Fala-se espanhol. Fala-se mesmo espanhol por todo o lado. A ArcoLisboa, inaugurada na quarta-feira na Cordoaria, mostra de imediato as grandes características que fazem desta feira de arte a mais concorrida e a preferida dos portugueses que a visitam em Madrid: uma organização impecável, um programa vasto de acontecimentos paralelos, a divulgação de algumas das exposições que decorrem por agora em Lisboa e na linha de Cascais, e sobretudo a presença, pelo menos neste primeiro dia, de um público espanhol algargado e ominipresente que exibe todos os sinais do habitué destas coisas e do coleccionador desafogado, seja ele particular ou institucional.
Mas desengane-se aquele que pensa encontrar na nave vastíssima da Cordoaria uma espécie de ArcoMadrid reduzida à escala portuguesa. Bem pelo contrário. As galerias portuguesas são um pouco menos de metade do total. Vive-se um ambiente descontraído, quase intimista, decerto devido à diferença de escala entre a Cordoaria e os pavilhões do parque ferial de Madrid. Vindas de Lisboa, do Porto e de Ponta Delgada, encontramos um conjunto de galerias já habitual em outras feiras. Não haverá grandes diferenças entre a selecção que encontramos em Lisboa e aquela que habitualmente, em meados de Fevereiro, vai a Madrid. E todas elas, ou pelo menos a grande maioria delas, pode também ser vista noutras feiras internacionais de renome, seja em Basileia, Miami, Londres ou Paris. Isto significa que esta não é uma representação matemática da realidade do mercado português da arte contemporânea. Ela é, isso sim, a representação exacta de um núcleo de agentes e artistas apostados na internacionalização, que tudo fazem para colocar a arte contemporânea portuguesa lado a lado com a que se faz internacionalmente.
Em termos concretos, isto significa que a arte que vemos nesta primeira edição da ArcoLisboa está num patamar qualitativo muito uniforme. Muitas galerias estrangeiras trouxeram obras de artistas portugueses com que trabalham, adivinhando sem grande margem de erro que os compradores internacionais não serão ainda muitos nesta edição inaugural da feira. Juana de Aizpuru, por exemplo, tem dois magníficos Cabrita Reis nas suas paredes. A Horrach Moya, de Palma de Maiorca, exibe peças de Joana Vasconcelos e Vasco Araújo, também de grande qualidade. E a Christopher Grimes Gallery, de Santa Monica, apresenta apenas uma montagem de boa escala de Carlos Bunga. Noutras galerias notamos a presença de um número assinalável de artistas sul e latino-americanos. Mencionaremos apenas dois casos: na Knoerle & Baettig de Zurique, por exemplo, estão obras de Orestes Hernandez-Palacios e de Frank Mujica, nascidos e a viver em Cuba, que fogem totalmente aos estereótipos que proliferam sobre este país. E na Luisa Strina, de São Paulo, está uma fantástica montagem de peças do colombiano Nicolás Paris que recordam, de certo modo, o trabalho de Francisco Tropa.
E há Francisco Tropa, e muito bom, na Quadrado Azul: uma selecção de peças que instauram a dúvida sobre os limites entre natureza e cultura, original e representação, série e colecção. Com fotografias de Paulo Nozzolino, este é sem dúvida um dos stands mais bem conseguidos da feira. Noutros galeristas, há pontualmente uma opção óbvia em incidir apenas sobre a obra de um único ou de dois artistas. É o caso, por exemplo, da Graça Brandão, com obras de João Maria Gusmão e Pedro Paiva, e da 3+1, com esculturas e desenhos de Carlos Nogueira. Outros artistas surgem representados em diferentes galerias, como José Loureiro e Pedro Calapez.
E depois há preciosidades que se revelam apenas a quem visitar os stands demoradamente, ignorando o número de horas que passa na Cordoaria. As Anas Jottas no Miguel Nabinho, por exemplo. Os dois quadros de Gil Heitor Cortesão no Pedro Cera. Os Mauro Cerqueira da galeria Múrias Centeno. Obras de gente nova: Max Ruf na mesma galeria, peças de Joana Escoval e de Gonçalo Barreiros na Vera Cortês, a obra ascética de Armanda Duarte na Caroline Pagès e na Anne Barrault. Os Brunos Cidras na Baginski. Obras de modernistas, de Maria Helena Vieira da Silva a Torres-García, para quem pode.
E finalmente, a Arco é e sempre foi muito mais que uma feira. Aqui se marcou a primeira tentativa de internacionalização dos artistas portugueses surgidos depois do 25 de Abril, uma tentativa que levava o chamado “mundo da arte” para Madrid, todos os anos, em pleno Inverno. Da convivência entre todos que então se gerava – quem não se lembra das noitadas no Museo Chicote? - surgiu a consciência de pertença geracional que foi marcando a arte contemporânea até à actualidade. Veremos se Lisboa possui a mesma faculdade de atrair artistas, galeristas e coleccionadores em futuras edições da Arco. É que a capital já merecia uma feira assim há muito tempo.