Biden alerta para transformação dos EUA numa oligarquia no seu discurso de despedida

Presidente norte-americano critica influência de multimilionários do sector tecnológico junto da próxima Administração e a promoção de uma “avalanche de desinformação que facilita o abuso de poder”.

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Joe Biden proferiu o seu último discurso a partir da Casa Branca esta quarta-feira (madrugada de quinta em Portugal) MANDEL NGAN / VIA REUTERS
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O Presidente cessante dos Estados Unidos, Joe Biden, proferiu esta quarta-feira (madrugada de quinta em Portugal) o seu último discurso a partir da Sala Oval da Casa Branca, desejando sucesso ao seu sucessor, Donald Trump, mas alertando para a transformação do país numa "oligarquia".

"Hoje, uma oligarquia está a estabelecer-se na América, com extrema riqueza, poder e influência que ameaçam realmente toda a nossa democracia, os nossos direitos e liberdades elementares, e a justa oportunidade para todos", criticou o Presidente democrata, apontando para uma "concentração perigosa de poder nas mãos de um punhado de pessoas ultra-ricas".

A próxima Administração Trump será a mais rica da história, contando com vários multimilionários nomeados para cargos governativos, a carecer de confirmação pelo Senado, como Scott Bessent (Tesouro), Doug Burgum (Interior), Howard Lutnick (Comércio) ou Linda McMahon (Educação). Na órbita da Casa Branca posiciona-se ainda o homem mais rico do mundo, Elon Musk, que ficará a cargo de um projecto de reforma do Estado, sendo igualmente pública a aproximação recente a Trump por parte de Jeff Bezos e Mark Zuckerberg, segundo e terceiro homem mais rico do mundo, que estarão na tribuna de honra da cerimónia de tomada de posse do próximo Presidente, na segunda-feira.

A influência das grandes fortunas na próxima Administração norte-americana foi apenas um dos alertas deixados por Biden, que declarou que "a imprensa livre está a ruir" e que "as redes sociais desistiram de verificar factos", gerando o risco de uma "avalanche de desinformação que facilita o abuso de poder". Também aqui com Musk, Bezos e Zuckerberg como implícitos visados, ao responsabilizar o "complexo industrial tecnológico".

Em risco, um "sistema de separação de poderes" que, admitiu Biden, "pode não ser perfeito, mas garantiu a democracia por quase 250 anos, mais do que qualquer outra nação na história que experimentou tal ousadia". Para protegê-lo, o Presidente democrata apelou a uma reforma fiscal que "não dê os maiores benefícios aos bilionários", a um maior combate ao financiamento oculto das campanhas eleitorais e aos conflitos de interesse dos membros do Congresso e dos juízes do Supremo Tribunal, e ainda a uma reforma constitucional que clarifique que "nenhum Presidente está imune em relação a crimes que ele ou ela cometa em exercício".

Legado no clima, cessar-fogo em Gaza

Para além dos recados, Biden aproveitou o seu último discurso para voltar a fazer a defesa do seu legado, realçando o pacote legislativo Inflation Reduction Act como "a mais significativa lei climática e de energia limpa do mundo". Até 2030, os Estados Unidos deveriam investir 370 mil milhões de dólares em incentivos à produção de energia renovável e à redução de emissões poluentes para responder ao que, esta noite, o Presidente democrata voltou a qualificar como uma "ameaça existencial". No entanto, alertou, há "forças poderosas" que querem influenciar a próxima Administração a revogar o pacote de combate às alterações climáticas "para servir os seus próprios interesses de poder e lucro".

No discurso de despedida, Biden fez questão de reivindicar o papel da Administração cessante na negociação do cessar-fogo agora alcançado entre Israel e o Hamas. "Este plano foi desenvolvido e negociado pela minha equipa e será largamente implementado pela próxima Administração", disse, repetindo a ideia de que o acordo agora atingido se baseia numa proposta que a Casa Branca e o Departamento de Estado apresentaram em Maio de 2024.

Horas antes, Trump tinha recorrido à sua rede social, a Truth Social, para anunciar o acordo e sugerir que tinha influenciado o desfecho das negociações: "Este épico acordo de cessar-fogo só podia ter acontecido como resultado da nossa vitória histórica em Novembro."

A Casa Branca reconhece que Steve Witkoff, o enviado especial de Trump para o Médio Oriente, participou na recta final das conversações entre israelitas e palestinianos no Qatar, e Biden sublinhou que, nos últimos dias, a Administração cessante e os seus sucessores têm trabalhado e falado "como uma equipa".

Biden concluiu o seu discurso final com um "eterno agradecimento" ao "povo americano". "Depois de 50 anos de serviço público, dou-vos a minha palavra. Continuo a acreditar no ideal pelo qual esta nação se ergue, uma nação onde a força das nossas instituições, do carácter do nosso povo, importa e tem de perdurar. Agora é a vossa vez de ficar de vigia", disse.

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