Almodóvar, Franco Dragone, Jackie Chan e estrelas de Bollywood nos Panama Papers

Realizador espanhol, um dos envolvidos em sociedades offshore, diz ter obrigações fiscais em dia. Consórcio de Jornalistas sublinha que muitos dos clientes da Mossack Fonseca não terão usado "empresas para fins impróprios"

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Almodóvar em Cannes em 2004 Eric Gaillard/REUTERS

O realizador espanhol Pedro Almodóvar, o actor Jackie Chan e o encenador belga Franco Dragone estão entre os nomes revelados no âmbito dos Panama Papers, que põem em foco os meandros da gestão financeira em torno de regimes fiscais de excepção e que já gerou investigações pelas autoridades de vários países – sem que tenham sido para já atribuídos quaisquer actos ilícitos aos visados. Almodóvar garante ter as suas obrigações fiscais em dia.

No domingo foram tornados públicos os primeiros dados de 11,5 milhões de documentos da Mossack Fonseca, uma das maiores empresas de apoio jurídico e gestão de fortunas do mundo, neste caso panamiana. “A maior fuga de informação de sempre”, como a apelida o diário Guardian, revelou já o uso de offshores por parte de líderes políticos, da alta finança ou de entidades sinalizadas por associação ao tráfico de droga ou ao terrorismo. No meio dos muitos nomes tornados conhecidos nas últimas horas, surgiram também figuras da cultura mundial ligadas a sociedades com base em paraísos fiscais, sem que tenham sido formuladas quaisquer acusações.

Os Panama Papers provêm de uma fonte anónima do jornal alemão Süddeutsche Zeitung, que os partilhou com o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação do qual fazem parte meios de comunicação como o britânico Guardian, o semanário português Expresso ou o diário digital espanhol El Confidencial. Foi o El Confidencial que revelou que entre os nomes dos clientes da Mossack Fonseca está o do cineasta espanhol Pedro Almodóvar, que se prepara para estrear o seu vigésimo filme, Julieta.

Nos documentos surge a referência à sociedade chamada Glen Valley Corporation, associada aos irmãos Pedro e Agustín Almodóvar, no âmbito de uma listagem da empresa de investimento suíça Unifinter. A Glen Valley Corporation foi registada em 1991 nas Ilhas Virgens Britânicas, um conhecido paraíso fiscal, numa altura em que o realizador já tinha uma carreira fulgurante – Negros Hábitos, O que fiz eu para merecer isto?, Matador, A Lei do Desejo, Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos, Ata-me e, nesse ano de 1991, Saltos Altos.  A El Deseo, a sua produtora fundada com Agustín, existia já desde 1985 e no início da década de 1990 acumulava os ganhos dos seus grandes êxitos de bilheteira do final dos anos 1980.

A Glen Valley Corporation cessou actividade em 1994 e tratava com a Mossack Fonseca através da sua filial em Genebra, escreve o El Confidencial, que não atribui directamente aos irmãos espanhóis quaisquer actos ilícitos, dedicando-se apenas a expor as condições de gestão da sociedade. O seu capital social inicial era de 50 mil dólares, que foram divididos em 50 mil acções – uma “figura societária que permite ocultar o accionista real da sociedade”, escreve o diário espanhol, que detalha ainda que tanto Pedro quanto Agustín Almodóvar tinham plenos poderes administrativos da sociedade e que não foi possível apurar quanto dinheiro esteve nas contas da Glen Valley nem, no fundo, a sua finalidade.

O El Confidencial publica uma página da procuração em que as suas administradoras, Rosemarie Flax e Brenda Pickering concedem plenos poderes aos irmãos Almodóvar na Glenn Valley. Flax trabalhou quase 30 anos na Mossack Fonseca e o seu nome, nota o jornal espanhol, surge noutros documentos dos Panama Papers, “o que viria a confirmar o seu papel como testa-de-ferro profissional”. O jornal alude ainda: “a arquitectura da Glen Valley coincide com a estrutura habitualmente usada para ocultar património”.

Agustín Almodóvar já reagiu à menção do seu nome no âmbito dos Panama Papers, que exploram o recurso aos offshores – um recurso legal e pleno de possibilidades de gestão de fortunas ou heranças, com algumas características e condições que não estão ao alcance do cidadão comum – por parte de entidades que poderão assim escapar a formas de vigilância relacionadas com a corrupção, o crime fiscal ou violento. Falando em seu nome e no do irmão, quis esclarecer, sem fazer mais comentários ao El Confidencial, que “perante as possíveis insinuações que possam derivar da informação que dispõem” que “tanto Pedro quanto eu próprio estamos em dia em todas as nossas obrigações tributárias”. O comunicado dos irmãos chegou também ao diário espanhol La Vanguardia, que indica que os dois visados avisam que estarão “atentos ao conteúdo da informação” e aos “juízos de valor” que possam pôr em causa os seus direitos”.

A El Deseo já foi notícia no passado por seu proprietária de 97,97% de uma empresa que foi mudando de nome desde 1998 a 2010, a Sicav, que foi por seu turno afectada pelo colapso do esquema de pirâmide de Bernie Madoff, no qual tinha investido.

O encenador italo-belga Franco Dragone é também mencionado nos Panama Papers, como revela o diário belga Le Soir, outro dos parceiros da investigação. Ligado ao Cirque du Soleil, já trabalhou com Céline Dion e montou vários espectáculos através da sua produtora, a Dragone, e é um dos 732 belgas presentes nos documentos divulgados pela investigação. O Le Soir detalha apenas que o encenador usou a sociedade offshore Lina International para contratar um colega, o coreógrafo Giulano Peparini, cuja identidade estava, por seu turno, ocultada por uma outra sociedade panamiana, para o espectáculo The House of Dancing Water, em Macau.

Franco Dragone estava já a ser alvo de uma investigação pelas autoridades belgas e numa reacção ao jornal indica que esse processo decorre há três anos e por isso não quis comentar o tema por se encontrar ainda em curso. E lembra: “escolhi instalar a minha empresa em La Louvière”, cidade belga onde reside desde os sete anos de idade, “para criar emprego, para sublinhar a minha região no mundo inteiro. É uma escolha que não é de fiscalidade, mas por ligação às minhas raízes”.

Quanto a Jackie Chan, o muito bem sucedido artista marcial tornado realizador, produtor, actor e muitas outras actividades ligadas ao cinema e a Hollywood, surge como accionista de seis sociedades nas Ilhas Britânicas representadas pela Mossack Fonseca - "como muitos dos clientes da Mossack Fonseca, não há prova de que Chan tenha usado as suas empresas para fins impróprios. Ter uma empresa offshore não é ilegal", atenta o Consórcio.

Entre os nomes ligados às indústrias criativas surge ainda o da estrela de Bollywood Amitabh Bachchan e o da actriz Aishwarya Rai Bachchan (sua nora). No caso do veterano do cinema indiano, segundo o jornal Indian Express, que também integra o consórcio de jornalistas, foi director de pelo menos quatro empresas ligadas à navegação registadas em paraísos offshore com mais de 20 anos e que comercializavam navios no valor de milhões de dólares, cita a AFP, apesar de terem como capital social valores muito inferiores (entre 5 mil e 50 mil dólares). A actriz e ex-miss Mundo é também citada como accionista e directora de uma offshore, tendo já publicamente rejeitado os documentos como “totalmente falsos”.

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