Cultura cria emprego e riqueza num mundo inseguro e incerto
Deverá a defesa do direito de autor na era digital ser apoiada sem reservas pelos governos.
Se dissermos que as indústrias culturais e criativas representam a criação de uma receita anual da ordem 2.250 biliões de dólares e que dão emprego, a nível mundial, a cerca de 30 milhões de pessoas e que representam um factor estrutural de desenvolvimento da economia dos seus países, torna-se evidente que o conceito de actividade cultural não é dissociável do de produção de riqueza. Esta é uma das conclusões centrais do estudo “Cultural Times-Firt Global Map of Cultural and Criative Industries”, encomendado pela Confederação Internacional Sociedades de Autores e Compositores, a completar 90 anos de existência em 2016 e que congrega mais de 200 sociedades de gestão colectiva de mais de 120 países.
Este estudo foi realizado com o contributo de mais de 150 peritos à escala global e dos parceiros habituais da CISAC que se pronunciaram sobre temas de importância estratégica. Na nota introdutória ao documento, a cargo de Irina Bokova, directora-geral da UNESCO, inscrevem-se as importantes conclusões deste estudo no ciclo comemorativo dos 10 anos da Convenção da UNESCO Sobre Protecção e Promoção da Diversidade Cultural, aprovada em Outubro de 2005. Aquela responsável sublinha, por outro lado, o facto de este ser um dos sectores que mais rapidamente se têm desenvolvido a nível mundial ao longo da década que agora se comemora. É igualmente afirmado que esta área de importância estratégica cria mais emprego e novas perspectivas de desenvolvimento, ao mesmo tempo que influencia a vida das novas gerações, contribuindo para a sua transformação profunda. Assim sendo, poderá sublinhar-se o facto de este sector de actividade poder garantir um futuro melhor a muitos países por todo o mundo, reconhecendo-se a importância que governos e outros decisores lhe atribuem na gestão dos seus países.
Para que tal aconteça com o êxito previsto e desejado, é necessário que se aposte na criatividade das sociedades e se acredite que as suas identidades poderão ser reforçadas com este tipo de investimento, já que, sendo esta a prioridade, tudo o resto se desenvolve e aprofunda sob a sua directa influência. Um futuro marcado pela importância estratégica das indústrias culturais e criativas será sempre um futuro diferente, porque são outras as regras e os ritmos de desenvolvimento. É sabido que esta área gera benefícios não materiais que muito contribuem para o desenvolvimento das populações, também no quadro das exigências impostas pelo imparável processo de digitalização.
Sejam quais forem as tecnologias utilizadas, num tempo em que é conhecida a sua importância crescente na nossa vida quotidiana, a cultura e as indústrias a ela associadas estão a transformar a relação das comunidades com o futuro. A UNESCO tem consciência de que assim é e reconhece as vantagens da excelência deste contributo, que amplia os benefícios sem nenhum dos riscos colaterais de que muitos factores de desenvolvimento não são dissociáveis. Países que atribuem uma importância estratégica crescente à música, ao cinema, à literatura, ao teatro ou à dança têm populações mais cultas e mais críticas e índices mais amplos de expectactiva em relação ao que o futuro poderá ser em termos económicos, sociais e também políticos. A actividade cultural fortalece o nível das participação dos cidadãos na gestão do bem comum. Assim, poderá dizer-se que a cultura torna mais sólido o interesse no esforço global que tudo transforma e qualifica.
O estudo refere, entre outras, a situação da cidade de Bilbau, na qual a instalação com invulgar êxito do Museu Guggenheim contribuiu para a criação de centenas de postos de trabalho e para o apoio ao funcionamento de outras estruturas urbanas, designadamente museus, que encontram naquele equipamento a inspiração e o suporte material imprescindíveis. Há outros exemplos, na Europa e no mundo, podendo do citar-se o da cidade de Liverpool com toda a animação desenvolvida em torno da memória agregadora dos “Beatles”. Deste modo, a cultura apoia e promove a cultura, a partir do interesse e do espírito de mobilização que consegue criar no público.
O estudo agora apresentado por Jean Michel Jarre, compositor francês e presidente da CISAC, aponta aspectos de referência como o facto de Norte e Sul se encontrarem afastados neste domínio, a fragilidade social e jurídica do estatuto de criador e a insuficiência da produção legislativa para defender os interesses e direitos dos criadores e para permitir que a partir das suas obras sejam criadas indústrias geradoras de emprego e de riqueza material. O estudo deixa claro que os criadores, muitos dos quais vivem com tocantes dificuldades materiais, não são um entrave no meio caminho da cultura como factor de desenvolvimento. Bem pelo contrário.
Mas o estudo, a partir dos números e testemunhos recolhidos, revela que os agentes culturais são também empreendedores, sendo o seu contributo nos Estados Unidos para o desenvolvimento económico e para a criação de emprego três vezes e meia superior ao de outros sectores importantes. Fica igualmente claro que a actividade desenvolvida em torno do património e das heranças culturais nacionais dá um amplo contributo para o reforço da identidade colectiva e do espírito de defesa da memória das nações.
Este estudo encomendado e patrocinado pela CISAC demonstra, por outro lado, que as indústrias culturais e criativas são o maior criador de emprego na população com idades abaixo dos 29 anos e que, só na Grã-Bretanha, as mulheres representavam mais de 50 por centro dos postos de trabalho criados pela música. Por todas estas razões, deverá a defesa do direito de autor na era digital ser apoiada sem reservas pelos governos, designadamente com a convicção de que é deste sector que surge o contributo mais inovador e criativo para o mercado de trabalho que envolve as gerações mais jovens.
Escritor, jornalista e presidente da Sociedade Portuguesa de Autores