Margarida Blasco assegura que Polícia cumpriu a lei na operação da Rua do Benformoso

A ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, disse esta quarta-feira no Parlamento que não associava “o aumento da imigração ao aumento da criminalidade”.

Foto
A ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, foi esta quarta-feira ao Parlamento falar de vários assuntos, entre eles a morte de Odaír Moniz José Sena Goulão / LUSA
Ouça este artigo
00:00
10:16

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

A ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, disse esta quarta-feira, na comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que "não é a polícia que representa uma ameaça para a ordem pública, pelo contrário, muitas vezes a polícia é a vítima". “Todos os dias são violentamente agredidos, em média, pelo menos três elementos das forças de segurança. Desses, dois precisam de assistência hospitalar", revelou, insistindo que a polícia cumpriu a lei na forma como levou a cabo a operação no Martim Moniz.

“Não podemos instrumentalizar a segurança. É um valor que tem uma prioridade inabalável para este Governo. Temos organizações, inspecções, provedoria de justiça e um conjunto de actores que acompanham estas acções da polícia”, afirmou a governante, em resposta aos deputados, garantindo: “Não podemos confundir conceitos. Revistas de cidadãos estão previstas na lei. A Polícia não vai à rua do Bem Formoso para impor a sua livre vontade. Durante um ano, houve um conjunto de queixas das pessoas que lá vivem e trabalham, pelo menos 52, e uma tentativa de homicídio. Quando há violação de normas constitucionais, os polícias são sancionados. Temos de ter confiança nas instituições”, disse Margarida Blasco, garantindo que "a polícia é a instituição em que os portugueses mais confiam".

A ministra foi chamada ao Parlamento para falar sobre as detenções de cidadãos efectuadas pela Polícia Municipal de Lisboa, a morte de Odair Moniz, a actuação policial no Martim Moniz e o processo de implementação das bodycams.

Depois de ouvir os deputados, a ministra leu uma introdução escrita. Afirmou que para o “Governo a segurança é uma prioridade inabalável em conciliação com os direitos humanos”. “É um compromisso profundo que assumimos com os portugueses. Forças policiais são a expressão do Estado e da autoridade. É isto que os portugueses esperam deste Governo. Enquanto ministra da Administração Interna, estou comprometida a corresponder a essa expectativa”, disse, acrescentando que “temas que os senhores deputados requereram são temas sérios e que impactam diariamente a vida de muitos cidadãos. Não são susceptíveis de ser usados como arma de arremesso político. A segurança não pode ser usada ao sabor do vento por cada partido”.

Além disso, a governante disse que “não é a polícia que representa uma ameaça à ordem pública. Muito pelo contrário. Muitas vezes são eles a vítima”. “É uma situação inaceitável à qual ninguém pode ficar indiferente. Não são as condições sociais e de desigualdade que alimentam as situações a que assistimos. Os níveis de criminalidade eram inferiores quando não havia apoios sociais e havia menos agressões a elementos das forças policiais”, sustentou.

Na sua intervenção, o deputado do Bloco de Esquerda, Fabian Figueiredo, acusou o Governo de instrumentalizar as forças de segurança para obter resultados políticos. Quanto aos resultados das operações policiais das últimas semanas, o deputado considerou que foram são "parcos" e referiu o caso da Rua do Benformoso, onde vários imigrantes foram encostados à parede, no âmbito de uma operação de que resultou a detenção de dois suspeitos e a apreensão de uma arma branca e de sete bastões, além de diversos documentos como passaportes "por suspeita de auxílio à imigração ilegal", entre outros objectos. O deputado bloquista falou em "xerifes" que fazem com que o poder político se intrometa nas questões de segurança.

Já o deputado Paulo Muacho, do Livre, referiu-se à operação da PSP na residência da família de Odair Moniz, que morreu em Outubro do ano passado, baleado por um agente da PSP em circunstâncias ainda em investigação. Paulo Muacho diz que houve informações que "não eram verdadeiras".

Já sobre a operação de prevenção criminal da PSP realizada a 19 de Dezembro no Martim Moniz, o deputado lamentou que tenha sido "apenas uma das aparatosas operações policiais" lançadas nos últimos meses e que foram justificadas com a necessidade de combater “percepções de insegurança”.

"Pretendemos esclarecimentos sobre os pressupostos, necessidade e proporcionalidade" da operação, pediu, acrescentando que importa saber se foram dadas indicações por parte do Governo.

Vanessa Barata, deputada do Chega, afirmou que os "actos de vandalismo têm-se sucedido" em várias regiões de Lisboa, argumentando que estes "põem em causa a ordem e a segurança pública" e sobre a rixa do passado domingo no Martim Moniz e protestos na Cova da Moura, preferiu falar em "actos de terrorismo" e quer saber em que estado se encontra o processo de instalação de bodycams por parte das forças de segurança.

O deputado António Filipe, do PCP, acusou o Governo de "utilizar as forças de segurança para servir efeitos políticos" e deu como exemplo a conferência de imprensa do primeiro-ministro sobre segurança interna, no dia 27 de Novembro, em que anunciou a continuidade de acções policiais de prevenção para garantir "melhor percepção de segurança no país".

Por sua vez, a deputada Isabel Moreira, do PS, alegou querer saber o que se passou efectivamente na Rua do Benformoso, no Martim Moniz, onde dezenas de pessoas foram encostadas à parede para serem revistadas, sem que tenha havido suspeitas que justifiquem essa revista. "Considera que há alguma base legal para encostar cidadãos, porque sim, sem indícios?", questionou.

Já depois da introdução da ministra, Isabel Moreira considerou que “a polícia não serve para ser visível" e perguntou quais foram os indícios que justificaram a revista a dezenas de pessoas na rua do Benformoso, acrescentando que, se não houve indícios de criminalidade, o que aconteceu foi "uma humilhação".

"As operações policiais estão enquadradas na lei"

Margarida Blasco argumentou que as operações policiais estão enquadradas na lei. “As acções conjuntas sempre se fizeram, cumprindo a lei. É uma acção especial de prevenção criminal organizada e planeada entre polícia e Ministério Público. Havia um conjunto de indícios naquela zona de utilização de armas brancas, com 52 participações em 2024. Em 2017 emiti uma recomendação, quando era inspectora da IGAI, em que apontei critérios, e um deles é haver indícios. Foi nesse contexto que isso aconteceu. Não foi uma acção orientada pelo Governo. O Governo dá orientações políticas, através do sistema de segurança interna”, disse. A ministra acrescentou: "Quero uma polícia do século XXI, que esteja adaptada a esta mutação da sociedade. Sou pela prevenção da criminalidade”.

Porém, Margarida Blasco concordou com a deputada Isabel Moreira quanto à existência de um "aumento dos crimes de ódio", mas sublinhou o compromisso de actuar no combate ao aumento desse tipo de crimes, dando como exemplo a sensibilização nas escolas para o tema.

Sobre a visibilidade da operação policial no Martim Moniz e de outras, a ministra diz estar a trabalhar em "projectos muito importantes" de "proximidade policial". "Encontrámos um desinvestimento em termos de instrumentos, de esquadras, para os polícias desenvolverem a sua actividade. Temos de reagrupar um conjunto de situações e priorizar e uma das prioridades deste Governo é a polícia de proximidade", argumentou.

O deputado do PSD, António Rodrigues quer "desmistificar" a associação da imigração à criminalidade, diz que o Governo e o PSD nunca fizeram essa ligação e considera que não houve exageros na operação policial no Martim Moniz. "A fila cénica é normal", disse, referindo-se às revistas efectuadas.

Margarida Blasco concordou com as declarações do deputado do PSD e voltou a dizer que a polícia agiu segundo a lei, sublinhando que os polícias são sancionados quando há violação de normas constitucionais e repudiando a associação entre imigração e aumento da criminalidade.

“Não associo de maneira alguma o aumento da criminalidade ao aumento da imigração. Isso é quase uma ofensa pessoal. Crime é crime. Imigrantes são bem-vindos e têm de ser integrados na nossa sociedade”, afirmou, respondendo ao deputado Fabian Figueiredo.

A ministra recusou ainda que exista uma ligação entre pessoas que vivem em “condições sociais de desigualdade” com uma “maior probabilidade de infringir a lei”. “É um insulto para os portugueses e é não acreditar no elevador social”, disse, acrescentando que “não são as condições sociais e as situações de desigualdade que alimentam as situações a que assistimos”.

Isabel Moreira considerou as afirmações da ministra “chocantes”. “Acha que o crime depende de uma escolha. Acho espantosa esta nova teoria da meritocracia aplicada à escolha relativamente ao crime”, afirmou, dando como exemplo a última vez que visitou uma prisão feminina e onde conheceu “uma grávida de 18 anos que traficou droga, filha de pais toxicodependentes, vítima de violência doméstica e também vítima do crime de violação". “Tenho a certeza que ela teve exactamente as mesmas oportunidades do que eu para escolher entre cometer um crime ou não cometer um crime, não acha, senhora ministra?”, questionou.

Já sobre o inquérito à morte de Odair Moniz, Margarida Blasco disse que não existem conclusões definitivas e que apenas se pronunciará depois disso. Perante a insistência dos deputados, que a questionaram sobre eventuais consequências decorrentes da morte de Odair, nomeadamente se a conclusão for que o agente não agiu em legítima defesa, a ministra garantiu que tomará as “devidas providências”. “Já dei uma forte aposta na formação dos agentes em termos de direitos humanos, manuseamento de armas e tomada de decisão em poucos minutos”, adiantou.

A governante revelou ainda que visitou recentemente, juntamente com a ministra da Saúde, o motorista de autocarro, Tiago Cacais, que sofreu queimaduras graves no seguimento dos desacatos na Grande Lisboa, sublinhando que se encontra "bem".

Sobre o processo de implementação das bodycams, disse que vai avançar para a fase de adjudicação da plataforma, uma vez que já houve uma decisão judicial que dá razão ao MAI. No que diz respeito às polícias municipais, a ministra considerou que são "polícias administrativas" e não "polícias criminais", mas disse que deveria ser a Procuradoria-Geral da República (PGR) a esclarecer as funções das mesmas, tal como pediu após o autarca de Lisboa, Carlos Moedas, ter dados instruções em Setembro passado à Polícia Municipal para passar a deter quem comete crimes.

A ministra acrescentou ainda que a “Operação Portugal Seguro terminou em Dezembro” e que aguarda os resultados definitivos, preferindo não comentar os “resultados provisórios” que tem na sua posse.

A governante defendeu que a “polícia tem de fazer policiamento de proximidade e policiamento comunitário” e revelou que “há estruturas que vão ser reformuladas e reactivadas” e que esse projecto envolve as próprias autarquias.

Já no final da sua intervenção Margarida Blasco falou do desmantelamento do “SEF e do facto de as suas competências terem sido distribuídas pela PSP e GNR” e lamentou que a inclusão da Unidade de Estrangeiros e Fronteiras na PSP tenha sido chumbada na Assembleia da República. “Penso que será uma proposta que terá de ser posta em cima da mesa”, defendeu.

Sugerir correcção
Ler 3 comentários