FC Porto de Pinto da Costa pagou 50 milhões a mais em comissões

Auditoria analisou gestão recente da direcção liderada por Pinto da Costa, detectando 51 transferências sem suporte documental. Administradores gastaram milhões em viagens, carros e joalharias.

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Jorge Nuno Pinto da Costa, ex-presidente do FC Porto JOSE COELHO / LUSA
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Nos últimos anos de Pinto da Costa no FC Porto, o clube pagava comissões inflacionadas em mais de metade das contratações, de acordo com os dados apresentados pelos "dragões" na auditoria forense, realizada pela consultora Deloitte, à gestão da antiga administração. Foram analisados 879 movimentos de transferências entre as épocas 2013-14 e 2023-24, num total de 158 milhões de euros pagos pelos "dragões" em comissões a intermediários. Deste valor, 50 milhões de euros foram pagos sem precisarem de o ser, aponta a auditoria, destacando-se que 61% das entradas no clube tiveram valores de comissão acima dos referenciais da FIFA e valores praticados no mercado.

Outro dos pontos relativo às contratações focado na auditoria prende-se com o pequeno círculo de agentes que o FC Porto escolhia para fazer negócios. Do total de quase 160 milhões de euros pagos em comissões nestes dez anos, os portistas atribuíram quase metade (80 milhões de euros) a apenas oito intermediários. Foram assinados 16 mandatos de exclusividade com agentes, alguns dos quais sobre jogadores-chave, chegando-se à conclusão que esta gestão restringiu severamente a liberdade de negociação do clube.

Depois de conhecidos os dados iniciais da análise aos 879 movimentos de transferências, foi decidida uma avaliação mais profunda à situação de 55 jogadores que levantaram dúvidas. Contudo, deste número, 51 transferências não dispunham de qualquer documentação de suporte, tais como relatório de scouting ou outros. Ou seja, na prática, foi impossível encontrar justificações que tivessem originado estas contratações.

Destas 55 entradas no Dragão que levantam maiores dúvidas, 41 transferências apresentaram comissões acima dos referenciais FIFA e standards de mercado. Há ainda 23 pagamentos de comissão a agentes pendentes neste grupo de 55 jogadores, com o clube a assumir um total de incumprimento perante estes intermediários de 15,8 milhões de euros.

Administradores gastam milhões em despesas pessoais

Além da política de contratações, a auditoria forense pedida por André Villas-Boas à gestão recente do clube olhou também para o dia-a-dia do FC Porto na última década. Foi realizada uma análise aos gastos dos antigos administradores dos "dragões", destacando-se as despesas de representação de 3,6 milhões de euros que não se coadunam com o regulamento interno do clube.

O FC Porto explica que, além da remuneração fixa e variável destes elementos da direcção, era ainda providenciado um plafond que deveria ser usado pelos administradores em despesas de representação. Não foi isso, contudo, o que se verificou entre 2013-14 e 2023-24. Mais de um milhão de euros foi para viaturas, dizendo-se que os veículos eram usados inclusivamente por familiares dos administradores.

Contam-se ainda 700 mil euros em "refeições profissionais sem justificação objectiva", outros 700 mil euros em viagens privadas para destinos não relacionados com a actividade do clube e 70 mil euros em despesas feitas em joalharias e relojoarias. Outro dos pontos salientados prende-se com a ausência de um tecto máximo na apresentação de despesas de combustível, estacionamento e portagens. Foi justamente nestas rubricas que os portistas viram um incremento de gastos descontrolados. Só em combustível, foram apresentados mais de 240 mil euros de despesa.

No total, foram registadas mais de 5100 despesas sem qualquer tipo de documentação ou justificação profissional, num total de 512 mil euros que o clube gastou. Devido ao sistema deficitário de fiscalização e aprovação de despesas sublinhado na auditoria, estas entradas foram validadas. Nos 3,6 milhões de despesas de representação sem fundamento, os portistas somam ainda os 400 mil euros de tributação respectiva que tiveram de ser saldados perante o fisco. Contas feitas, a despesa total ascende aos 4 milhões de euros.

FC Porto quer reaver dinheiro (sempre que possível)

Apresentadas as conclusões da auditoria, o que se segue agora? Admitindo que a auditoria forense "revelou fragilidades e irregularidades sérias na gestão do clube nos últimos anos", o FC Porto vai procurar o ressarcimento das verbas devidas sempre que tal for possível. É, contudo, tempo de virar a página para a direcção liderada por André Villas-Boas, anunciando-se a apresentação de um plano estratégico para o grupo FC Porto, previsto para os próximos meses.

Mas já foram tomadas medidas para impedir que os comportamentos que "causaram impactos financeiros e reputacionais muito significativos" possam voltar a acontecer. Entre outras medidas, a nova direcção eliminou o plafond para as despesas de representação, obrigando os membros da direcção executiva a justificar cada despesa realizada.

O Conselho de Administração do FC Porto aceitou também um corte nos vencimentos face à remuneração da antiga direcção, uma poupança anual de 1,4 milhões de euros. Por último, foram implementadas novas regras para a aprovação de despesas de representação, com uma avaliação de cada factura apresentada.

No campo das negociações de jogadores, o FC Porto estabeleceu um limite máximo usando os referenciais da FIFA como valor padrão. Na janela de Verão de 2024-25, esta política permitiu reduzir significativamente os custos de intermediação dos jogadores, com a descida também do número de intermediários envolvidos no processo de transferência dos futebolistas.

A auditoria forense apresentada esta quarta-feira foi uma das principais promessas eleitorais de André Villas-Boas. O então candidato à presidência portista teceu duras críticas ao estado financeiro ruinoso do clube e à gestão de Jorge Nuno Pinto da Costa, garantindo aos sócios "azuis e brancos" que iria olhar a fundo para as razões que levaram ao descalabro. Após ter encontrado indicadores negativos nos primeiros anos de análise, a direcção portista decidiu alargar o âmbito desta investigação, fazendo recuar a auditoria até à temporada 2013-14.

Desde então, a FC Porto SAD protagonizou uma emissão de obrigações de 115 milhões de euros, valor recorde no mundo do futebol português. Oferecendo uma taxa fixa anual de 5,62%, a manobra financeira despertou o interesse dos investidores, com os portistas a adiantarem que a procura rondou os 170 milhões de euros.

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