Deputada rasga projecto de lei e inicia haka no Parlamento da Nova Zelândia
Hana-Rawhiti Maipi-Clarke fez a tradicional haka do povo maori e rasgou o projecto de lei que visa alterar o tratado fundador, Waitangi.
O trabalho no Parlamento da Nova Zelândia foi interrompido depois de uma deputada da oposição ter iniciado uma haka — a tradicional dança cerimonial maori — como forma de protesto para a alteração da lei de base da constituição do país que alteraria o histórico tratado entre a Coroa e o povo indígena, conhecido por Waitangi. O vídeo onde Hana-Rawhiti Maipi-Clarke do partido Te Pāti Māori inicia a revolução no Parlamento está a percorrer as redes sociais.
Em causa está uma mudança aos princípios do tratado Waitangi, apresentado pelo Act — o partido liberal, parceiro da coligação governamental de direita na Nova Zelândia — e que passou na primeira leitura nesta quinta-feira, justificando o protesto do grupo maori.
A votação foi assim interrompida quando os partidos da oposição e também cidadãos que estavam na galeria, a assistir aos trabalhos, se juntaram na haka, enquanto Hana-Rawhiti Maipi-Clarke rasgava a cópia do projecto de lei. Caso seja aprovada, a proposta pode eliminar um conjunto de princípios do documento assinado em 1840 por mais de 500 chefes maoris e a coroa britânica — Carlos III também é rei na Nova Zelândia. O tratado não só orienta a relação entre os maoris e as autoridades, mas também estabelece os termos gerais de participação, protecção e reparação deste povo.
Graças ao tratado, a língua maori foi reconhecida como língua oficial, bem como foi criada uma autoridade sanitária maori (iniciativa da administração da ex-primeira-ministra Jacinda Ardern), que o Governo desmantelou neste ano, tal como determinou que o inglês tenha prioridade na denominação de organizações governamentais. As medidas causaram protestos em toda a ilha e, aliás, espera-se que uma marcha de protesto pacífica chegue à capital Wellington no início da próxima semana.
O que o partido Act, liderado por David Seymour, propõe é uma mudança na interpretação do texto do tratado, o que pode pôr em causa os direitos do povo maori. Como argumento, o partido diz que o Waitangi provocou um país dividido por raça e que o novo projecto de lei fará melhor interpretação do que tem sido feita pelos tribunais, ao longo das últimas décadas. Por exemplo, o ministro da Regulação acredita que não faz sentido existirem “quotas étnicas” nas instituições públicas, que são “contrárias ao princípio de igualdade de direitos”.
No entanto, a oposição lembra que esta legislação dividirá ainda mais e levará ao desmantelamento do tão necessário apoio a muitos maoris. Espera-se que a lei não venha a ser aprovada, já que os restantes partidos da coligação já fizeram saber que não deverão apoiar o Act.
“Os princípios são claros — têm a ver com parceria, equidade, protecção activa e reparação — porque é que isto ofende tanto o ministro? Este projecto de lei vai minar os direitos dos Maori, mas David Seymour continua a insistir nesta peça legislativa repugnante”, lamenta Willie Jackson, deputado do Partido Trabalhista, na sessão desta quinta-feira, citado pelo The Guardian.
Apesar de ser expectável que a lei não venha a ser aprovada, Chlöe Swarbrick, co-líder do Partido dos Verdes, pediu à coligação no Governo do primeiro-ministro, Christopher Luxon: “A minha pergunta aos deputados é a seguinte: estão aqui para ouvir a vossa consciência, ou estão aqui para abdicar de tudo numa das votações mais importantes desta casa em toda a nossa vida? Porque se usarmos a máscara durante algum tempo, ela torna-se a nossa cara.”
Quem é Hana-Rawhiti Maipi-Clarke?
Aos 22 anos, a deputada que iniciou a haka é o membro mais jovem do Parlamento e não é a primeira vez que se torna viral por fazer a dança cerimonial na instituição. Nos últimos meses, todavia, Hana-Rawhiti Maipi-Clarke tem ganhado protagonismo face às medidas do Governo de Christopher Luxon. “Estamos a tentar proteger o máximo que podemos”, declarou numa entrevista à revista Time, referindo-se a si e aos restantes cinco deputados do Partido Maiori. O Parlamento neozelandês tem 123 deputados no total.
Hana-Rawhiti Maipi-Clarke foi eleita nas eleições de 2023 e fez uma haka durante o seu primeiro discurso no Parlamento, em Dezembro do ano passado. Dedicada a dar voz aos mais jovens na política, venceu o prémio One Young World Politician of the Year do Reino Unido, que distingue a nova geração de políticos, em Setembro deste ano. “Apenas 2% dos políticos têm menos de 30 anos. Corremos o risco de perder toda uma geração, sobretudo com este Governo que ataca sistematicamente o nosso ser, de se envolver na política”, declarou então ao The New Zealand Herald.
Nunca esteve nos seus planos dedicar-se à política, confessou, mas foi a situação do país que a forçou a tomar esta decisão. “Aos 21 anos, este não era definitivamente o plano, mas este Parlamento continuou a pisar em coisas em que não devia estar a tocar.” E promete: “Independentemente do que sair deste Governo, certificar-me-ei de que os nossos filhos nos ouvem.”
Na Nova Zelândia, 18% da população é indígena e de acordo com os censos mais recentes, citados pela BBC, este povo continua em desvantagem no que toca à saúde, aos rendimentos anuais, aos níveis de educação e até à esperança média de vida. Em média, os maoris vivem menos sete anos do que os restantes neozelandeses.
Quem segue os jogos internacionais de râguebi conhece a haka, a dança tradicional dos All-Blacks, a selecção da Nova Zelândia, que fazem no início de cada jogo e que simboliza a união entre os jogadores, independentemente da sua origem étnica, contra os seus adversários. A haka é uma tradição cultural nativa daquele país que vai além da dança, é um ritual que pode ser de provocação ou de celebração. No caso de Hana-Rawhiti Maipi-Clarke e do seu partido foi de protesto.