Nídia Minaj encontrou as batidas perfeitas

A DJ/ produtora de 18 anos estreou-se na editora Príncipe Discos com Danger, onde remodela a genética do kuduro e do afro-house, criando novas possibilidades rítmicas. Um disco singular, a ferver de adrenalina.

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MARTA PINA

Com apenas 18 anos, Nídia é capaz de arrumar a um canto uma série de produtores de música electrónica com mais anos de currículo do que os que ela tem de vida. Ouça-se Danger, a sua primeira edição física: são oito temas que remodelam a genética do kuduro, do afro-house e do tarraxo através de um enredo de batidas, percussões e sintetizadores que se movem em diferentes narrativas polirrítmicas, num equilíbrio singular entre funcionalidade e disfuncionalidade harmónica e muscular, transformando o metabolismo do corpo dançante. Nídia manobra tudo isto com uma elegância, agilidade e segurança impressionantes.

Danger foi lançado no final de Fevereiro pela Príncipe Discos, editora que tem mostrado ao mundo a música de dança feita nos bairros da periferia de Lisboa pelos descendentes de imigrantes africanos, contribuindo para contrariar políticas de isolamento e preconceito. DJ Marfox e DJ Nigga Fox são os embaixadores mais conhecidos da Príncipe e de um som verdadeiramente único, que propõe novos sentidos para a música de raiz africana em parceria com a electrónica ocidental. Uma nova lusofonia que pode ser ouvida todos os meses no Musicbox, nas noites da editora. A próxima Noite Príncipe está agendada para o dia 27 de Março e conta com presença de Nídia.


Kuduro nos intervalos das aulas
Nídia Borges, mais conhecida como Nídia Minaj (“porque a Nicki Minaj é a minha diva”), cresceu no Vale da Amoreira, na margem Sul do Tejo. Em 2011, com 14 anos, mudou-se com a mãe para Bordéus, juntando-se ao padrasto que lá trabalhava. “Não tinha uma vida má em Portugal. Nunca vivi situações de violência no bairro”, esclarece prontamente. “Os média contribuem para pintar um cenário pior do que ele é.”

O kuduro fez parte da sua educação, tal como o português e a matemática. Logo na escola primária formou uma crew de dança só de raparigas, as Kaninas Squad. No 2º ciclo foi para a Escola do Mato, onde havia uma rádio feita pelos estudantes e onde se dançava e cantava kuduro nos intervalos das aulas. Foi nessa altura que as Kaninas fizeram a sua primeira música, Tás-te a bater, com o apoio da escola. “Pedi ao meu primo para escrever a letra e só descobri depois que ele tinha ido buscá-la a outra canção. A partir daí percebi que não podem ser os outros a escrever para nós; temos de ser nós a escrever para nós próprios.”

E foi isso que Nídia começou a fazer. Mas não foi fácil: quando queria ir para o estúdio com as Kaninas tinha de as “arrastar à força” e era sempre “uma guerra” para conseguir a permissão da mãe. Quando chegou a França, os astros alinharam-se a seu favor. “Antes de ir para Bordéus vivi uns tempos em Duravel, uma aldeia lá perto. Não havia nada. Ficava em casa 24 horas sobre 24 horas. Passava o dia a fazer beats”, recorda.

Foi então que as suas produções deixaram de ser um assunto só para ela e entre ela. Teve “a coragem” de as mostrar ao DJ Dadifox que, juntamente com o DJ Wilson, enviou a Nídia uma série de samples para ela utilizar e reutilizar nas suas composições. Talento, sangue na guelra e muitas horas no programa Fruity Loops fizeram o resto.

Adrenalina
No ano passado, antes de ser convidada a integrar a Príncipe, Nídia lançou uma edição digital, Estúdio da Mana, através da Brothersister Records. Já se notava aqui a sua abordagem às batidas a partir de ângulos esdrúxulos e arrojados (ainda que com menos brio e fluidez do que em Danger), usando-as como um interface entre o computador e o corpo. Para Nídia, a dança não é uma consequência da música, é o seu prólogo. “Uma batida é para dançar. Se não conseguires dançar uma batida em frente ao espelho quer dizer que ela depois não vai soar bem ao ouvido.”

Essa noção apurada de ritmo e fisicalidade percorre Danger do início ao fim. As boas-vindas são dadas com Afro, onde um beat musculado de afro-house marca a pulsação, entre toadas de sintetizadores que parecem polvilhar diamantes pelo ar. Mambos fudiz é um quebra-cabeças de batidas polirrítmicas e graníticas, envolvidas numa atmosfera apocalíptica, enquanto House kaliente (com o DJ Olifox) emana uma estranha volúpia, com aqueles ritmos quebrados e pelvicamente sinuosos.

Depois há a adrenalina. Nídia Minaj não vacila. Em Estúdio da mana na casa levamos com sintetizadores oxítonos e penetrantes, num minuto e meio de psicadelismo percussivo; Puto iuri é celebração, é estar junto, numa travessia voltaica entre Londres, África e Oriente; e Aidin é electrónica mutante e ziguezagueante, com uma batida repetitiva e demencial. Limite mostra Nídia feita fera, com a rudeza e rugosidade do grime ao serviço de um kuduro de guerrilha. Riot grrrl sem guitarras, em modo rave.

Ainda é possível respirar? É, quando chegamos ao fim do disco, com Sentimentos, que pode muito bem ser a balada da Príncipe. Nídia decompõe as bases do tarraxo e leva-nos a levitar com melodias dissonantes mas melífluas, bem próximas do éter e do coração. Puro ouro.

Danger transborda vitalidade, determinação, autoconfiança. O rap serve como motivação (Nídia não ouve electrónica, só rap cantado em português e kizomba) e Nicki Minaj como inspiração. “Ela é melhor do que muitos rappers masculinos, e é determinada. É um exemplo para mim.” Nídia está a estudar “para ser enfermeira ou parteira”, porque “todos os pais querem que os filhos sejam doutores”, mas deixa bem claro que o seu sonho “é viver da música”. Se conseguir, a primeira coisa que faz é comprar a casa da mãe no Vale da Amoreira, que ainda está a ser paga.

Num circuito particularmente falocêntrico, Nídia diz que “ser mulher não pode ser um impedimento” para chegar longe. “No nosso mundo tenta-se abafar as mulheres. Quem faz isso são os incompetentes. Eu posso ter de fazer mais esforço do que os homens, mas no fim vai valer a pena para calar a boca desses incompetentes.” Abram alas para Nídia Minaj.

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