"À porta de uma tasca renovada das traseiras da Avenida de Roma, em Lisboa, a nova proprietária e cozinheira recebe as preocupações dos clientes que herda dos donos anteriores. "O que vai acontecer à mousse do Sr. Alberto?" A mousse de chocolate, densa, escura e brilhante era a estrela da companhia e Alberto Lameira, que abriu a Casa do Alberto nos anos 1980 com a mulher Silvana Lameira na cozinha, não tinha hesitações ao aconselhá-la como a melhor de Lisboa. Em 2024, Alberto e Silvana decidiram encerrar a sua tasca, estavam cansados. Foi a jovem cozinheira Leonor Godinho que pegou no assunto e que, nos dias da abertura ia descansando a clientela: a transição entre a antiga Casa do Alberto e a nova Vida de Tasca estava a ser feita com os conselhos dos anciãos, o próprio Alberto ia dizia aos clientes que a casa ficava em boas mãos. O que já era bom ia manter-se."

É assim que começa esta história que a Catarina Moura tão bem conta, na Fugas, sobre novas tascas que vão beber muito, e com respeito, às antigas; sobre como o universo das tradicionais tascas está a ser repensado por jovens restauradores. É uma história com muita gente, algumas moradas, muito passado e, certamente, com muito futuro. 

São algumas tascas, mas, acima de tudo, muitas vidas. Não só as de Alberto e Silvana, as da Leonor e do (seu sócio) Roberto na Vida de Tasca, mas também as de Márcio Duarte na Tasca Zebras, de Zé Paulo Rocha no seu Velho Eurico (que "não é uma tasca", atenção, mas ele sabe muito do tema), de Diogo Meneses e Luís Vieira no Petisco Saloio, de Dulce André na sua Bistromaria (em Almada, as outras são todas na capital). E, claro, as vidas de dezenas de trabalhadores e de milhares de fregueses. Além do óbvio: a manutenção de uma tradição portuguesa, mesmo que com a natural adaptação aos tempos, preservando-nos o espírito, tal como deveria sempre ser por mais turistas que nos queiram visitar.

Afinal, quem é que não tem a sua tasca de estimação? Quem não se entristeceu já ao ver a sua tasca fechar ou mudar? Porque uma tasca, é elementar, não é apenas aquele sítio mais ou menos simples e económico, torna-se um espaço familiar, faz parte de nós e da nossa rotina geosentimental, é-lhe inerente a "aproximação entre o empregado e o cliente. Uma tasca é um sítio onde as pessoas se sentem bem e se conhecem", como diz Anabela Pires, ela própria uma ponte entre os tempos e vidas destas casas: é a cozinheira actual da Tasca Zebras, agora nas mãos de Márcio Duarte, mas já era a cozinheira antes e durante mais de quatro décadas - é a mulher do antigo proprietário, o sr. Henrique.  

E quanto à mousse do sr. Alberto? O melhor é lá ir prová-la, sendo certo que a mousse da antiga Casa do Alberto "já não é a mesma" (claro está) tal como agora é apresentada na nova Vida de Tasca, mas, assegura a Catarina "é tão boa como a de antigamente". "Muda, tudo muda...", já cantava epicamente Mercedes Sosa, que nunca se esquecia de certificar: "...mas só não muda o meu amor". 

Esta semana, pela Fugas, há, curiosamente mais histórias em destaque que parecem traçar rotas entre tempos, que estão interligadas e marcadas pelo espírito da mudança, da transição. Seja pelo Alentejo de luxo da Quinta do Paral; seja pela histórica e marroquina Essaouira, agora até com ritmo electrónico; seja pelos queijos que Miguel Esteves Cardoso quer que se conservem maravilhosos para sempre (bom...o máximo de tempo possível.

Até acontece com o nosso Pedro Garcias, que consegue viajar entre Sophia e Eça, Elon Musk e Ismael, cego do Douro. "As pessoas sensíveis não são capazes / De matar galinhas / Porém são capazes / De comer galinhas", cita ele de Sophia.

E, ainda no capítulo das transições (isto anda tudo ligado), só mais uma nota: a partir desta semana, o suplemento Fugas tem uma nova editora. Bárbara Wong substitui Sandra Silva Costa, após mais de 16 anos de dedicação desta nossa colega ao melhor de Portugal, do mundo, e, permitam-me, de nós mesmos. A Sandra continuará pelo jornal PÚBLICO e, certamente, também passará de vez em quando por esta sua Fugas. Esta viagem não acaba aqui. 

Um bom fim-de-semana e boas fugas

p.s. Maria Luís Gameiro anda de corrida pelo Rali Dakar - entre esforço, resistência e uma lágrima ou outra - e conta tudo, diariamente quando possível, na Fugas online. Pode seguir as crónicas da primeira piloto portuguesa neste lendário rali (agora na Arábia Saudita), aqui.

“O que vai acontecer à mousse do Sr. Alberto?”

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