Para o mercado global do cinema, 2024 foi um ano de declínio
Os executivos de Hollywood e os exibidores norte-americanos queixaram-se alto e bom som das dores de bilheteira no ano que passou. Mas o cenário revelou-se ainda mais grave no resto do mundo.
As vendas de bilhetes de cinema registaram em 2024 uma quebra global de 10%, devido a uma descida abrupta na China, o segundo maior mercado cinematográfico do mundo, a que se juntaram contracções no Japão, na Coreia do Sul e na Alemanha.
A receita fixou-se nos 30,5 mil milhões de dólares (cerca de 29,6 mil milhões de euros), segundo dados da Gower Street Analytics que evidenciam a involução relativamente controlada dos Estados Unidos e do Canadá, onde o declínio foi apenas de 3,3%. Na China, a bilheteira encolheu 25%, enquanto o resto do mercado internacional caiu 8,2%.
Os números mostram que a afluência preguiçosa às salas não foi apenas um problema doméstico para a indústria cinematográfica de Hollywood. As grandes estreias, como o campeão de bilheteira do ano passado, Divertida-Mente 2, vão nalguns casos buscar mais de 60% das suas receitas fora dos Estados Unidos, o que torna a queda dos mercados internacionais bastante problemática para a indústria.
Os resultados do ano passado foram muito afectados pela greve de actores e argumentistas de Hollywood de 2023. A paralisação destas duas classes profissionais bloqueou a produção e obrigou os estúdios a adiarem uma série de potenciais blockbusters de 2024, entre os quais
Mission: Impossible — The Final Reckoning, da Paramount. A Walt Disney teve por sua vez de emprateleirar a sua nova Branca de Neve, bem como Elio, da Pixar, e dois lançamentos da Marvel: Captain America: Brave New World e Fantastic Four: First Steps.
O declínio das receitas obtidas fora dos Estados Unidos foi exacerbado pela força do dólar, que reduziu o volume de lucros gerados pelos estúdios norte-americanos com a venda de bilhetes no estrangeiro, aponta Rob Mitchell, da Gower Street Analytics.
Mas mesmo considerando as moedas locais o declínio foi mais pronunciado dos que nos Estados Unidos. No Japão, o terceiro maior mercado cinematográfico do mundo, as receitas de bilheteira em ienes decaíram 10% no ano passado. Segundo dados da Comscore Inc., na Alemanha a quebra foi de 8,4% e na Coreia do Sul a bilheteira escorregou 6,9%. Dos dez maiores mercados fora do Canadá e dos Estados Unidos, só o Reino Unido e a França aguentaram as vendas de 2023.
Mas se as greves e as flutuações do câmbio monetário explicam parte da quebra internacional, há outras forças em campo que explicam o desempenho do mercado em 2024.
O público chinês, historicamente o mercado mais confiável para a produção de Hollywood, passou a privilegiar filmes locais, em detrimento das produções norte-americanas. Um fenómeno que coincidiu com a deterioração das relações entre os dois países.
O número de estreias norte-americanas aprovadas pelo Governo chinês despenhou-se, do cume atingido em 2018 com um total de 60 lançamentos para apenas 15 em 2022, segundo dados da indústria. Ainda assim, 2023 foi já um ano de retoma, com 35 filmes dos Estados Unidos a chegarem às salas de cinema da China, número que subiu para 31 no ano passado.
No mesmo período, os filmes falados em mandarim cresceram em qualidade, atenuando a procura de produção norte-americana. Mais de 80% da receita de bilheteira chinesa provém actualmente de filmes locais. E a degradação da economia do país levou a uma descida dos gastos da população com idas ao cinema.
Tal como o mercado norte-americano, a indústria de exibição chinesa está a sofrer com a crescente popularidade do streaming. O mercado de vídeo online na China, dominado por plataformas como a WeTV, da Tencent, e a iQIYI, da Baidu, vale actualmente 31 mil milhões de dólares (um pouco mais de 30 mil milhões de euros), de acordo com estimativas da Media Partners Asia.
A chamada indústria de microdramas, que produz pequenos episódios televisivos difundidos em plataformas como a Douyin, cresceu para 6,9 mil milhões de dólares em 2024, segundo dados da indústria, suplantando pela primeira vez a receita de bilheteira em sala.
“Nos últimos dez anos passou a haver mais escolha, tanto no que diz respeito a conteúdos em streaming como a outras opções de entretenimento fora de casa que competem pelos tempos de lazer dos espectadores”, diz Rance Pow, director executivo da Artisan Gateway, uma empresa de consultoria do ramo cinematográfico.
Rob Mitchell, por sua vez, está optimista quanto à capacidade que as estreias adiadas e outros lançamentos escalados para 2025 como Avatar: Fire and Ash terão de voltar a içar as receitas de bilheteira acima dos 33 mil milhões de dólares (32 mil milhões de euros) — uma marca ainda assim 22% abaixo do recorde de 42,3 mil milhões de dólares (41, 2 mil milhões de euros) atingido em 2019.
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post