Governo israelita acusa Hamas de exigir “concessões de última hora” e adia aprovação do cessar-fogo
Gabinete de Netanyahu avisa que só se vai reunir para aprovar o cessar-fogo em Gaza quando o Hamas “aceitar todos os elementos do acordo”. Grupo islamista rejeita acusação israelita.
O Governo de Israel anunciou o adiamento da reunião do Conselho de Ministros destinada a aprovar o acordo de cessar-fogo na Faixa de Gaza, acusando o Hamas de estar a criar uma “crise” e a tentar “extorquir concessões de última hora”.
Num comunicado divulgado esta quinta-feira, 16 de Janeiro, de manhã, o gabinete do primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, garante que o Hamas está a “renegar partes do acordo alcançado com os mediadores [Qatar] e Israel” e informa que os ministros “não se vão reunir” até que “os mediadores notifiquem Israel de que o Hamas aceitou todos os elementos do acordo”.
Em resposta, Izzat el-Reshiq, representante do bureau político do movimento islamista palestiniano, assegurou, no entanto, que o Hamas “está comprometido com o acordo de cessar-fogo anunciado pelos mediadores” e, citado pela Reuters, recusou as acusações israelitas.
Na quarta-feira à noite, o Governo qatari anunciou que as partes tinham chegado a um compromisso para uma pausa nas hostilidades no enclave palestiniano, que deveria começar a vigorar no domingo e que incluiria a libertação de 33 reféns do Hamas, nomeadamente crianças, mulheres, feridos, doentes e homens com mais de 50 anos de idade.
Apesar de não ser oficial e de ainda não se conhecerem todos os detalhes, o acordo estipula que para além da retirada faseada dos soldados israelitas de algumas regiões e zonas estratégicas de Gaza e da permissão da entrada de ajuda humanitária no território, Israel se compromete a libertar quase mil prisioneiros palestinianos das suas prisões, que não incluem pessoas condenadas por terrorismo ou envolvidas no ataque do Hamas contra Israel no dia 7 de Outubro de 2023.
Rushdi Abualouf, correspondente da BBC em Gaza, diz que o Hamas estará, precisamente, a tentar incluir “os nomes de um ou dois prisioneiros simbólicos do seu movimento” na lista de presos libertados por Israel, numa jogada alegadamente destinada a recuperar popularidade no enclave palestiniano. Poderão ser essas as exigências criticadas por Netanyahu.
Ameaças da extrema-direita
O adiamento da reunião do Conselho de Ministros de Israel surge numa altura em que pelo menos dois ministros de partidos de extrema-direita ameaçam demitir-se se o acordo que estará em cima da mesa for aprovado.
Itamar Ben-Gvir, ministro da Segurança Nacional, fala numa “rendição” ao Hamas; e Bezalel Smotrich, ministro das Finanças, disse na quarta-feira que as “condições” do partido Sionismo Religioso para se manter no Governo de Netanyahu são, além da “destruição” do Hamas e libertação de todos os reféns, “a certeza total de um regresso à guerra com grande força, em plena capacidade e com um novo modo até à vitória total em todas as suas componentes” na Faixa de Gaza.
Esta quinta-feira, antes de uma reunião do Sionismo Religioso para discutir o acordo, o deputado Zvi Sukkot assumiu, em declarações à rádio Kan, que é “provável” que o partido “abandone o Governo” em caso de aprovação do cessar-fogo pelo Conselho de Ministros.
Se os sete deputados do Sionismo Religioso saírem da coligação, Netanyahu ainda tem maioria parlamentar no Knesset, mas se os seis membros do Otzma Yehudit, de Ben-Gvir, também baterem com a porta, o primeiro-ministro vê-se a braços com um executivo minoritário.
Mesmo com os votos contra dos ministros da Segurança Nacional e das Finanças, o acordo de cessar-fogo deve, ainda assim, ser aprovado pelo Conselho de Ministros do Governo israelita.
Centenas de pessoas ligadas a grupos religiosos e conservadores juntaram-se esta quinta-feira em Jerusalém, em frente ao Knesset (Parlamento) e ao gabinete de Netanyahu, criticando o primeiro-ministro por estar a ponderar dar “luz verde” a um acordo com o Hamas.
Acordo celebrado
Horas depois do anúncio do acordo, que foi celebrado por muitos líderes políticos mundiais, incluindo Joe Biden (Presidente dos EUA), Donald Trump (Presidente eleito dos EUA), Ursula von der Leyen (presidente da Comissão Europeia), Keir Starmer (primeiro-ministro do Reino Unido) ou Emmanuel Macron (Presidente de França), as Forças Armadas israelitas intensificaram os bombardeamentos em Gaza, matando pelo menos 70 pessoas.
De acordo com a Reuters, que cita residentes e as autoridades palestinianas, os ataques levados a cabo na madrugada desta quinta-feira destruíram casas em Rafah, no Sul do enclave; em Nuseirat, no centro; e no Norte da Faixa de Gaza. O Hamas também disparou um rocket contra Israel, que foi interceptado e não fez vítimas.
O executivo israelita não ofereceu pormenores sobre as alegadas novas exigências do grupo islamista, mas o jornal Jerusalem Post já tinha dado conta, antes deste comunicado, que a reunião dos ministros com Netanyahu tinha sido adiada porque “a delegação do acordo de reféns não acabou o seu trabalho no Qatar e regressou a Israel”.
Segundo o Times of Israel, David Barnea, chefe da Mossad (serviços secretos israelitas) e outros membros da delegação de Israel estão, no entanto, em Doha, envolvidos em negociações com os mediadores do acordo.
Numa reacção às notícias sobre o acordo alcançado para um cessar-fogo em Gaza, Khalil Al-Hayya, líder do bureau político do Hamas, descreveu o compromisso como um “momento histórico” e o resultado da “resiliência” dos palestinianos. Mas assegurou que a população “nunca irá esquecer todos os que fizeram parte da guerra de genocídio” em Gaza.
A guerra israelita na Faixa de Gaza foi lançada no dia 7 de Outubro de 2023, depois de membros armados do movimento islamista terem atacado Israel, matando cerca de 1200 pessoa e fazendo mais de 240 reféns – calcula-se que pelo menos 94 ainda estejam sequestrados, no enclave, não se sabendo ao certo quantos estarão vivos.
Segundo as autoridades de Saúde palestinianas, os bombardeamentos e invasão israelita do território já fizeram mais de 46 mil mortos e obrigaram ao deslocamento de quase 90% da população local.