Série Semana de Quatro Dias (7): a ousadia de ser pioneiro

É preciso ousadia – alguns chamarão loucura – para trilhar esse caminho. O que eu sei é que Portugal se agigantou sempre que teve a ousadia de ser pioneiro!

Quem leu o bestseller Pensar, depressa e devagar, de Daniel Kahneman, sabe que as pessoas têm enviesamentos cognitivos que afetam o modo como veem o mundo e tomam decisões. Em 2021, um artigo na revista Nature identificou um outro destes enviesamentos: o enviesamento aditivo. Sistematicamente, procuramos transformações aditivas e ignoramos transformações subtrativas. Numa experiência com peças de Lego é pedido aos participantes que reparem uma torre com uma instabilidade em dois pilares assimétricos. A reparação pode ser feita acrescentando uma peça a um pilar ou retirando uma peça do outro. A maioria dos participantes acrescenta peças e poucos optam por retirar. Os investigadores concluem que “as ideias aditivas vêm à mente com rapidez e facilidade, mas as ideias subtrativas exigem mais esforço cognitivo. Como as pessoas geralmente trabalham com as primeiras ideias que vêm à mente, acabam aceitando soluções aditivas sem considerar a subtração”.

As pessoas espontaneamente pensam em mudanças como oportunidades para aumentar, seja em termos de riqueza, poder ou realização pessoal. Raramente pensam em diminuir, em renunciar a algo, que muitas vezes é visto como uma perda, uma quebra da nossa capacidade ou bem-estar. No entanto, a mudança mais eficaz pode ser justamente isso: um processo de simplificação, de abdicar de aquilo que nos sobrecarrega e nos impede de avançar.

Podemos pensar no desafio da produtividade a partir destas duas visões. A produtividade pode aumentar, produzindo-se mais com os mesmos recursos, mas também produzindo-se o mesmo com menos recursos. A nossa tendência é pensarmos no primeiro caminho, mas o segundo é tão válido como o primeiro – apenas menos natural. Este segundo caminho é o da semana de quatro dias. Uma opção que nos obriga a identificar o que não precisamos de fazer, a priorizar o mais importante e a ser eficientes com o nosso tempo.

Em 2002, assisti a uma conferência de lançamento do livro Produtividade e Crescimento em Portugal, com contribuições de grandes economistas como José Silva Lopes e Miguel Beleza, que identificavam a baixa produtividade como o calcanhar de Aquiles de Portugal, e apontavam para o seu aumento como via para o crescimento económico. Desde então esta receita tem sido repetida, e ainda recentemente pela SEDES, que aponta para a ‘ambição de duplicar o PIB em 20 anos’, ou por Horta Osório, que acredita que se consegue em dez anos. O raciocínio é coerente. Aumentar a produtividade para crescer, prometendo menos horas de trabalho quando atingirmos o PIB per capita alemão – o tempo de lazer virá como recompensa do nosso esforço coletivo. Mas, na prática, o caminho para o aumento da produtividade é demasiado vago e as medidas que se propõem (reduções de impostos, apoios à inovação, luta contra a corrupção, desregulação, mais investimento) ou não se conseguiram implementar ou falharam. Todos constatamos que este caminho fracassou.

Podemos sempre insistir nele, ou então podemos reconhecer o nosso enviesamento aditivo e trabalhar em conjunto por um caminho alternativo onde os ganhos de produtividade se consigam com menos horas de trabalho: a ambição de reduzir a semana de trabalho em cinco anos. Esta ambição não busca promover o decrescimento, antes pelo contrário. Por um lado, os mecanismos pelos quais uma redução das horas de trabalho aumenta a produtividade por hora são claros – expliquei-os ao longo de várias semanas – e poderão ser quantificáveis no contexto da nossa economia com a experiência-piloto. Por outro lado, não defendo a libertação do tempo como um fim em si mesmo ou um objetivo espiritual. “Cada atividade de tempos livres traz um benefício económico”, disse o Nobel da economia James Tobin. Para além do descanso, indispensável à eficácia e criatividade dos trabalhadores, o tempo livre vai ser despendido nas indústrias de lazer, entretenimento, cultura e turismo; a fazer mestrados e cursos de qualificação que permitirão aos trabalhadores adaptarem-se continuamente a um progresso tecnológico incessante, durante uma vida cada vez mais longa; a fazer ‘biscates’ noutros setores que vivem de picos de trabalho sazonais, como por exemplo na agricultura ou turismo; e também na criação de novas empresas e na inovação do futuro, essas sim as chaves mestras do capitalismo. A semana de quatro dias não é um fim, é um meio para criar as condições para o crescimento económico.

É preciso ousadia – alguns chamarão loucura – para trilhar esse caminho. O que eu sei é que Portugal se agigantou sempre que teve a ousadia de ser pioneiro!

As empresas interessadas em saber mais sobre o projeto podem inscrever-se nas sessões de esclarecimento, que decorrerão até 30 de janeiro, no site: https://www.iefp.pt/projetos-e-iniciativas

Pedro Gomes é coordenador da experiência-piloto da semana quatro dias, organizada pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social

O autor escreve segundo o novo acordo​ ortográfico

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