatro anos (2008-2012). No entanto, com o intuito de assegurar sua implantação em todo o território nacional (o Brasil é do tamanho de um continente), bem como de ajustar os prazos de aplicação obrigatória com os outros países da CPLP, o Brasil optou por prorrogar o período de transição até 31 de dezembro de 2015. Desse modo, a plena aplicação do AOLP, em 1º de janeiro de 2016, ocorreu em data mais próxima de sua vigência em Portugal (maio de 2015) e em Cabo Verde (outubro de 2015).
Mesmo antes de se tornar obrigatória, a nova ortografia já estava sendo amplamente adotada no Brasil. Em 2008, passou a ser utilizada nos documentos do Governo, bem como pelos meios de comunicação impressos e pelas editoras brasileiras. Entre 2009 e 2012, foi introduzida no sistema escolar brasileiro, tendo em conta o cronograma trienal do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), considerado um dos maiores programas de distribuição de livros didáticos do mundo. Segundo a Associação Brasileira de Editores de Livros Escolares (Abrelivros), a totalidade das obras didáticas editadas no país já segue as normas do Acordo Ortográfico.
Entre 2008 e 2015, durante o período de transição, o Brasil sempre reiterou seu compromisso com a plena aplicação do AOLP. Internamente, como já mencionado, por meio da utilização da nova ortografia nas comunicações oficiais, no sistema educacional e nos meios de comunicação social. Internacionalmente, por intermédio de declarações emanadas de Cimeiras e Reuniões Ministeriais da CPLP; de Cimeiras bilaterais Brasil-Portugal; e dos documentos finais das Conferências sobre o Futuro da Língua Portuguesa no Sistema Mundial (Brasília, 2010, e Lisboa, 2013).
Tive a safisfação de também confirmar o compromisso em duas cartas dirigidas aos deputados da Assembleia da República, respectivamente, em 12 de setembro de 2013 e 20 de fevereiro de 2014, ocasião em que esclareci não haver qualquer intenção do Brasil de questionar ou recuar na aplicação do AOLP, a despeito de notícias em sentido contrário aqui divulgadas.
A adoção de regras ortográficas comuns pelos países de língua portuguesa representa passo pioneiro e decisivo no sentido da gestão multilateral do idioma, que tem, até o momento, no AOLP e no Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP) suas expressões mais concretas. A ortografia comum possibilitará, ainda, o aprofundamento da convergência, por meio, por exemplo, de um vocabulário técnico comum, que impulsionará o português como língua de comunicação científica e de inovação tecnológica.
Embora o AOLP possa conter imperfeições, constituiu o primeiro instrumento palpável de harmonização da ortografia da língua portuguesa, após décadas de tentativas frustradas. A sua plena vigência em países como Brasil, Portugal e Cabo Verde deve servir de estímulo ao seu aperfeiçoamento, sempre por meio de ação coordenada dos Estados membros da CPLP e com a participação da sociedade civil de nossos países.