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Fernanda Torres simboliza o Brasil que nos enche de orgulho
Vitória da atriz no Globo de Ouro representa a resistência dos artistas brasileiros que foram atacados de forma veemente durante os quatro anos de governo Bolsonaro.
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A vitória de Fernanda Torres como melhor atriz no Globo de Ouro, por si só, é motivo de grande celebração. Mas a conquista vai muito além da indústria do cinema. Representa a resistência da arte, da cultura brasileira, tão aviltada durante os quatro anos de governo de Jair Bolsonaro. O então presidente via nas manifestações artísticas uma ameaça ao projeto da extrema-direita de emburrecer as pessoas, de confiná-las à bolha de desinformação das redes sociais. Naqueles fatídicos quatro anos, ser artista tornou-se um ato de coragem.
E foi justamente a resistência da arte que resultou no filme Ainda Estou Aqui, no qual Fernanda Torres interpreta Eunice Paiva, cujo marido, Rubens Paiva, foi morto pela ditadura militar no Brasil e o corpo dele, nunca encontrado. Certamente, uma obra como esta jamais teria apoio de um governo cujo líder era adorador de Carlos Alberto Brilhante Ustra, que foi coronel do Exército e chefe dos centros de tortura e assassinato daqueles que se opunham ao regime de exceção — muitos deles, artistas, que tiveram de deixar o Brasil para não serem mortos.
O prêmio de Fernanda Torres veio às vésperas dos dois anos do fatídico 8 de janeiro, quando grupos organizados e insuflados por Bolsonaro invadiram as sedes do Três Poderes em Brasília, numa tentativa fracassada de golpe de Estado. Não por acaso, a atriz, no seu discurso de agradecimento, afirmou que o filme Ainda Estou Aqui era um alerta para os tempos atuais e de como a arte é fundamental para enfrentar momentos em que a democracia e a livre manifestação do pensamento são atacadas.
Tomara o Globo de Ouro de melhor atriz para Fernanda Torres e a magnífica história de Eunice Paiva, que, depois de 25 anos de luta por memória, verdade e justiça, conseguiu que o Estado brasileiro emitisse, oficialmente, o atestado de óbito de Rubens Paiva, contribuam para a reflexão de parte da população brasileira que, cega pela polarização política, apoia projetos ditatoriais. Não há nada de bom em regimes autocráticos, sejam de direita, sejam de esquerda. Apenas uns poucos têm a ganhar quando as liberdades são suprimidas.
Felizmente, a maioria dos brasileiros ainda tem apreço pela democracia que tanto Eunice Paiva defendeu. É nesse regime político que o Brasil, mesmo com todos os erros do governo de plantão, tem conseguido se reestruturar, reduzindo as desigualdades sociais com maior crescimento econômico e geração de empregos e renda. É esse Brasil de oportunidades para todos, independentemente das posições políticas, que nos enche de orgulho e está simbolizado na figura de Fernanda Torres.
A cultura brasileira está em êxtase. Os investimentos em quaisquer manifestações artísticas são vitais para o fortalecimento do livre pensar. Que todas as portas se abram para aqueles que contribuem para essa riqueza inestimável de qualquer nação. Não há mais espaços para retrocessos. E a arte, como sempre, será um dos pilares da resistência contra aqueles que insistirem no atraso.
Um grande viva para Fernanda Torres, Eunice Paiva, Fernanda Montenegro, Walter Salles Jr., Selton Mello e Marcelo Rubens Paiva, filho de Eunice e autor do livro que deu origem ao filme que estreia em 16 de janeiro em Portugal. Não percam!