A Alta Costura de Van Zee e Frankieontheguitar: uma alfaiataria de luxo insuficiente

Van Zee e Frankieontheguitar fazem pouco a partir de samples do repertório pop da canção portuguesa.

Foto
Frankieontheguitar e Van Zee juntam-se em Alta Costura naz.ptt
Ouça este artigo
00:00
04:16

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

Quando em 2019 Chico da Tina profetizou que todos queriam “ser a Rosalía”, estaria ciente do quão certo estava? Se sim, admiramos a sua capacidade de bola de cristal. Se não, só podemos admirar a sorte pela pontaria.

Nos últimos cinco anos, entre a invocação de tradicionalismos românticos, portugalidade, kitsch, pós-ironia, ou fusões entre um suposto tradicional e um suposto contemporâneo, viveu-se uma verdadeira pandemia de simulacros na música portuguesa, tentativas de se ser muito Rosalía, um bocadão Conan Osiris, um tanto David Bruno e demasiado José Pinhal. Agora, eis a questão. No espectro entre o azeite e a sinceridade, onde se localizam cada um destes melismas? No caso de Alta Costura de Van Zee e Frankieontheguitar, a resposta encontra-se mais próxima da segunda do que do primeiro em intenção, mas a execução aproxima-se demasiado do primeiro. Não é criminalmente abjecto como Maria Joana (Calema, Mariza e Nuno Ribeiro) ou Imperial é fino (Ana Bacalhau com Cláudia Pascoal), mas a quantidade de momentos de alfaiataria barata vastamente supera os momentos de alfaiataria de luxo no sucessor do interessante, mas demasiado extenso e unidimensional, Do.mar (2023).

O conceito de Alta Costura é simples de explicar. Sebastião Caldeira, ou seja, Van Zee, jovem coqueluche em ascensão do hip-hop tuga oriundo da Madeira, e Francisco Baptista, guitarrista e produtor portuense mais (re)conhecido pelo nome Frankieontheguitar, cozinharam dez temas a partir de repertório popular da canção portuguesa de várias eras.

Querem escutar drill ao som de Quem és tu miúda d’Os Azeitonas? Vieram ao sítio certo. Desejam entender se repescar hits como Carta, O amor é assim ou O amor é mágico – sim, o amor é o tema principal da escrita de Van Zee – faz já sentido em 2025? Se sim, ainda bem para vocês. Mas cuidado — será apenas isco nostálgico? Alerta: a resposta poderá não satisfazer totalmente o ouvinte.

Pausa. Será necessário falarmos sobre sampling consciente? Não devia, mas bem-vindos a uma lição de como denegrir a campa de Zeca Afonso ao som d’Os bravos vs. 808s estilo Yeezus. Se soa estranho imaginado, imaginem concretizado. E como se não bastasse, é nessa canção que Van Zee dá logo a entender que não tem a estaleca de um Xtinto ou Mike El Nite para lidar com este tipo de material.

Contudo, há momentos no álbum que surpreendem pela positiva. Em Fica só., o melhor tema, utiliza-se a linha de piano de Só te falta seres mulher, de B Fachada, de tal forma que questionamos como ninguém se lembrou disto antes. É a melhor demonstração de Van Zee enquanto vocalista até ao momento. Se todas as canções de Alta Costura fossem como esta, desejaríamos para sempre ficar ancorados a este projecto. O problema é: não o são.

Quem és tu? conta com um refrão orelhudo, cheio de vibes, perfeito para o TikTok, mas, de resto, pouco ou nada se aproveita da canção. O sample utilizado é o maior ponto de destaque — e não devia. O mesmo se pode dizer de O amor é mm assim, mas…, onde é a amostra da canção que juntou HMB a Carminho a parte mais cativante. Ainda prendes o cabelo, a pedir emprestada a melodia de fundo a José Pinhal, não aproveita suficientemente o seu material de origem. Por exemplo, aquilo que Parker e si!va fizeram com a obra de José Pinhal em Funeral, excelente faixa do mui interessante A Exibição d’Arte (2024), álbum que partilha conceito com Alta Costura, é muito mais valioso.

Não há referências a moda suficientes (recomendamos fazer um drinking game sempre que ouvirem o nome de uma marca) nem barras humorísticas que dêem cor suficiente a algumas destas cantigas. Salvam-se Atitude, canção que resgata Virtus para um novo público e lembra as experimentações com bossa nova de Frankieontheguitar no EP July (2023), a orelhuda Trágico, e Como seria / amor sóbrio, excelente tema que lembra a meticulosidade melancólica de um Loyle Carner. É nesse registo, maioritariamente encontrado no último terço do álbum, onde Van Zee e Frankieontheguitar mais brilham. É uma pena que esse brilho apareça tão pouco e tão tarde no disco. Por essa altura, já desligamos esta máquina de costura.

Sugerir correcção
Comentar