Quando começa o tão esperado cessar-fogo em Gaza? O que inclui o acordo?
Complexo acordo prevê etapa inicial de cessar-fogo de seis semanas, que deverá começar no domingo. Governo de Israel anunciou adiamento da reunião do Conselho de Ministros destinada a aprovar acordo.
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Israel e o Hamas chegaram a um acordo faseado para um cessar-fogo em Gaza após 15 meses de uma guerra sangrenta que matou dezenas de milhares de palestinianos e inflamou o Médio Oriente. Numa conferência de imprensa em Doha, o primeiro-ministro do Qatar, Sheikh Mohammed bin Abdulrahman Al Thani, que tem sido um dos mediadores das negociações, afirmou que o cessar-fogo entraria em vigor no domingo e há trabalhos a decorrer para a sua implementação.
O pacto surge na sequência de meses de negociações tortuosas, conduzidas por mediadores do Egipto e do Qatar, com o apoio dos Estados Unidos, e ocorre dias antes da tomada de posse do Presidente eleito dos EUA, Donald Trump, a 20 de Janeiro. Eis o que já sabemos sobre o tão esperado cessar-fogo na Faixa de Gaza.
O que está previsto neste acordo?
O complexo acordo de três fases prevê uma etapa inicial de cessar-fogo de seis semanas, que inclui a permissão da entrada de ajuda humanitária no território e o regresso dos palestinianos aos seus bairros em todas as zonas de Gaza. O acordo também inclui a libertação, ao longo de 42 dias, de 33 reféns feitos pelo Hamas — nomeadamente crianças, mulheres, feridos, doentes e homens com mais de 50 anos. Das 251 pessoas sequestradas durante o massacre de 7 de Outubro de 2023, pelo menos 94 permanecem ainda em Gaza, embora as autoridades israelitas acreditem que apenas 60 estejam ainda vivas.
Em troca, Israel compromete-se a libertar quase mil prisioneiros palestinianos das prisões, que não incluem pessoas condenadas por terrorismo ou envolvidas no ataque do Hamas contra Israel em Outubro de 2023. Depois, haverá a retirada gradual das forças israelitas da Faixa de Gaza, principalmente das zonas mais populadas. A fase final é dedicada à reconstrução da Faixa de Gaza, depois de uma ofensiva que arrasou praticamente todas as infra-estruturas civis do território. Se for bem-sucedido, o cessar-fogo faseado e planeado porá fim aos combates que reduziram grande parte de Gaza, fortemente urbanizada, a ruínas e obrigaram grande parte da população de 2,3 milhões de pessoas a abandonar as suas casas.
Na noite desta quarta-feira, uma autoridade israelita familiarizada com as negociações, que falou à agência Associated Press (AP) sob anonimato, referiu que os "detalhes finais" da troca de reféns, nomeadamente a lista de prisioneiros palestinianos que serão libertados, ainda estão a ser ultimados.
Israel atacou Gaza depois de anunciado o cessar-fogo?
Sim. Nesta quarta-feira, as tropas israelitas bombardearam Gaza horas depois de ter sido anunciado o acordo de cessar-fogo e de libertação de reféns com o Hamas, segundo disseram residentes e autoridades do enclave palestiniano, enquanto os mediadores tentavam travar os combates antes do início da trégua. Os fortes bombardeamentos israelitas, especialmente na cidade de Gaza, mataram 70 pessoas e feriram outras 200, segundo os médicos. Os ataques continuaram na madrugada de quinta-feira e destruíram casas em Rafah, no Sul da Faixa de Gaza, em Nuseirat, no centro, e no Norte de Gaza. As forças armadas israelitas também avançaram que os militantes de Gaza dispararam um rocket contra Israel na quinta-feira, mas sem causar vítimas.
A intensificação dos ataques enquanto decorrem negociações ou pouco antes da entrada em vigor de um acordo para encerrar hostilidades é frequente. Como escreveu em 2014 o Times of Israel, dias antes da entrada em vigor de um cessar-fogo entre Israel e o Líbano em 2006, o número de militares israelitas destacados no Líbano triplicou. No último dia do conflito, o Hezbollah disparou 250 rockets contra Israel. Anos depois, em Novembro de 2021, quando um acordo entre Israel e o Hamas estava muito próximo, quase 200 rockets foram disparados no espaço de 48 horas de Gaza contra Israel. Nos mesmos dias, Israel atingiu vários alvos em Jabalya e Khan Younis.
O acordo já é oficial?
Ainda não. A aceitação do acordo por Israel não será oficial até que seja aprovado pelo gabinete de segurança e pelo Governo do país. As votações estavam previstas para esta quinta-feira, mas o Governo de Israel anunciou, entretanto, o adiamento da reunião do Conselho de Ministros destinada a aprovar o acordo, acusando o Hamas de estar a criar uma “crise” e a tentar “extorquir concessões de última hora”.
Em comunicado, o gabinete do primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, afirma que o Hamas está a “renegar partes do acordo" já alcançado e avisa que os ministros “não se vão reunir” até que “os mediadores notifiquem Israel de que o Hamas aceitou todos os elementos do acordo”. O Hamas, por outro lado, assegurou que “está comprometido com o acordo de cessar-fogo anunciado pelos mediadores” e, citado pela Reuters, recusou as acusações israelitas. Ainda não se sabe qual será o impacto deste impasse no acordo.
Nesta altura, algumas figuras de extrema-direita do Governo de Netanyahu ainda esperam impedir o acordo, embora a maioria dos ministros o apoie. O ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, disse que o seu partido só permaneceria no Governo se Israel retomasse os combates até à derrota do Hamas. Itamar Ben-Gvir, ministro da Segurança Nacional, também ameaçou deixar o Governo se o cessar-fogo for aprovado e falou numa “rendição” ao Hamas.
Os israelitas acharão difícil ver militantes do Hamas que cumpriam penas perpétuas por envolvimento em ataques mortais no seu país a serem libertados. Mas sondagens sucessivas mostraram amplo apoio público a um acordo que permitiria o regresso a casa dos reféns, mesmo que "o preço" a pagar por essa libertação fosse elevado.
O que fez avançar as negociações?
As negociações ganharam força desde que Israel chegou a um acordo de cessar-fogo separado com o grupo militante libanês Hezbollah, que iniciou uma campanha de ataques contra Israel imediatamente após o massacre de Outubro de 2023. Como escreve o The New York Times, a mudança na presidência dos EUA também poderá ter pressionado Israel e o Hamas a acelerarem a tomada de decisões após meses de impasses. Até porque, em conferência de imprensa nesta quarta-feira, Biden pareceu dar a entender que existiu um trabalho conjunto entre a Administração cessante e a nova Administração para chegar finalmente a um acordo na Faixa de Gaza. O Presidente afirmou que, embora o acordo tenha sido desenvolvido e negociado pela sua Administração, os termos seriam implementados em grande parte pelo Governo Trump. “Nos últimos dias, temos falado como uma equipa”, referiu.