MNAA: um passo em frente e quantos outros atrás?
Medidas avulsas como a que ora se vislumbra podem satisfazer algumas clientelas, mas não servem o País.
Raquel Henriques da Silva (RHS), que muito admiro e com quem estou geralmente de acordo, escreveu neste jornal (PÚBLICO, 19.7.2016) um texto de opinião sobre o Museu Nacional da Arte Antiga (MNAA) com o qual não concordo em múltiplos aspectos.
Haverá ocasião para ser mais aprofundado no comentário. Aliás, começa a estar na hora de fazer o balanço do (pouco, em quantidade e relevância) que já fez o Governo da geringonça no campo dos museus e do património cultural; e do (muito e sobretudo do mais relevante) que ainda não fez. Mas importa desde já afirmar a discordância.
No que respeita a novos modelos de gestão de museus, a promessa do Governo era conferir maior autonomia àquilo que chamava de “equipamentos-bandeira”. Se avançar isolado o MNAA, teremos de concluir que só existe um “equipamento-bandeira” em Portugal – o qual está longe de ser o que apresenta os melhores e mais consistentes indicadores de gestão, seja qual for a bitola usada (amplitude, singularidade, estudo e conservação do acervo, formação de públicos, especialmente nacionais, número de visitantes, taxa de cobertura de despesas através de receitas próprias, etc.). Não chega desejar, algo piedosamente, que outros lhe sigam o exemplo… porque nos diz a vida que sucederá o inverso: outros darão tantos passos atrás como o MNAA, eventualmente, dará alguns em frente. RHS, que contraditoriamente parece discordar da alienação pelos organismos centrais do MC/SEC de “galinhas dos ovos de ouro” como o Palácio da Vila em Sintra, para depois dizer que até acha bem ter sido assim feito (seria bom que o dissesse aos munícipes da Amadora, por exemplo, bem como a todos os cidadãos portugueses em geral, que passaram a ser pura e simplesmente espoliados para visitar o dito Palácio e bem assim o conjunto dos monumentos entregues ao Monte da Lua), sabe bem que o destino de um tratamento singular para o MNAA, alcançado em contexto de mera agitação e propaganda, será o de ainda afundar mais todos os restantes museus nacionais em “vil, apagada” e pobretana tristeza (algo tão ou mais salazarista como a distribuição de migalhas por igual). Não sou dos que defendem a manutenção de fortalezas administrativas centrais, ingovernáveis e paralisantes, como a actual DGPC. No caso do Côa por exemplo, continuo, como aliás ficou expresso em recente declaração da Associação dos Arqueólogos Portugueses, a defender um modelo de tipo fundacional ou outro equivalente em autonomia estratégica e agilidade administrativa. Mas não me deixo cair no canto de sereia do que nos dizem ser impossível reformar os serviços centrais e regionais do Estado, fechando-os para obras, e dar entretanto canas de pesca a quem pode ser rentável ou simplesmente berra mais alto.
Quer tudo isto dizer que sou contrário a conferir ao MNAA autonomia de gestão? Claro que não. Sempre me bati por maior autonomia de gestão dos museus nacionais. Mas dentro dos parâmetros que definem os serviços públicos e não em regime de fatiamento dos mesmos, entre os que ficam, entregues às suas sombras, e os que saem, destinados a ver o sol. Defendo uma autonomia que já tiveram, de resto, e deveria ser aprofundada: plano estratégico, orçamento e quadro de pessoal próprios, capacidade de arrecadarem e gerirem receitas. O problema aqui é outro, portanto: é construir uma verdadeira política cultural para os museus nacionais e não simplesmente sucumbir a agendas mediáticas temporãs. O que importa antes de tudo é discutir a questão dos “equipamentos-bandeira”, muito ligada com a do conceito de museu ou palácio “nacional”. Isto será proximamente feito no quadro do ICOM Europa e tendo presente a muita reflexão e a imensa diversidade de experiências existente em todo o continente, do Atlântico aos Urais.
Medidas avulsas como a que ora se vislumbra podem satisfazer algumas clientelas. Mas não servem o País, no entendimento que dele tenho.
Arqueólogo, Presidente do ICOM Europa