77 mortos em ataques de Israel a Gaza depois do anúncio do cessar-fogo

Os ataques israelitas, que começaram poucas horas após o anúncio do acordo de cessar-fogo com o Hamas, mataram 77 pessoas. Governo israelita vai votar acordo esta quinta-feira.

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Imagem de ataque recente em Khan Younis Hatem Khaled / REUTERS
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Israel intensificou os ataques a Gaza horas depois de ter sido anunciado um acordo de cessar-fogo e de libertação de reféns com o Hamas, segundo disseram residentes e autoridades do enclave palestiniano, enquanto os mediadores tentavam travar os combates antes do início da trégua no domingo. Morreram 77 pessoas, segundo o Serviço de Emergência Civil palestiniano, desde o anúncio de cessar-fogo.

O complexo acordo de cessar-fogo entre Israel e o grupo militante Hamas, que controla a Faixa de Gaza, foi concluído na quarta-feira, após meses de mediação pelo Qatar, Egipto e EUA e 15 meses de derramamento de sangue que devastaram o território costeiro e inflamaram o Médio Oriente.

O acordo prevê um cessar-fogo inicial de seis semanas, com a retirada gradual das forças israelitas da Faixa de Gaza, onde dezenas de milhares de pessoas foram mortas. Os reféns do Hamas seriam libertados em troca de prisioneiros palestinianos detidos por Israel.

Numa conferência de imprensa em Doha, o primeiro-ministro do Qatar, Sheikh Mohammed bin Abdulrahman Al Thani, afirmou que o cessar-fogo entraria em vigor no domingo. Os negociadores estão a trabalhar com Israel e o Hamas nas medidas de aplicação do acordo, afirmou.

“Este acordo vai pôr termo aos combates em Gaza, prestar a tão necessária assistência humanitária aos civis palestinianos e reunir os reféns com as suas famílias após mais de 15 meses de cativeiro”, disse o Presidente dos EUA, Joe Biden, em Washington. O seu sucessor, Donald Trump, toma posse na segunda-feira e reivindicou o crédito pelo avanço do acordo.

Progressos significativos foram feitos nas negociações assim que as administrações Biden e Trump começaram a trabalhar lado a lado para defender a urgência, disse à Reuters o embaixador cessante dos EUA em Israel, Jack Lew.

A aceitação do acordo por Israel não será oficial até que seja aprovado pelo gabinete de segurança e pelo governo do país, com votações previstas para quinta-feira, como afirmou um funcionário israelita. Esperava-se que o acordo fosse aprovado, apesar da oposição de alguns membros do governo de coligação do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu.

No entanto, enquanto as pessoas celebravam o pacto em Gaza e em Israel, os militares israelitas intensificaram os ataques após o anúncio, disseram os serviços de emergência civil e os residentes. Os fortes bombardeamentos israelitas, especialmente na cidade de Gaza, mataram 32 pessoas nesta quarta-feira, segundo os médicos.

Os ataques continuaram na madrugada de quinta-feira e destruíram casas em Rafah, no Sul da Faixa de Gaza, em Nuseirat, no Centro, e no norte da Faixa de Gaza, segundo os residentes. Segundo as forças armadas israelitas, os militantes de Gaza também dispararam um rocket contra Israel na quinta-feira, mas sem causar vítimas.

Festa com pedidos de cautela

Em mensagens nas redes sociais, alguns residentes de Gaza pediram que os palestinianos fossem mais cautelosos, acreditando que Israel poderia intensificar os ataques nos próximos dias para maximizar os os estragos antes do início do cessar-fogo.

No entanto, a notícia do acordo de cessar-fogo provocou júbilo em Gaza, onde os palestinianos têm enfrentado uma grave escassez de alimentos, água, abrigo e combustível. Em Khan Younis, multidões entupiram as ruas ao som de buzinas enquanto aplaudiam, agitavam bandeiras palestinianas e dançavam.

“Estou feliz. Sim, estou a chorar, mas são lágrimas de alegria”, disse Ghada, uma mãe de cinco filhos deslocada.

Em Telavive, as famílias dos reféns israelitas e os seus amigos acolheram igualmente a notícia, afirmando numa declaração que sentiam “uma alegria e um alívio esmagadores pelo acordo, para trazer os nossos entes queridos para casa”.

Numa declaração nas redes sociais anunciando o cessar-fogo, o Hamas considerou o pacto “uma conquista para o nosso povo” e “um ponto de viragem”. Se for bem-sucedido, o cessar-fogo irá pôr termo aos combates que, segundo as autoridades de Gaza, arrasaram grande parte da Gaza fortemente urbanizada, mataram mais de 46.000 pessoas e deslocaram a maior parte da população do pequeno enclave, que antes da guerra tinha 2,3 milhões de pessoas.

Por sua vez, isso poderia desanuviar as tensões em todo o Médio Oriente, onde a guerra alimentou os conflitos na Cisjordânia ocupada por Israel, no Líbano, na Síria, no Iémen e no Iraque, e fez temer uma guerra total entre o Israel e o Irão.

Com 98 reféns israelitas ainda em Gaza, a primeira fase do acordo implica a libertação de 33 deles, incluindo todas as mulheres, crianças e homens com mais de 50 anos. Dois reféns americanos, Keith Siegel e Sagui Dekel-Chen, estão entre os que serão libertados na primeira fase, disse uma fonte.

Aumento da assistência humanitária

O acordo prevê um aumento da assistência humanitária a Gaza e a ONU e o Comité Internacional da Cruz Vermelha afirmaram estar a preparar-se para aumentar as suas operações de ajuda.

A reacção global ao cessar-fogo foi entusiástica. Líderes e funcionários do Egipto, Turquia, Grã-Bretanha, Nações Unidas, União Europeia, Jordânia, Alemanha e Emirados Árabes Unidos, entre outros, celebraram a notícia. Biden e Trump reivindicaram o crédito pelo acordo que estava a ser preparado há meses.

O enviado de Trump para o Médio Oriente, Steve Witkoff, esteve no Qatar juntamente com enviados da Casa Branca para as conversações, e um alto funcionário da administração Biden disse que a presença de Witkoff foi fundamental para chegar a um acordo após 96 horas de intensas negociações. Biden afirmou que as duas equipas tinham “falado como uma só”.

As famílias dos reféns israelitas manifestaram a sua preocupação com a possibilidade de o acordo não ser totalmente aplicado e de alguns reféns serem deixados em Gaza.

As negociações para a implementação da segunda fase do acordo terão início no 16.º dia da primeira fase, e espera-se que esta fase inclua a libertação de todos os reféns restantes, um cessar-fogo permanente e a retirada completa das forças israelitas de Gaza.

A terceira fase deverá contemplar a devolução de todos os cadáveres e o início da reconstrução de Gaza, supervisionada pelo Egipto, pelo Qatar e pelas Nações Unidas.

Se tudo correr bem, os palestinianos, os Estados árabes e Israel terão ainda de chegar a acordo sobre uma visão para a Faixa de Gaza pós-guerra, incluindo a questão sem resposta de quem irá governar Gaza depois da guerra.

As tropas israelitas invadiram Gaza depois de homens armados liderados pelo Hamas terem invadido as comunidades da zona fronteiriça israelita a 7 de Outubro de 2023, matando 1200 soldados e civis e raptando mais de 250 reféns, de acordo com os registos israelitas

Actualizado às 16h30 com actualização do número de mortes