UTAD tem fito-ETAR inovadora onde as plantas flutuam por cima de efluente de adega
A UTAD tem uma fito-ETAR onde as plantas que filtram o efluente da sua adega experimental só têm as raízes dentro de água. A solução é da Environmental Waves, que já a instalou noutras indústrias.
A Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) tem uma fito-ETAR onde as macrófitas aquáticas que filtram o efluente da sua adega experimental só têm as raízes mergulhadas na água. É inovadora, porque, como as plantas são colocadas sobre flutuadores de cortiça e só as suas raízes ficam submersas, o sistema nunca entope e a água flui, tornando-se mais fácil de gerir e manter e conquistando relevantes ganhos de produtividade.
A solução chama-se Cork NatureWaves e foi desenvolvida pela empresa portuguesa Environmental Waves como parte integrante do Centro de Transferência de Tecnologia em Enologia (a nova adega), que, juntamente com o Centro de Transferência de Tecnologia em Enoturismo e Gastronomia da UTAD (com uma Sala de Análise Sensorial), representou um investimento total a rondar os três milhões de euros, financiados em cerca de 75% pelo programa Norte 2020.
Comecemos pelo início. “Uma fito-ETAR é uma ETAR [estação de tratamento de águas residuais] em que se usam os conhecimentos da natureza”, explica Emanuel Santos Silva, da empresa especializada em soluções baseadas na natureza. Se “as fito-ETAR existem desde o pós-guerra”, como nos conta o engenheiro do ambiente, o que tem então este sistema de inovador? “Sempre houve dificuldades com as fito-ETAR tradicionais, sobretudo pelo espaço que ocupam e pelo tempo de vida que o sistema tem. Normalmente, dez anos, porque as plantas e as raízes começam a crescer, há colmatação do meio, ou seja, o efluente acaba por já não conseguir chegar às raízes, faz um curto-circuito à ETAR e [a água], como entra, sai.” Dificuldades que implicam que essas fito-ETAR “tenham de ser renovadas ou reconstruídas a cada dez anos”.
No sistema implementado no campus de Vila Real, também são as raízes que filtram a água. Embora não se trate “só” de “uma filtração”. “Na raiz cresce um biofilme, ou seja, uma colónia de microorganismos e eles é que vão fazer a decomposição da matéria orgânica. Depois, esses nutrientes vão alimentar a planta. E cria-se então um ecossistema”, ressalva Emanuel Santos Silva. Mas o que a solução Cork NatureWaves tem de inovadora é que não tem leitos.
“Nas fito-ETAR tradicionais, as raízes estão enterradas, estão em terra, leca [argila expandida], areia, o que for. Essa é a grande diferença”, sublinha o especialista. Os ganhos de produtividade prendem-se, desde logo, com o caudal a tratar, que no sistema Cork NatureWaves é maior. “Numa fito-ETAR tradicional, se 50% do volume for terra, o tempo hidráulico, ou seja, o tempo de passagem da água, é maior. Se retirarmos a terra e usarmos o volume todo, duplica. O caudal que tratamos é maior.”
Depois, há outros ganhos. “Como as raízes podem crescer livremente, temos muito mais superfície de contacto do que no sistema tradicional. Temos muito mais raízes, então temos muito mais colónias.” Outra “grande vantagem dos sistemas baseados na natureza é a sua capacidade de absorção de picos, seja um pico de caudal, seja um pico de carga”, nota Santos Silva. E na UTAD, o Cork NatureWaves foi “dimensionado para o caudal máximo”: 40 metros cúbicos por ano, dos quais cerca de 60% são produzidos entre Agosto e Dezembro. Numa adega que actualmente pode receber aproximadamente 40 toneladas de uvas por campanha — uns 30 mil litros de vinho.
Pelo facto de o sistema ser “passivo”, há ainda outra vantagem: não é preciso “ter alguém 100% dedicado” à ETAR, refere, por seu turno, Cristina Matos, para quem “isso na verdade seria impensável” num campus como o da UTAD.
Estreia na indústria do vinho
A primeira fito-ETAR do género que a Environmental Waves projectou e implementou a nível empresarial foi a do centro de produção de Loulé da Cimpor, que tem “mais de dez anos” e cujos “resultados são certificados pelo EMAS [a sigla em inglês de Sistema Comunitário de Ecogestão e Auditoria]”. O sistema Cork NatureWaves está também instalado na Herdade da Contenda, propriedade pública sob a alçada do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas. E, em 2025, poderá chegar a África, onde a empresa portuguesa — que para já faz segredo da geografia exacta onde tem vindo a trabalhar — está a tentar entrar.
Na indústria do vinho, está a estrear-se precisamente na UTAD. “A particularidade da indústria do vinho tem que ver sobretudo com o pH, ou seja, com a matéria orgânica que vem” na água a tratar e com as “variações bruscas de pH” que podem ocorrer (quer a adega esteja na fase de vinificação, quer seja altura de lavar as cubas). Segundo Emanuel Santos Silva, “um sistema tradicional de tratamento não aguenta essas variações de carga orgânica e hidráulica”.
Um primeiro equipamento filtra os sólidos de maiores dimensões. Um outro faz, depois, a correcção automática de pH, antes de as águas residuais chegarem à pequena lagoa já criada (“precisamos de dar às plantas condições para que elas possam crescer”, justifica o engenheiro), e onde as plantas aquáticas, autóctones, fazem então o seu trabalho. E, finalmente, depois de a água sair aquele reservatório, é feita, também de forma automática, a sua desinfecção com ozono.
O sistema está “em equilíbrio hidráulico”, diz Emanuel Santos Silva, o que quer dizer que a água fica “o tempo de que precisa” na lagoa. “A água sai por cota. Imagine uma bacia, em que fazemos um furo de lado: vamos enchendo e ela vai [vazando].”
Depois de desinfectada com ozono, a água é direccionada por gravidade para um tanque instalado a uma cota inferior no terreno, sendo objectivo da UTAD ter “vários [desses] reservatórios em cascata” para armazenar não só as águas residuais já tratadas da adega, mas também a água da chuva, explica Cristina Matos. “Porque a água também se reduz. E porque o objectivo é ir armazenando a água, porque quando existe água muitas vezes nós não estamos a precisar dela, nomeadamente nas pluviais.”
“A 100%” na próxima vindima
A fito-ETAR custou cerca de 60 mil euros e Cristina Matos, assessora da UTAD para a área do ambiente, explica que a aposta enquadrou-se numa estratégia que já vem de trás. “Sempre que há infra-estruturas novas ou ampliação, planificamos as questões ambientais significativas que daí advirão, ao invés de deixar que os projectos avancem para, só depois, olhar para o aspecto ambiental”, diz.
“E temos tentado, por um lado, arranjar soluções que se aproximem mais da natureza, porque o nosso campus é um jardim botânico, e, por outro, implementar a circularidade. Relativamente às águas [residuais], tentamos tratá-las, seja agora na fito-ETAR, seja na pecuária, seja noutra área qualquer, para as podermos reutilizar, na rega das nossas áreas verdes, que são muitas.”
Os últimos meses e os próximos servirão para “amadurecer o projecto” da nova fito-ETAR, cujo funcionamento será sempre sazonal, acreditando Cristina Matos que o Cork NatureWaves já “estará 100% funcional na próxima campanha”, altura em que conta avançar com o seu licenciamento junto da Agência Portuguesa do Ambiente (APA). “Como o tratamento é inovador para este tipo de indústria, há sempre coisas a afinar”, sublinha a responsável, que acrescenta que a UTAD já tem outros “sistemas de aproveitamento de água pluvial” que lhe permitem, por exemplo, “fazer face às necessidades de rega de determinadas culturas, como cereais e árvores de frutos”.
“Uma adega à escala real”
A nova adega, em que se insere a fito-ETAR, “era um sonho com 36 anos”, referiu ao PÚBLICO o reitor da UTAD, Emídio Gomes. A infra-estrutura ficou pronta em finais de 2023, mas foi verdadeiramente inaugurada com a vindima de 2024, e é “uma adega à escala real”, nota, por seu turno, o professor Tiago Alves de Sousa, e que permite aos docentes levarem “a sala de aula para dentro da adega”.
É ali que agora é vinificada parte das uvas dos 11 hectares de vinha da UTAD (oito hectares ali mesmo ao lado, na Quinta de Nossa Senhora de Lourdes, e outros três em Carlão). A universidade não usa toda a sua produção, entregando uvas na Adega Cooperativa de Vila Real, mas a capacidade instalada com o novo equipamento deixa-lhe margem “de crescimento”, notou o responsável.
Antes da nova adega, os alunos — dos cursos de Enologia, Engenharia Agronómica e Tecnologia e Viticultura — já punham as mãos na videira e nas uvas, participando nas diferentes actividades do ciclo da videira, “da poda à vindima”. Agora, fazem-no com outras condições. Na adega, podem experimentar vinificar em novos volumes e formatos de inox e, em breve, poderão fazer também vinho e estagiá-lo em vasilhames em barro (“vamos, por exemplo, estudar um bocadinho o nosso barro preto de Brisalhães”, partilhou Tiago Alves de Sousa) e madeira.
Na vinha, a universidade quer aumentar a sua colecção de castas, actualmente com 120 variedades, para que os alunos possam conhecer mais uvas nacionais, incluindo castas minoritárias e/ou mais resilientes em contexto de crise climática, e mais variedades internacionais. “Se de hoje para amanhã os nossos alunos estiverem em Bordéus ou em Napa Valley, já terão trabalhado com as castas que por lá vão encontrar”, justifica o docente.
A universidade continuará “a investir em novos equipamentos e barricas”, confirmou ao PÚBLICO o reitor da UTAD, e 2025 trará ainda a contratação de duas pessoas “para as áreas de adega e apoio à análise sensorial”. Enquanto a nova adega cresce, o velhinho edifício está alocado à investigação, que parte cada vez mais da vinha, como nos explicou Ana Alexandra Ferreira.
A docente tem em mãos, entre outros projectos de microbiologia, “algo que parece ser bastante interessante, à escala laboratorial, para fazer a inibição de crescimento da Brettanomyces”, levedura responsável pelo defeito que confere ao vinho aromas do tipo animal e mascara todos os outros e que é conhecida pelo diminutivo Brett. O que se está a estudar é uma outra levedura isolada da vinha e que pode ser para a Brett aquilo que o TCA free — tecnologia que permite produzir rolhas naturais com garantia de níveis não detectáveis de TCA (2,4,6-tricloroanisol), o composto que origina cheiro a mofo e o chamado “gosto a rolha” nos vinhos — foi para este gosto. Ou seja, uma potencial solução para outra grande dor de cabeça da indústria.