Talvez tenha sido a cerimónia mais pacífica, mais desprovida de drama, de que há memória em tempos recentes. Até o resultado final – sete óscares para Gravidade, três para 12 Anos Escravo – pareceu uma resolução salomónica daquele que cedo se desenhou como o duelo principal da cerimónia, o que opunha o filme de Adolfo Cuarón ao filme de Steve McQueen.
Sete para três não parecerá muito justo, e quer Steve McQueen (que perdeu o Óscar de Realizador), quer Chiwetel Ejiofor (que também não levou o de melhor actor) terão razões para se sentir decepcionados. Mas o caso muda um bocadinho de figura porque o peso dos Óscares ganhos por 12 Anos Escravo é um peso-pesado – argumento (adaptado), melhor actriz secundária, melhor filme, três categorias que no léxico de Hollywood são eminentemente “criativas”, versus a maioria dos prémios conquistados por Gravidade, quase todos em categorias tidas por “técnicas”.
Nesta balança, mais ou menos equilibrada, se resolveu portanto o único conflito subjacente à cerimónia deste ano: privilegiar a abordagem de uma ferida histórica e ainda não totalmente sanada (a escravatura) ou privilegiar o escapismo tecnológico, a capacidade de maravilhamento razoavelmente meaningless (ao pé de 12 Anos Escravo) do filme de Cuarón.
A cerimónia em si mesma teve as poucas virtudes e os muitos vícios que vêm sendo habituais – um ritmo que sugere a vontade de “despachar” aquilo, mas sempre sabotado pela abundância de tempos mortos, que nada trazem de relevante, espectacular ou simbolicamente.
Houve alguns bons discursos – o de Matthew McConaughey, Óscar de Melhor Actor, a falar como um verdadeiro texano, ou o de Lupita Nyong’o, Óscar de Melhor Actriz (e talvez a mais aplaudida da noite) – e poucas piadas verdadeiramente eficazes. Ellen Degeneres foi sóbria, sem texto à altura da circunstância. O disparate espreitou, sobretudo quando houve distribuição gratuita de pizzas pela sala.
Entre os vários apresentadores convocados apareceram dois que bem podiam vir a ser convidados para o lugar de anfitrião em futuras cerimónias: Jim Carrey, se a intenção for lançar o caos, e Bill Murray, se o objectivo for acentuar o carácter deprimente daquilo tudo. Qualquer um deles faria da cerimónia um espectáculo onde os Óscares propriamente ditos deixariam de ter qualquer importância. Como devia ser.