Primeiro Globo de Ouro para um artista de língua portuguesa é vitória contra fascismo

Ainda Estou Aqui é uma chance para que o mundo que fala inglês perceba como pode ser transformador se aproximar da cultura do outro, ganhar camadas de saberes ao conhecer o desconhecido.

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A vitória de Fernanda Torres como melhor atriz no Globo de Ouro pelo trabalho em Ainda Estou Aqui é inédita para outros países, um feito histórico. Uma imensa vitória para o Brasil e para a língua portuguesa, e uma contundente derrota para o fascismo em todo o mundo.

Na categoria, Fernanda Torres concorria com Nicole Kidman (Babygirl), Angelina Jolie (Maria Callas), Kate Winslet (Lee), Tilda Swinton (O Quarto ao Lado) e Pamela Anderson (The Last Showgirl).

Desde a indicação de sua mãe, Fernanda Montenegro, ao Globo de Ouro e ao Oscar de Melhor Atriz, em 1999, por Central do Brasil, não havia uma brasileira a concorrer aos prêmios de primeiro escalão do cinema mundial.

O filme de Walter Salles Ainda Estou Aqui é baseado no livro do jornalista e dramaturgo brasileiro Marcelo Rubens Paiva, que relata fatos ocorridos com sua família durante o regime militar brasileiro. Os pais dele, Eunice Paiva — interpretada por Fernanda Torres e Fernanda Montenegro — e Rubens Paiva, vivido por Selton Melo, e a irmã Eliana, representada por Marjorie Estiano, foram presos e torturados durante a ditadura.

Após se libertar da prisão, Eunice começou a busca pelo paradeiro do marido. A resposta, entretanto, veio quatro décadas mais tarde, em 2014, quando a Comissão Nacional da Verdade, responsável pela investigação dos desaparecimentos na ditadura, confirmou que Rubens Paiva havia morrido em janeiro de 1971, após ser torturado.

Walter Salles foi também director de Central do Brasil e tem uma longeva parceria com Fernanda Montenegro e Fernanda Torres, que começou em 1996 com Terra Estrangeira, filme luso-brasileiro dirigido por ele e Daniela Thomas, com direção de fotografia de Walter Carvalho, filmado entre Lisboa, São Paulo e Cabo Verde, onde Fernanda Torres contracena com o paulistano Fernando Alves Pinto e o português João Lagarto. Há, ainda, uma belíssima participação da cantora portuguesa de origem moçambicana, Maria João, a interpretar Estranha Forma de Vida, de Amália Rodrigues.

O abismo que há entre a cultura brasileira, os países de língua portuguesa e o mainstream da cultura anglófona só pode diminuir com obras de arte como Ainda Estou Aqui. Para que o mundo que fala inglês perceba como pode ser transformador se aproximar da cultura do outro, ganhar camadas de saberes ao conhecer o desconhecido, sem que os lados, com isto, corram qualquer risco de aculturação.

Uma vitória de um Brasil indígena ou de uma África que, juntos, contribuíram para uma língua portuguesa mais rica gramaticalmente, mais inclusiva e com maior escala, mas, sobretudo, uma cultura de riqueza imensurável, fruto da mistura da comunicação entre povos, de uma multiculturalidade que se respeita e aprecia a cultura do outro.

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