Doze desejos para o acolhimento familiar em Portugal
Como cidadãos, professores, profissionais de saúde, empresários e decisores, temos todos um papel essencial em garantir que nenhuma criança fique para trás.
De acordo com o Relatório CASA 2023, em Portugal, das 6446 crianças com medida de acolhimento, apenas 4,1% (263 crianças) estavam em famílias de acolhimento, enquanto a esmagadora maioria permanecia em acolhimento residencial. Esta realidade evidencia a necessidade urgente de promover o acolhimento familiar como uma opção prioritária no sistema de proteção à infância.
A campanha #todosjuntospeloacolhimentofamiliar, promovida pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, visa exatamente destacar a importância de uma medida que ainda é, em grande parte, invisível em Portugal: o acolhimento familiar. Embora esta campanha seja um passo importante, muito mais precisa ser feito para que o acolhimento familiar se torne verdadeiramente uma opção prioritária no sistema de proteção à infância.
Este artigo, escrito a duas mãos, reflete a união de perspetivas de Nadine Santos, família de acolhimento, e Vânia S. Pinto, psicóloga clínica e investigadora na área do acolhimento familiar. Unidas pela convicção de que o acolhimento familiar é fundamental, partilham aqui os seus 12 desejos para o futuro desta medida em Portugal:
1. Que qualquer decisão por parte dos profissionais (técnicos de acompanhamento, juízes, etc.) tenha como foco central as necessidades e o superior interesse da criança (incluindo o “tempo da criança”), mesmo que em conflito com as necessidades e vontades de outros no processo.
2. Que sempre que seja necessário a retirada de uma criança da sua família de origem, se pondere prioritariamente a colocação em acolhimento familiar em vez de acolhimento residencial, assegurando que o direito a viver em meio familiar esteja acessível a todas as crianças, sempre.
3. Que o acolhimento familiar seja uma prioridade absoluta para crianças com idade inferior a seis anos.
4. Que sejam recrutadas, selecionadas e qualificadas, suficientes famílias de acolhimento face ao número de crianças que necessitam desta medida, garantindo a disponibilidade necessária.
5. Que estejam disponíveis famílias de acolhimento preparadas para responder às necessidades específicas das crianças, como dificuldades de desenvolvimento ou a duração da colocação.
6. Que todas as crianças em acolhimento familiar tenham os mesmos direitos e oportunidades que as crianças que vivem com as suas famílias de origem, incluindo sentirem-se amadas e parte integrante da família.
7. Que o desenvolvimento e a identidade de cada criança sejam promovidos, incluindo a sua identidade social (etnia, género, orientação sexual, religião, etc.) e pertença multifamiliar (à família de origem e à família de acolhimento).
8. Que todas as famílias de acolhimento disponham do suporte técnico necessário para realizarem um acolhimento de qualidade.
9. Que, no projeto de vida da criança, seja dada prioridade à cooperação e comunicação entre técnicos de acompanhamento, família de acolhimento e família de origem de acordo com uma visão integrada dos interesses da criança.
10. Que, no término da colocação, caso esteja alinhado com o superior interesse da criança, seja possível manter os laços afetivos entre a família de acolhimento e a criança.
11. Que, caso e somente se for no superior interesse da criança, tendo em consideração o projeto de vida (esgotada a não possibilidade de reunificação), bem como se existir disponibilidade por parte da família de acolhimento, que esta possa adotar a criança.
12. Que a sociedade civil, crianças em acolhimento, famílias de acolhimento, profissionais e investigadores continuem a sonhar e a colaborar para promover os direitos das crianças em acolhimento familiar em Portugal.
O acolhimento familiar é muito mais do que uma medida de proteção; é um compromisso coletivo com as crianças em situação de perigo. Não se trata apenas de abrir as portas de uma casa, mas de abrir as portas da sociedade como um todo. Como cidadãos, professores, profissionais de saúde, empresários e decisores, temos todos um papel essencial em garantir que nenhuma criança fique para trás.
No arranque de um novo ano, lançamos este apelo: que cada um de nós contribua para um Portugal onde o acolhimento familiar seja a regra, e não a exceção. Porque, sim, todas as crianças importam. E, sim, juntos conseguimos mais.
Terminamos esta lista reconhecendo que muitos outros desejos poderiam ser feitos para o acolhimento familiar, bem como para o acolhimento residencial e para as medidas de apoio em meio natural de vida, como o apoio financeiro a outros familiares. Que este seja um ponto de partida para um esforço coletivo que beneficie todas as crianças em Portugal.
As autoras escrevem segundo o Acordo Ortográfico de 1990