Carlos Zorrinho sobre presidenciais e o PS: primárias “não fazem sentido” e escolha deve ser já na Primavera
Ex-governante e candidato autárquico defende que PS deve “unir-se” rapidamente para as presidenciais e considera que Pedro Nuno Santos tem “cumprido os mínimos”
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Carlos Zorrinho, ex-eurodeputado e antigo secretário de Estado da Energia e da Administração Interna, é agora o candidato socialista à Câmara de Évora. Quer combater a fragmentação eleitoral, aconselha Alexandra Leitão a não fazer uma frente de esquerda em Lisboa e defende que, a nível nacional, o PS "deve começar a falar muito mais de segurança".
Sobre presidenciais, diz, em entrevista ao Programa Hora da Verdade, do PÚBLICO e Renascença, que o seu candidato é António José Seguro e que "não se é Presidente da República pela farda, pela altura ou pela cor dos olhos".
Nos últimos anos, Évora tem escapado ao PS nas autárquicas. Desta vez, confia na perda de influência eleitoral do PCP?
Não é tanto confiança na perda de poder eleitoral do PCP, é o sentimento de que nos últimos anos a cidade estagnou, perdeu ambição, capacidade de atractividade. Mais do que olhar para o passado, quero fazer uma campanha pela positiva, uma campanha de mobilização, acreditando que Évora, capital de Portugal, capital do Alentejo, que vai ser capital europeia da cultura, tem um enorme potencial inexplorado e tem muita gente que quer e que acredita numa Évora menos fragmentada e mobilizadora.
O PCP passou a ser residual no Alentejo?
Do ponto de vista autárquico, não. Do ponto de vista das legislativas, sim, é residual. Olhando para a actual vereação em Évora, o PCP tem dois vereadores, o PS tem dois, o PSD tem dois, há um movimento independente que tem um vereador. A fragmentação é altamente prejudicial à cidade. Esta fragmentação não ajuda a dar tracção aos grandes projectos de mudança de que a cidade precisa.
Está apostado numa maioria absoluta?
Estou apostado numa maioria estável para governar. Claro que, quanto mais estável for a maioria, mais fácil é aplicar um programa.
Nas últimas eleições legislativas, o Chega teve 19% em Évora. O que é que está a acontecer no Alentejo e no distrito de Évora para o discurso do Chega chegar a tantas pessoas?
Naturalmente, como numa grande parte do interior do país, o descontentamento das pessoas tem crescido. Embora muita coisa tenha sido feita no Alentejo nos últimos anos, continuamos a ter uma região muito envelhecida, problemas de demografia muito grandes, continuamos a não ter a massa crítica necessária para fixar as pessoas. Os serviços públicos melhoraram muito, mas não chegam da forma como deviam chegar a toda a população. No Alentejo sempre houve um elevado voto de protesto que normalmente se encaminhava para o voto na CDU. O que penso que tem estado a acontecer é que esse voto de protesto tem vindo a dirigir-se da CDU para o Chega.
Mais do que qualificá-lo, o problema é resolvê-lo. As eleições autárquicas deste ano são muito importantes também por isso. Nós identificamos um sentimento de afastamento muito forte em todo o Ocidente dos eleitores em relação aos políticos. E essa falta de proximidade, essa falta de empatia tem nas eleições autárquicas um espaço muito importante para se poder mitigar.
O adversário do PS é o Chega ou o PCP?
Eu quero fazer uma campanha muito pela positiva. O adversário do PS são as ruas e a higiene urbana que toda a gente identifica como inaceitável. É o trânsito caótico e a incapacidade de algumas empresas que querem investir em Évora. O não haver habitação. Esses são os verdadeiros adversários.
Acha que os temas do Chega, como o discurso securitário, podem ter algum eco nos problemas que vivem as pessoas em Évora ou não?
Évora é uma cidade globalmente segura, tal como o país. A questão é a capacidade, ou não, do Chega de criar uma percepção de não segurança. É preciso combater isso. Quando se vê a polícia no Martim Moniz a fazer toda aquela cena, está-se a criar insegurança de Estado para depois se dizer: "Atenção, somos nós que podemos garantir a segurança."
Ou seja, para conquistar uma parte do eleitorado do Chega, o Governo está a colocar a polícia numa má situação. Devemos proteger as forças de segurança, valorizar as forças de segurança, não é usá-las em coreografias. A criação de uma insegurança de Estado para depois dizer "Nós é que garantimos a segurança" é, do ponto de vista político, algo inaceitável.
Acha que há uma polícia de Estado neste momento?
Não acho que haja uma polícia de Estado. Isso é excessivo. Acho que o Governo usa, politiza a acção da polícia para criar um clima que facilite a sua agenda securitária. E houve ao longo do tempo uma menor atenção ou certo preconceito da esquerda em relação aos temas de segurança. É um erro enorme. Não me resigno à ideia de que o tema da segurança seja um tema de direita. Não é.
O PS está a perder a batalha da segurança?
Não. A esquerda, ao longo de muitos anos, e não apenas aqui em Portugal, não fez da segurança um tema prioritário, escolheu outros temas, outros temas sociais, mas a segurança é um tema cada vez mais importante, num mundo cada vez mais global, em que a segurança já não é apenas a segurança normal, é também a cibersegurança, por exemplo. O PS não pode ser apenas um crítico, deve passar a ser um proponente.
E essas propostas têm faltado ao PS?
O PS deve começar a falar muito mais de segurança e deve começar a falar muito mais do modelo alternativo de segurança, que é o modelo de regulação, de integração, de proximidade, de valorização das forças de segurança.
Acha que o discurso do PS sobre segurança confunde-se com o dos partidos à sua esquerda?
O PS deveria valorizar mais um discurso próprio. Tem de fazer o discurso da segurança com empatia, segurança com sentido de Estado, segurança com proximidade, como uma das suas bandeiras. E se essa for uma linha vermelha que o separa de outras forças mais à esquerda, tem de assumir que deve separar.
Soube-se nos últimos dias que Alexandra Leitão será a candidata do PS a Lisboa. É uma aposta na esquerda mais à esquerda do PS?
É uma aposta em Alexandra Leitão. É uma candidata forte. Se lhe pudesse dar um conselho, acho que devia mobilizar o muito eleitorado em Lisboa que está muito, muito descontente com a governação autárquica de Carlos Moedas. E depois, se os partidos mais à esquerda também se juntarem à sua candidatura, acho que, para ganhar uma câmara, todos são importantes. Não defendo uma lógica frentista. Se Alexandra Leitão fizer primeiro um acordo frentista e depois se apresentar ao eleitorado, é provável que perca algum eleitorado ao centro.
Sobre as eleições presidenciais, António José Seguro diz que está a ponderar se é, ou não, candidato às eleições de Janeiro de 2026. Seria um bom candidato?
Sim, seria um bom candidato. O PS não pode voltar a ter falta de comparência nas eleições presidenciais. Tem a obrigação de ter um candidato que dispute a segunda volta para ganhar. O PS deve escolher entre aquelas figuras que se disponibilizarem porque as eleições presidenciais são pessoais – e isso inviabiliza algumas coisas de que se falou, como as primárias.
Não faz sentido a ideia de primárias para o PS escolher um candidato, como defendeu Ferro Rodrigues?
Eu disse que não fazia sentido por essa razão. Haver primárias implicaria que todas aquelas pessoas que se afirmavam individualmente como potenciais candidatos pelo PS teriam também de estar disponíveis para aceitar participar de umas primárias, e fazer um pacto entre elas, a dizer que as que não ficarem em primeiro desistem. O PS pode escolher um candidato e pode fazer primárias para escolher o candidato a primeiro-ministro.
Quando é que o PS tem de tomar uma decisão?
Quando tiver o número suficiente de candidatos para poder depois fazer a sua escolha. Eu acho que na Primavera.
O PS não corre o risco de ter mais do que um candidato à corrida às presidenciais, como aconteceu nas últimas eleições?
Sim, mas não pode hesitar em apoiar um. Deve fazer tudo o que for possível para não ter mais do que uma pessoa identificada. O PS corre o risco de não eleger um Presidente da República se não se conseguir unir em torno daquele ou daquela que estiver mais bem colocado para o fazer.
O PS não tem um Presidente da República da sua área política há 20 anos. Não corre o risco de ficar mais cinco ou dez anos sem alguém da sua área política, tendo em conta a popularidade, por exemplo, do almirante Gouveia e Melo?
O almirante Gouveia e Melo é popular porque não é conhecido. O que é popular no almirante Gouveia e Melo é, digamos, a persona, o aspecto físico, a farda e o facto de, em determinada altura, ter sido associado a uma boa capacidade de liderança na questão das vacinas. Ora, não se é Presidente da República pela farda, pela altura ou pela cor dos olhos. Não se é Presidente da República por ter conseguido coordenar, embora isso ajude, um processo de vacinação. O almirante Gouveia e Melo vai ter de se revelar. E quando se revelar, pode correr bem, mas também pode correr mal.
Há um ano que Pedro Nuno Santos lidera o PS. Além das pensões e da abstenção no Orçamento de Estado, há alguma coisa a reter desta direcção? Não se esperava mais acção, mais propostas, em vez de menos reacção ao Governo?
Há muitos militantes que me fazem a mesma pergunta e eu digo: "Camarada, se calhar aqui já não paga Scuts porque nós fizemos isto, paga menos impostos porque isto aconteceu." Foram muitas coisas ao mesmo tempo. É preciso lançar agora as autárquicas, é preciso tratar das presidenciais, é preciso começar a preparar a discussão do próximo Orçamento de Estado. Neste tempo, o secretário-geral cumpriu aquilo que são os mínimos que tinha de cumprir. Agora, com mais experiência, certamente poderá fazer mais e melhor.
Falou do Orçamento do próximo ano. Acha que o PS devia manter aberta a porta à viabilização do próximo Orçamento?
Nunca se deve fechar nenhuma porta sem conhecer o documento.