GPS, a nova rede dos cientistas portugueses pelo mundo fora
Já é possível saber por onde andam os cientistas portugueses por todo o planeta. Basta entrar na rede GPS (não, não é o sistema de navegação por satélite) e andar por lá como se fosse qualquer outra rede social. A diferença é que esta é só sobre ciência.
Em pleno século XV, os portugueses partiam à descoberta de um mundo desconhecido. Esta expansão permitiu que se espalhassem por todos os pontos do planeta, levando e trazendo conhecimentos para Portugal. É frequente vermos mapas referenciados com os sítios por onde passaram e como o conhecimento circulou nesses tempos. Seis séculos depois, em 2016, há uma rede que localiza os cientistas portugueses espalhados pelo mundo. Chama-se GPS (Global Portuguese Scientists), já está online desde 7 de Novembro e esta terça-feira é o lançamento oficial, às 17h30 no Pavilhão do Conhecimento, em Lisboa. Mesmo que não seja cientista pode inscrever-se e acompanhar a ciência que se vai fazendo pela mão dos portugueses no estrangeiro.
A criação de uma rede social não é inovadora. Aliás, vivemos num período onde as redes sociais permitem ligar os cidadãos em qualquer parte do mundo e na ciência isso já acontecia com a ResearchGate ou a Academia.edu. A novidade do GPS é que esta rede é formada por cientistas portugueses que trabalham em vários países.
Esta ideia surgiu na Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), nomeadamente do físico Carlos Fiolhais, coordenador da área de conhecimento da FFMS. Depois, o Departamento de Comunicação e Arte da Universidade de Aveiro tratou da parte técnica do projecto, juntamente com vários parceiros que foram surgindo: a Associação de Diplomados Portugueses em França (AGRAFr), a Associação de Pós-Graduados Portugueses na Alemanha (ASPPA), a Sociedade de Portugueses de Pós-Graduados na América (PAPS), a Associação Portuguesa de Investigadores e Estudantes no Reino Unido (PARSUK) e a Native Scientists. Houve ainda a colaboração da agência Ciência Viva e da Altice Labs.
Agora, é possível percorrer um mapa onde estão georreferenciados os cientistas portugueses com mais de três meses de estadia no estrangeiro, assim como o seu percurso na investigação.
“O GPS vai permitir desenvolver o debate”, diz-nos David Marçal, que é o coordenador do GPS, referindo-se à diáspora de cientistas portugueses pelo mundo, também denominada “fuga de cérebros”, uma expressão muito falada mas com poucos dados disponíveis.
David Marçal conta que há milhares de investigadores portugueses pelo mundo fora, mas não há números concretos. “Ninguém sabe muito bem quantos são. É uma estimativa difícil, porque há muitos investigadores que perdem o contacto com Portugal, quando não são financiados por fontes nacionais. O GPS poderá ajudar recolher dados para uma estimativa melhor.”
O que se sabia de forma empírica é que o Reino Unido e os EUA são os maiores pólos de atracção de cientistas portugueses – e isso já é visível no GPS. “Mas não sabemos muito sobre os seus percursos e agora aqui no GPS podemos observá-los”, salienta. “No fundo, o GPS quer mapear a mobilidade científica.”
Em contrapartida, conhece-se bem é o número de cientistas a trabalhar em Portugal: segundo os dados do último Inquérito do Potencial Científico e Tecnológico Nacional de 2015, divulgados em Outubro, existiam 39.580 cientistas no país.
Um Facebook com amigos da ciência
O entusiasmo de Carlos Fiolhais pelo projecto, autor do seu nome, também é notório: “Vamos ter dados científicos actualizados!” O físico nota que, desde 2011, a circulação de cientistas portugueses no mundo aumentou devido à crise, salientando que esta foi uma emigração das mais qualificadas da história do país. E se há problema nesta emigração, é o saldo líquido desta fuga de cérebros é desfavorável para Portugal, ou seja, saem mais cientistas do que entram. “Com esta rede, podemos vir a confirmar são intuições”, ressalva. Se os cálculos futuros tiverem uma margem de erro, isso dever-se-á ao facto de a inscrição na rede ser voluntária.
Apenas duas semanas depois de a plataforma estar disponível online, já há cerca de 1200 registos, dos quais cerca de 700 são “cientistas GPS”. Esta adesão também terá sido influenciada pelo contacto com as associações de cientistas no estrangeiro. A equipa do GPS contactou-as, como a AGRAFr e a PAPS, para perceber as necessidades dos cientistas portugueses. Carlos Fiolhais, um dos interlocutores dessas conversas, destaca a vantagem de se ter escutado os cientistas. “Se alguns encontraram vidas melhores no estrangeiro, por outro lado encontraram também o isolamento. Há uma ligação mais do que cultural a Portugal, há uma ligação afectiva. O GPS torna os cientistas portugueses menos isolados e todos eles ficaram entusiasmados com isso.”
Além disso, o GPS pode vir a facilitar colaborações científicas. “A formação é dada por nós e depois partem”, lamenta Carlos Fiolhais. “ Apesar disso, os cientistas gostavam de contribuir à mesma para o país à distância”, sublinha. No perfil, os investigadores têm os seus contactos e o seu percurso, o que pode permitir que sejam contactados por startups que procurem inovação ou por centros de investigação portugueses que precisem de colaboradores com alta qualificação. “A ideia é que Portugal reconheça os melhores em benefício próprio do país. Agora sabemos onde estão. É só andar pelo GPS.”
Para todos os que queiram fazer parte deste “Facebook para cientistas, onde os amigos são amigos da ciência”, como compara Carlos Fiolhais, é possível criar grupos de temas e áreas científicas específicas. “Até se pode discutir política científica portuguesa, se quiserem!”, sugere Carlos Fiolhais, convidando todos os que gostam de ciência a inscreverem-se nesta comunidade.
“Esperamos ligar a rede de cientistas e cobrir o globo, até nos sítios mais isolados”, afirma Carlos Fiolhais. Ainda há muito a melhorar, reconhecem os seus responsáveis, e ainda se está em fase de autoconhecimento dentro da própria rede. “É como uma criança que acaba de nascer e que espero que seja feliz”, diz um dos pais do GPS.
teresa.serafim@publico.pt