Brasil quer regularização rápida de brasileiros em Portugal e acordo para professores

Embaixador do Brasil em Portugal, Raimundo Carreiro diz que imigrantes com documentação pendente enfrentam dificuldades para acesso a emprego, saúde e educação. Ele recomenda denúncia sobre xenofobia.

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Raimundo Carreiro, embaixador do Brasil em Portugal, diz que relações entre os dois países vivem "momento de excelência" Vicente Nunes
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O Governo do Brasil acredita que Portugal precisa avançar na regularização dos milhares de brasileiros que estão à espera de atendimento por parte da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA). Na avaliação de Raimundo Carreiro, embaixador brasileiro no país europeu, “pessoas com regularização migratória pendente enfrentam dificuldades para acessar muitos serviços, como saúde e educação, e para conseguir trabalho”. A estimativa é de que, dos cerca de 450 mil processos encalhados na AIMA, mais de 200 mil sejam de brasileiros.

Carreiro também ressalta a importância de Brasil e Portugal chegarem a um acordo sobre a habilitação de professores brasileiros para lecionar em escolas portuguesas. “Esse é um tema especial, que vem sendo tratado de maneira prioritária pela embaixada. O governo brasileiro vem buscando, junto às autoridades portuguesas, maior clareza e padronização dos critérios para a habilitação de docentes brasileiros”, afirma. O tema, segundo ele, tem ocupado parte significativa da pauta das reuniões preparatórias para a próxima sessão da Comissão Bilateral Permanente, que antecede a Cimeira Luso-Brasileira, que será realizada em 19 de fevereiro, em Brasília.

O embaixador destaca, ainda, que, em articulação com os três consulados-gerais do Brasil em Lisboa, Porto e Faro, vem acompanhando com atenção os casos de discriminação, racismo e outras formas de intolerância reportados por cidadãos brasileiros em Portugal. “São situações que também ocorrem em outros países, e notamos, em Portugal, um esforço das autoridades locais em prontamente condenar manifestações xenófobas e racistas”, frisa. Recentemente, uma pesquisa mostrou que cinco em cada 10 portugueses desejam redução no número de brasileiros no país.

Para Carreiro, o mais importante nos casos de xenofobia e racismo é que as vítimas denunciem as agressões às autoridades policiais portuguesas, para que possam ser investigadas e os culpados, punidos. “Temos reforçado também a disposição do Governo brasileiro em cooperar com o Governo de Portugal no combate a todas as formas de discriminação, em benefício de nossa comunidade residente no país”, frisa.

Apesar das arestas a serem aparadas, o embaixador acredita que as relações entre Brasil e Portugal se “encontram em um momento de excelência, marcado por intenso diálogo político e crescente dinamismo da relação econômico-comercial”. Ele assinala que os investimentos brasileiros em território luso têm crescido a um ritmo de 8% ao ano e tendem a ganhar impulso maior com a esperada ratificação do acordo entre o Mercosul e a União Europeia. Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista que Carreiro concedeu ao PÚBLICO Brasil.

Em que estágio se encontram hoje as relações entre Brasil e Portugal? Houve avanços nos últimos dois anos?

As relações entre Brasil e Portugal se encontram em um momento de excelência, marcado por intenso diálogo político e crescente dinamismo da relação econômico-comercial. A XIII Cimeira Luso-Brasileira, realizada em abril de 2023, foi um marco no relançamento da parceria bilateral, resultando na assinatura de 13 instrumentos, entre acordos, memorandos de entendimento e protocolos, em áreas como educação, cidadania e mobilidade, ciência e tecnologia, saúde, turismo, comunicações, energia, geologia e cultura.

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Força Aérea Portuguesa compra 12 aviões Super Tucano da Embraer já adaptados às regras da OTAN Rui Gaudêncio

Nos últimos dois anos, verificaram-se avanços concretos. Um deles foi a diversificação do intercâmbio comercial, que passou a ter uma componente relevante de aeronaves e partes de aeronaves tanto nas exportações brasileiras quanto portuguesas. O Conselho de Ministros de Portugal aprovou em dezembro investimento de 200 milhões de euros na aquisição de 12 aeronaves Super Tucano da Embraer para a Força Aérea Portuguesa. A Embraer inaugurou escritório da subsidiária portuguesa do grupo em Lisboa, que concentrará os negócios de defesa e segurança da empresa na Europa.

Houve também um crescimento importante dos investimentos recíprocos. A EDP, por exemplo, segue expandindo sua presença no setor de energia brasileiro, com novos investimentos da ordem de 5 bilhões de euros nos próximos 5 anos. O investimento brasileiro em Portugal cresceu, em média, 8% ao ano na última década. Recentemente, a WEG abriu sua segunda unidade em Santo Tirso, no Porto, dedicada à produção de motores de alta tensão, que representou investimento de 62 milhões de euros.

Houve ainda um incremento das iniciativas científicas e de inovação e a intensificação do intercâmbio cultural, em reforço aos laços históricos e aos interesses compartilhados entre as duas nações. A XIV Cimeira, que terá lugar em Brasília, em 19 de fevereiro de 2025, será oportunidade para dar início às celebrações do Bicentenário das relações diplomáticas entre Brasil e Portugal e definir a programação de atividades ao longo do ano para comemorar esse importante marco.

Em que pontos ainda é preciso avançar?

Embora o intercâmbio comercial seja importante e superavitário para o Brasil, há espaço para se ampliar o volume das trocas comerciais e diversificar sua qualidade, com agregação de valor. O comércio bilateral ainda é muito concentrado em commodities de baixo valor agregado, mas, como falei, começa a haver um movimento de diversificação para produtos com conteúdo tecnológico, sobretudo no segmento da indústria aeronáutica, como consequência dos investimentos da Embraer em Portugal.

Caso ratificado, o acordo Mercosul-União Europeia deverá aumentar o dinamismo dos investimentos de lado a lado. Atualmente, o Brasil é o oitavo maior investidor externo direto em Portugal, segundo dados do Banco de Portugal, com presença, sobretudo, no setor industrial (aeronáutica e siderurgia). Portugal figura como 19ª principal origem de investimentos estrangeiros diretos no Brasil, segundo a Apex, com presença importante no setor de energia (gás, petróleo e setor elétrico). São números relevantes, mas ainda há muito espaço para intensificarmos esses investimentos.

No campo da mobilidade, seria importante avançarmos na regularização migratória de muitos brasileiros que ainda aguardam a emissão ou renovação das suas autorizações de residência. A embaixada está acompanhando as medidas do governo português para agilizar os atendimentos, pois entendemos que as pessoas com regularização migratória pendente enfrentam dificuldades para acessar muitos serviços, como saúde e educação, e para conseguir trabalho.

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Primeiro-ministro de Portugal, Luís Montenegro conseguiu aprovar, na Assembleia da República, proposta que facilita a entrada de cidadãos da CPLP em território luso Nuno Ferreira Santos

Há uma clara disposição do governo de Portugal de atrair brasileiros para o país, diante da escassez de mão de obra, como as mudanças feitas nos vistos da CPLP? Como avalia isso?

Sim, percebemos que há interesse do governo de Portugal em atrair brasileiros para o país, além de melhorar as condições para a permanência dos brasileiros que já estão aqui. As mudanças na concessão de autorizações de residência para cidadãos da CPLP, propostas pelo governo e aprovadas recentemente pelo parlamento de Portugal, são um exemplo disso.

Também há nós a serem desatados, como o reconhecimento de diplomas e habilidades dos brasileiros, especialmente, de professores formados no Brasil? O que é preciso ser feito para se revolver essa questão?

Nos últimos anos, os governos de Brasil e Portugal vêm avançando na matéria de reconhecimento de graus e títulos acadêmicos, bem como de habilitação profissional. Marco importante foi assinatura, por ocasião da XIII Cimeira, do "Acordo Complementar ao Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil, assinado em Porto Seguro, em 22 de abril de 2000, sobre a concessão de equivalência de estudos no Brasil (ensino fundamental e médio) e em Portugal (ensino básico e secundário)". Quando ratificado por ambas as partes, esse acordo permitirá o reconhecimento automático de diplomas até o nível do ensino médio.

No tocante ao reconhecimento de graus de nível superior, ambos os governos mantêm diálogo multissetorial permanente para facilitar esse serviço ao cidadão. Cabe notar, contudo, que o instituto da autonomia universitária, em ambos os países, impede que os governos determinem, por tratado internacional, o reconhecimento automático de graus no ensino superior, à semelhança do que foi feito para o ensino fundamental e médio.

Quanto ao reconhecimento de habilitações profissionais, os governos buscam facilitar o diálogo entre as ordens profissionais de ambos os países, com vistas à celebração de acordos que permitam o ingresso de membros de uma ordem em sua homóloga no outro país. A título de boas práticas, o governo brasileiro saúda os sucessivos acordos de reciprocidade assinados entre a Ordem dos Arquitectos portuguesa e o Conselho de Arquitetura e Urbanismo, do Brasil, entre 2022 e 2024.

A habilitação de professores brasileiros para lecionar em escolas portuguesas, por sua vez, é caso especial e que vem sendo tratado de maneira prioritária pela embaixada. O governo brasileiro vem buscando, junto às autoridades portuguesas, maior clareza e padronização dos critérios para a habilitação de docentes brasileiros. O tema tem ocupado parte significativa da pauta das reuniões preparatórias à próxima sessão da Comissão Bilateral Permanente, que antecede a Cimeira.

Como vê as pesquisas que mostram que cinco em cada 10 portugueses querem que diminua a presença de brasileiros em Portugal? Há uma falta de compreensão por parte dos portugueses em relação à importância da comunidade brasileira para o país?

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Trabalhadores estrangeiros, em especial os brasileiros, têm sido fundamentais para a sustentabilidade da Segurança Social em Portugal Vicente Nunes

A grande presença de cidadãos brasileiros em Portugal (e também de luso-brasileiros, se considerarmos os que já adquiriram nacionalidade portuguesa) é um dado concreto da realidade atual. As brasileiras e os brasileiros estão representados em todos os estratos sociais e setores da economia portuguesa. Formamos uma comunidade diversificada e dinâmica. Também é fato que a comunidade brasileira e os demais imigrantes aportam muito para Portugal, não apenas como força de trabalho e contribuintes para a Segurança Social, mas também em termos de diversidade social e cultural. Creio que um trabalho consistente em prol de uma maior integração dos brasileiros em Portugal ajudará a fomentar uma melhor compreensão dos portugueses em relação à importância da comunidade brasileira, assim como os brasileiros entendem a relevância da comunidade portuguesa no Brasil.

Pode-se dizer que há xenofobia em relação aos brasileiros? Por quê?

A embaixada do Brasil, em articulação com os três Consulados-gerais do Brasil em Lisboa, Porto e Faro, acompanha com atenção os casos de discriminação, racismo e outras formas de intolerância reportados por cidadãos brasileiros. São situações que também ocorrem em outros países, e notamos, em Portugal, um esforço das autoridades locais em prontamente condenar manifestações xenófobas e racistas.

O mais importante é que as vítimas denunciem as agressões às autoridades policiais portuguesas, para que os casos possam ser investigados e os culpados, punidos. Temos reforçado também a disposição do governo brasileiro em cooperar com o governo de Portugal no combate a todas as formas de discriminação, em benefício de nossa comunidade aqui residente.

O que o governo brasileiro pode fazer, em termos de campanha, para reverter essa má impressão entre os portugueses?

Temos dialogado com as autoridades portuguesas, das mais diversas áreas, para negociar acordos e soluções que ajudem na inserção econômica e social dos brasileiros em Portugal e na garantia de seus direitos. Cito, como exemplos, as negociações para reconhecimento de graus e títulos escolares e acadêmicos, os acordos de Previdência Social e de reconhecimento de carteiras de motorista. Também queremos promover a imagem do Brasil como um país social e culturalmente diverso. Nesse sentido, temos apoiado, por exemplo, eventos como o carnaval brasileiro de Lisboa, que estamos trabalhando para que seja reconhecido pelas autoridades locais como manifestação cultural.

Aos poucos, os empresários brasileiros estão desbravando o mercado português, de olho na Europa? O que é necessário para esse movimento se tornar mais efetivo?

Portugal é visto como uma opção prioritária e natural pelos empresários brasileiros, não apenas devido às afinidades histórica, cultural, social e linguística, mas também às vantagens competitivas oferecidas pelo país, como segurança jurídica, trabalhadores qualificados, excelente infraestrutura, custos operacionais atrativos e incentivos ao investimento estrangeiro. O investimento estrangeiro direto do Brasil em Portugal cresceu 8% ao ano na última década, segundo dados da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, o que atesta essa atratividade do mercado português. A afinidade cultural e linguística facilita a integração e o estabelecimento de parcerias, e o acordo Mercosul-União Europeia deverá ser um novo catalisador para essas parcerias.

Como atrair mais investimentos portugueses para o Brasil? Há queixas em relação aos pesados impostos e ao excesso de burocracia.

De modo geral, os principais investidores portugueses com atuação no Brasil avaliam a segurança jurídica e a estabilidade econômica e política prevalescentes no país como exemplares e muito favoráveis para os investimentos diretos. Esses investidores, alguns dos quais já estão no Brasil há mais de duas décadas, afirmam que nunca tiveram um contrato descumprido. Há queixas sobre excessiva judicialização, sobretudo nas áreas trabalhista e de serviços aéreos, mas essas queixas são pontuais e não representativas do grande interesse que noto nos investidores portugueses em relação às oportunidades do mercado brasileiro. Como falei antes, o acordo Mercosul-UE será o grande divisor de águas para o crescimento dos investimentos de lado a lado.

O que esperar da Cimeira Luso-Brasileira em fevereiro de 2025, em Brasília? Qual é a expectativa do governo brasileiro?

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Lula da Silva e António Costa firmaram uma série de acordos na Cimeira Luso-Brasileira de 2023, mas alguns deles ainda não avançaram Matilde Fieschi

A expectativa para a XIV Cimeira Luso-Brasileira é reafirmar o excelente momento do relacionamento bilateral, no ano em que se celebra o Bicentenário das relações diplomáticas entre os dois países. O governo brasileiro espera realizar um balanço das iniciativas lançadas na XIII Cimeira de 2023, identificando avanços e desafios. Para as áreas em que os progressos ainda são limitados, pretende-se definir estratégias para superar os obstáculos e alcançar resultados mais robustos. A agenda da XIV Cimeira, atualmente em curso de preparação, também inclui novos temas e prevê assinatura de novos acordos e instrumentos de cooperação, o que reflete o dinamismo da relação.

Esperam-se alguns anúncio de peso, como a abertura de representações da Apex e da Fiocruz em Portugal; a intensificação da tradicional cooperação na indústria aeronáutica por meio do projeto conjunto do Super Tucano em sua versão OTAN; e o lançamento de um mecanismo de diálogo sobre transição digital entre os dois países, entre outros anúncios.

Há um certo distanciamento entre a embaixada do Brasil e a comunidade brasileira em Portugal. Como superar isso?

Não vejo distanciamento entre a Embaixada do Brasil e a comunidade brasileira em Portugal. Entre as principais funções da embaixada, está a interlocução regular com instituições portuguesas e brasileiras, tanto de governo quanto privadas, como empresas, academia, e comunidade científica, entre outras. Atuamos como uma “ponte” entre essas instituições dos dois países para facilitar a troca de informações e experiências, a negociação de acordos e a remoção de entraves, com benefícios para as duas sociedades.

Como indiquei antes, a embaixada está muito atenta às demandas e propostas da nossa comunidade, inclusive para levá-las, quando for o caso, às autoridades portuguesas competentes. Para facilitar esse processo, criamos na embaixada a função do “conselheiro social”, um diplomata que atua como ponto focal para o diálogo com a comunidade brasileira.

Por fim, ainda que a grande maioria dos atendimentos aos cidadãos seja feita diretamente pelos consulados-gerais, a Embaixada também presta serviços como a emissão, sem custos para os interessados, de declaração de escala de notas para pedidos de equivalência escolar e universitária.

O prédio da embaixada do Brasil em Lisboa passou por uma reforma. Por quê? Quanto custaram as obras?

O objetivo principal era restaurar e modernizar os edifícios da chancelaria, construídos por volta da 1750, respeitando sua história e garantindo, ao mesmo tempo, funcionalidade e segurança para o desempenho das atividades da embaixada.

O imóvel apresentava desgastes estruturais causados ou agravados, muitas vezes, pelos métodos construtivos da época. Paredes feitas de blocos de pedra e tetos de “tabique”, por exemplo, apresentavam deterioração e demandavam intervenções urgentes que restabelecessem a estabilidade e a segurança do edifício e das pessoas que ali trabalham.

Além dos aspectos estruturais, os trabalhos incluíram a restauração de telas, azulejos e estátuas. Esse processo foi particularmente desafiador, em razão da escassez de registros ou de documentação histórica, exigindo intensa pesquisa, por parte da equipe de restauradores, de modo a respeitar ao máximo a originalidade e o valor artístico das peças e das obras existentes no complexo.

O investimento total foi de € 1.609.924,99, incluindo os termos aditivos para a modernização das redes elétricas e de dados, bem como do sistema de climatização da chancelaria.

O contrato de reforma e restauro foi cumprido no prazo estipulado de 18 meses, e já no próximo dia 10 de janeiro, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, reinaugurará a Embaixada.

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