Eleitos da Casa do Douro tomam posse a 27 de Janeiro. E já se sabe que terão contestação

Rui Paredes presidirá à direcção e Manuela Alves ao Conselho Regional. Associação de Empresas de Vinho do Porto diz-se lesada pela lei que restaura a Casa do Douro e já prometeu ir para a justiça.

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A Casa do Douro, representante dos viticultores, regressa como instituição pública de inscrição obrigatória numa altura em que a região se vê a braços com uma grave crise Anna Costa
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O conselho regional de viticultores e a direcção da Casa do Douro, que será presidida por Rui Paredes, tomam posse a 27 de Janeiro, no Peso da Régua, segundo informação divulgada, esta quarta-feira, pela comissão eleitoral. Há precisamente uma semana, a Associação de Empresas de Vinho do Porto (AEVP) tinha prometido fazer "de tudo", para "suscitar a inconstitucionalidade" da lei que restaura a Casa do Douro enquanto instituição pública de inscrição obrigatória, por se sentir lesada pelo diploma.

As primeiras eleições para a direcção e conselho regional de viticultores da Casa do Douro, depois de restaurada como associação pública de inscrição obrigatória, realizaram-se a 21 de Dezembro.

Na página da Internet dedicada às eleições para a Casa do Douro, consultada pela agência Lusa, a comissão eleitoral informa que marcou a primeira reunião do conselho regional de viticultores, para instalação e posse, para o dia 27 de Janeiro, realizando-se no salão nobre do edifício-sede da Casa do Douro, no Peso da Régua, distrito de Vila Real.

Nesta reunião, o conselho regional procederá à eleição da sua mesa e os membros da direcção tomam, depois, posse perante este conselho de viticultores. No dia 21 de Dezembro, a Lista B, liderada por Rui Paredes, ganhou as eleições para a direcção com mais 71 votos do que a Lista A, de Manuela Alves.

De acordo com os resultados finais das eleições, a lista de Rui Paredes obteve 1.508 votos contra os 1.437 conseguidos pela lista de Manuela Alves, num acto eleitoral marcado pela abstenção (votaram cerca de 3.000 viticultores, quando o universo potencial de votantes é de quase 19.000).

O mandato é de três anos e Rui Paredes terá como vogais Fernando Alonso e Justina Teixeira. Já o conselho regional de viticultores será composto por 51 membros eleitos por sufrágio directo dos associados singulares, sendo depois designados representantes das adegas cooperativas, cooperativas agrícolas e associações de viticultores. Este órgão é dirigido por uma mesa constituída por um presidente, um vice-presidente e três secretários, eleita por maioria absoluta dos presentes na primeira reunião do mandato do órgão.

De acordo com a lei n.º 28/2024, a instituição tem como atribuições controlar e manter actualizado o recenseamento dos viticultores da Região Demarcada do Douro, assegurar, de forma partilhada e articulada com o Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP), a organização, manutenção, actualização, gestão e certificação do registo cadastral de todas as parcelas de vinha do território e representar os viticultores durienses.

Deve ainda realizar acções de fiscalização relativas à cultura da vinha e produção de vinho, bem como emitir parecer obrigatório sobre as normas a integrar no comunicado de vindima relativo às denominações de origem Porto e Douro e indicação geográfica, quanto aos quantitativos de autorização de produção de mosto generoso (benefício) e seus critérios de distribuição e os ajustamentos anuais ao rendimento por hectare, bem como o quantitativo e regime de utilização das aguardentes.

Tudo atribuições que, no entender da AEVP, comprometem o necessário equilíbrio entre produção (viticultores) e comércio (empresas) no Conselho Interprofissional do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP), orgão que aconselha a direcção do instituto público. "Ao atribuir funções públicas de fiscalização e de gestão do ficheiro vitivinícola [o chamado cadastro de vinhas] à produção, uma das profissões representadas no Conselho Interprofissional, a lei [que restaura a Casa do Douro] irá comprometer o equilíbrio, a paridade e a imparcialidade" daquele órgão consultivo, "comprometendo [também e] irremediavelmente o seu funcionamento e a gestão interprofissional do sector", alega a AEVP.

A Casa do Douro pode adquirir em cada campanha um quantitativo de 1.100 litros de vinho (duas pipas) susceptível de obter as denominações de origem da Região Demarcada do Douro, destinado à manutenção de um stock histórico de representação, ficando-lhe vedada qualquer outra intervenção na comercialização de vinhos e mostos.

Um longo dossiê

Criada em 1932 para representar os produtores de vinho da mais antiga região demarcada e regulamentada do mundo -- o Douro --, a instituição viu os seus estatutos alterados em 2014, durante o Governo PSD/CDS-PP de Pedro Passos Coelho, passando a ser uma associação privada de inscrição facultativa, depois de anos asfixiada em dívidas ao Estado e a credores privados.

Em 2019, o parlamento restaurou a Casa do Douro como associação pública de inscrição obrigatória, a lei entrou em vigor a 01 de Janeiro de 2020 e chegaram a estar marcadas eleições para Maio desse ano, adiadas por causa da pandemia de covid-19.

Pelo meio, o diploma teve um veto do Presidente da República, o Tribunal Constitucional apontou inconstitucionalidades à lei em 2021 e o processo regressou à Assembleia da República.

Em Janeiro de 2024, os deputados voltaram a aprovar uma mudança nos estatutos da Casa do Douro, restaurando-a como associação pública de inscrição obrigatória.

E, com a vontade expressa pela Associação de Empresas de Vinho do Porto, se ir para tribunal e levar o seu caso até às últimas instâncias, o dossiê Casa do Douro não deverá ficar por aqui. Há uma semana, a direcção da AEVP explicava que não se trata de uma contestação a quem venceu as eleições para aquela instituição, mas antes a uma lei que entende ser injusta e incompreensível.

Alguns dos eleitos para os dois órgãos da Casa do Douro já estão na bancada da produção no Conselho Interprofissional do IVDP. Razão pela qual há, de resto, propostas do lado do comércio que aguardam discussão e votação neste órgão consultivo — aguardam, no fundo, que os órgãos eleitos da Casa do Douro tomem posse, podendo daí advir ou não alguma mudança na representação da produção junto do instituto presidido por Gilberto Igrejas.

"Se demorar anos, demora. Não há problema. Demore seis meses ou seis anos, iremos ponderar sobre os mecanismos que nos permitam tornar mais expedita uma decisão", dizia aos jornalistas António Marquez Filipe na última quarta-feira.

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