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Sem cartão de residência, atendimento da AIMA fica pela metade e pune imigrantes
Agência para migrações assegura que já fez andar mais de 150 mil processos que estavam encalhados, mas a maior parte das pessoas que foram atendidas continuam no limbo, sem acesso a serviços básicos.
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A promessa da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) de acelerar os cerca de 450 mil processos pendentes de pedidos de residência em Portugal está ficando pela metade. Segundo imigrantes que já passaram pelos centros de atendimento da instituição, de nada adianta a coleta de dados biométricos e de entrega de documentos, se o objetivo final, o cartão de identificação que garante direitos e deveres no país, não está sendo entregue. “Sem isso, nada é feito e nós continuamos na ilegalidade e no limbo”, diz a brasileira Verônica Macedo, 57 anos.
Para ela, que está há três anos em Portugal, “é preciso ser dito que não basta apenas a AIMA atender (os imigrantes) e fazer a biometria, pois isso é apenas uma parte do processo", que só se encerra quando as pessoas recebem o cartão de autorização da residência. "E posso garantir que, de todas as pessoas que lá foram, pouquíssimas, até agora, receberam o cartão de residência”, ressalta. Diante dessa triste realidade, Verônica é enfática: “A AIMA continua ineficiente e ineficaz. Um processo sem conclusão não é nada, não serve para nada”. Procurada, a AIMA não se manifestou.
A brasileira conta que foi atendida pela agência para migrações em 31 de outubro de 2024. “Estou esperando e, até agora, nada. Continuo na mesma vida relegada a subempregos, ilegal, presa em Portugal e sem qualquer direito, até mesmo, veja só, de fazer um curso para ser vigilante, como se isso fosse grande coisa. Mas só se pode fazer (o curso) com a autorização de residência”, reclama. “Concluindo, está tudo muito bem para inglês ver, como se diz no popular, mas nós, imigrantes, continuamos ilegais e sem qualquer direito”, acrescenta.
Discurso ilusório
Por lei, a AIMA tem até 90 dias úteis, depois de aprovados os pedidos de residência, para enviar os cartões de identificação a quem é de direito. “Porém, na maior parte dos casos, a AIMA são está cumprindo o que diz a lei, o que, convenhamos, é inaceitável”, afirma o advogado Bruno Gutman. Segundo ele, as reclamações por causa da demora dos cartões de residência têm sido recorrentes. “Acompanhamos muitos processos e o que vemos é uma demora inconcebível. O atendimento feito pela AIMA acaba sendo ilusório, pois, sem os cartões de residência, os imigrantes continuam vulneráveis, sem direitos”, assinala.
Na avaliação de Gutman, não há razão para a demora do processamento dos cartões dos imigrantes que já tiveram os pedidos de residência aprovados desde setembro, quando começou a força-tarefa do governo para resolver as pendências. O próprio presidente da AIMA, Pedro Portugal Gaspar, afirmou, recentemente, que mais de 150 mil processos já tramitaram, ou seja, saíram dos escaninhos. “Qual é a justificativa para que os cartões de residência desses processos não tenham sido emitidos e enviados às pessoas? Não pode ser por falta de dinheiro, pois todo mundo paga por eles, que custam caro”, destaca.
O advogado diz, ainda, que esse descaso por parte da AIMA não é compatível com o discurso do Governo de que Portugal optou por uma política migratória humanizada, de respeito aos imigrantes. “Sem documentos, as pessoas não podem sair de Portugal, ficam confinadas no país. Sem o cartão de identificação, não há como ser atendido no sistema de saúde. Sem o documento básico a qualquer cidadão, não há como ser contratado formalmente por uma empresa. Ou seja, o atendimento feito até agora pela AIMA dentro da força-tarefa, nos seus 20 centros de missão, não tem efetividade alguma”, afirma.
Ações judiciais
Segundo a solicitadora Elisa Hachem, cientes do caos em que está o atendimento pela metade da AIMA, muitos imigrantes têm procurado profissionais especializados para ingressar com ações judiciais contra o órgão governamental. “As ações pedem agendamento para atendimento, definição rápida se o pedido de residência será aceito ou não e, nos casos positivos, de emissão imediata do cartão de identificação. É um pacote completo, pois somente assim as pessoas têm seus diretos garantidos junto à AIMA”, ressalta. “Infelizmente, não há como conseguir isso administrativamente”, complementa.
Não à toa, os tribunais estão sobrecarregados. Há dias em que aproximadamente 900 ações são protocoladas. “Os imigrantes estão preferindo pagar por ações judiciais do que esperar mais tanto tempo por uma resposta da AIMA”, frisa a solicitadora. Em média, no Porto, os advogados têm cobrado 600 euros (R$ 3,9 mil) por ação. Na região de Lisboa, os custos de um processo variam entre 800 e 1 mil euros (R$ 5,2 mil e R$ 6,4 mil). “Isso, sem falar das taxas pagas à AIMA”, alerta. No caso dos cidadãos que não são da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), o custo é de quase 400 euros (R$ 2,6 mil). Já os imigrantes da CPLP pagam 56,80 euros (R$ 364).
O Governo vem, sistematicamente, assegurando que todos os cerca de 450 mil processos pendentes na AIMA terão solução até 30 de julho de 2025. Há, contudo, ceticismo em relação à essa data, uma vez que a agência convocará, novamente, 108 mil imigrantes que tiveram os pedidos de residência em Portugal negados em uma primeira fase. “Pelas informações que temos, neste momento, a AIMA só está dando conta de atender as ações judiciais. Tudo mais está sendo deixado de lado”, assinala Elisa.