Mosteiro de Santa-Clara-a-Velha mantém-se inundado e fechado ao público
Directora regional de Cultura do Centro responsabiliza EDP pelas inundações inesperadas e pela falta de informação.
O Mosteiro de Santa-Clara-a-Velha, na margem esquerda do Rio Mondego, em Coimbra, continua inundado e vai manter-se fechado, “pelo menos até ao próximo domingo”, disse esta quarta-feira ao PÚBLICO a directora regional da Cultura do Centro (DRCC), Celeste Amaro.
Na sequência das inundações verificadas na passada segunda-feira, após as chuvas que caíram copiosamente na região Centro e Norte do país, o velho mosteiro, mais comummente conhecido como Convento de Santa Clara-a-Velha, ficou parcialmente submerso, e sofreu estragos materiais avultados, mas que Celeste Amaro considera ser ainda impossível quantificar.
“Prevemos que sejam dezenas de milhares de euros, mas só quando pudermos fazer um diagnóstico definitivo é que teremos uma noção mais exacta dos prejuízos”, acrescentou a responsável pela DRCC, que nessa altura irá enviar um relatório dos estragos à EDP.
Celeste Amaro considera que a concessionária da barragem da Aguieira deve “assumir as responsabilidades pelo que aconteceu no mosteiro” e lembra que "nada disto" acontecia que o monumento reabriu ao público após obras de restauro e valorização assinadas pelos arquitectos Alexandre Alves Costa e Sérgio Fernandez, em 2009. “Esta água não foi a que veio das chuvas, veio de outros sítios, das descargas na Aguieira, e tenho de perguntar [à EDP] o que é que aconteceu”, reafirmou a directora regional ao PÚBLICO, lamentando a ausência de informação prévia sobre o plano das descargas.
Também os presidentes dos quatro municípios do Baixo Mondego afectados pelas cheias no fim-de-semana exigem a monitorização do caudal do rio e informação sobre os critérios de enchimento e descargas da barragem da Aguieira. Os autarcas também querem saber “quais as orientações definidas e fiscalizadas pela APA para os níveis de enchimento, de gestão de caudais e de descarga da bacia do Mondego”, através das barragens da Aguieira e do Alto do Ceira, e, por outro lado, ser “informados sobre o plano de emergência externa da barragem da Aguieira”.
Os municípios “não podem continuar a suportar este tipo de encargos” e “a dar a cara” por problemas pelos quais não são responsáveis, advertiu o presidente da câmara de Coimbra, Manuel Machado, citado pela Lusa.
Celeste Amaro acrescenta que a água “mantém-se cinco a seis metros acima do nível normal”, e que a entrada lateral do mosteiro, por onde acedem os visitantes com deficiência, “está cheia de buracos”. Há ainda holofotes e outros equipamentos de iluminação e de som, centena e meia de cadeiras e estruturas em madeira que continuam submersos e certamente estragados.
Mantêm-se também inoperacionais os motores e a barreira de protecção que foram instalados aquando do restauro mais recente do mosteiro. Só quando a situação for normalizada a DRCC poderá também informar com detalhe o Ministério da Cultura sobre os estragos verificados.
Estes danos não deverão, contudo, estender-se à estrutura física do monumento fundado no século XIII, e que por diversas ocasiões na sua história já sofreu inundações severas. “O mosteiro continua a aguentar-se firme e de pé e não sucumbirá por causa destas inundações”, disse Celeste Amaro à Lusa.
Na década de 1990, Santa Clara-a-Velha foi alvo de escavações, tendo avançando depois o programa de restauro e modernização dos seus equipamentos, que no total custou mais de 15 milhões de euros. No ano passado, o mosteiro foi visitado por mais de 61 mil pessoas, um recorde na história do monumento.
Governo diz que cheias são recorrentes
Já durante esta tarde, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) reagiu às acusações afirmando que a ocorrência de cheias no vale do Mondego, sobretudo na zona do Baixo Mondego, é uma “situação recorrente” e que acontece quando há períodos de grande precipitação.
Numa nota, a APA sustenta que o aumento intenso e brusco dos caudais afluídos à albufeira da Aguieira desde a tarde de domingo passado até à madrugada do dia seguinte resultou da “intensificação da pluviosidade”, que foi “superior às previsões”, e “levou a um incremento dos caudais debitados, não só para garantir a segurança da barragem, como também para evitar o lançamento de caudais muito superiores mais tarde”.
O aumento do volume de caudais de água poderia “pôr em risco a segurança dos diques no Baixo Mondego e provocar assim inundações mais graves”, justifica a APA, citada pela Lusa.
Esta barragem, à qual “afluem todos os caudais da bacia hidrográfica do Mondego”, cumpriu o seu “plano de exploração, tendo sido levada a cabo uma gestão adequada por parte do concessionário face a estas circunstâncias, procurando evitar lançar prematuramente água que causasse transtornos, lançando caudais superiores aos afluentes antes do pico de cheia e garantindo capacidade de encaixe face às previsões de chuva”, sustenta a APA.
Segundo a agência, o sistema de leitos regularizados no Baixo Mondego, que assegura “a contenção da água, de modo a não invadir de maneira inconveniente os campos e impedir a inundação de aglomerados populacionais da região, bem como das vias principais”, funcionou “plenamente”.
Idêntica é a posição do Ministério do Ambiente, que, numa nota divulgada igualmente na tarde de hoje e citada pela Lusa, afirma que as cheias no Mondego são uma situação recorrente e registada em períodos de grande precipitação, “quando a barragem de Aguieira já não tem mais capacidade para fazer o encaixe dos caudais de cheia demasiado elevados”.
O comunicado refere que toda a informação para a gestão das cheias, que é da responsabilidade da APA, foi disponibilizada no devido tempo e de forma a permitir uma actuação atempada pela protecção civil, o que contraria a posição assumida pelos quatro autarcas.
"A informação não chegou [às autarquias] em tempo útil”, para poderem “agir no âmbito das suas funções”, afirmou o presidente da Câmara de Coimbra.
Detendo-se sobre alguns casos concretos, o ministério diz que “a inundação do Mosteiro de Santa Clara-a-Velha é uma situação recorrente, em situação de cheia, uma vez que o seu piso se situa mais de dois metros abaixo do nível de água normal do rio”.
Se as águas invadiram o convento/museu através das condutas de drenagem de águas pluviais, como foi noticiado, estas “deviam estar munidas de sistema interceptor que impedisse o fluxo de água em sentido contrário ou ser previamente accionado, caso existam”, refere a tutela, considerando que “é importante apurar este facto”.