Moçambique e a alternativa da encruzilhada
Numa altura em que Moçambique está numa encruzilhada, chegou o momento de instituições como a Comunidade de Santo Egídio, entre outras, de voltarem a dar o seu contributo para a paz no país.
Os moçambicanos foram convocados, no dia 9 de Outubro de 2024, a eleger 250 deputados, o Presidente da República, os membros de dez assembleias municipais e os governadores de província.
No dia 24 desse mês, a comissão eleitoral declarou a vitória da Frelimo, incluindo o do candidato a Presidente Daniel Chapo, com cerca de 70% dos votos, seguido de Venâncio Mondlane, do Podemos, com cerca de 20% de votos, ficando Ossufo Momade da Renamo com quase 6%, e o líder do MDM, Lutero Simango, com 3%.
Os partidos que não venceram recorreram ao Conselho Constitucional, tendo este deliberado no dia 23 de Dezembro que o candidato Daniel Chapo teve 65% dos votos, e Venâncio Mondlane 24%, o candidato que mais veementemente contestou os resultados, assumindo-se como vencedor, impulsionando reivindicações populares.
Até à declaração do Conselho Constitucional, a reação popular ganhara a rua com manifestações e greves por alegada fraude eleitoral, sem violência generalizada, como passou a suceder.
Conhecida a posição do Conselho Constitucional, o caos generalizou-se por todo o país, com invasões e destruição de supermercados, empresas, assaltos a catorze esquadras, e até a fuga de 1500 presos de uma cadeia de alta segurança com várias dezenas de mortos, dinamizando-se células de manifestantes.
Perante a escalada, pergunta-se – até onde este cenário pode chegar, e que contributos devem ser prestados para se minorar a situação?
Estas preocupações transversais aos portugueses, atentas as disposições constitucionais que privilegiam as relações com os povos e países de língua portuguesa, assumem-se como desígnio.
O que importa ter presente é o facto de 65% da população ter menos de 25 anos, sendo parte significativa destes jovens afetados pelo desemprego, pois o crescimento populacional é muito superior ao económico.
Acresce que, têm existido reiteradas alegações de falta de transparência nos sete atos eleitorais já realizados em democracia, sempre com maiorias absolutas da Frelimo, com a oposição a questionar a sua transparência.
A descrença dos jovens nas últimas eleições traduziu-se na sua menor participação de sempre, com observadores internacionais a questionar a transparência do processo.
Com a mudança do mundo, os líderes históricos dos dois principais partidos políticos, a Frelimo e a Renamo, já não concorrem, e os jovens que não viveram a luta pela independência têm outros objetivos de vida. Ossufo Momade substituiu na Renamo Afonso Dhlakama, Filipe Nyusi, Armando Guebuza na Frelimo, e Lutero Simango, o seu irmão Daviz no MDM.
A partir de 2019 surgiu um novo ciclo no país que, aliás, coincidiu com a pandemia da covid-19, conduzindo ao confinamento, encerramento de empresas e ao agravamento das desigualdades.
A região de Cabo Delgado fala por si, hoje com a presença de forças militares externas ao país.
As últimas eleições foram assim a gota de água que fez transbordar o copo, com a Renamo a ficar reduzida a 6%, o MDM a 3% e o candidato Mondlane, que já havia sido militante destes dois partidos, a reclamar vitória a Presidente, apoiado pelo Podemos, que se estreia como segunda força com quase 50 deputados.
Perante a violência e a dimensão dos desmandos, com o candidato Mondlane no estrangeiro sem acompanhar a evolução no terreno, a violência seguiu em exponencial com óbvio populismo.
A violência gera violência, parecendo adequado revisitar a História de Moçambique na transição para a democracia, particularmente os Acordos de Roma, em 1992, e as primeiras eleições livres em 1994, coordenadas por uma entidade credível, a Comunidade de Santo Egídio, aceite pelos beligerantes.
Perante tais factos históricos, é importante relembrarmos as palavras do Padre Manuel Antunes em que “a história é o retorno ao mesmo através do diverso”. Este é assim o momento de instituições como a Comunidade de Santo Egídio, entre outras, voltarem a dar o seu contributo para a paz em Moçambique nesta encruzilhada.