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Espanha avança na atração de estudantes estrangeiros, enquanto Portugal patina
Governo espanhol cria secretaria especial para articular com os ministérios as políticas para atrair talentos. Já estudantes que pretendem cursar universidades portuguesas padecem à espera de vistos.
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A Espanha saiu na frente de Portugal na disputa por estudantes estrangeiros para suas universidades, acredita o sócio-diretor do Clube do Passaporte, Marcelo Rubin. Segundo ele, ao criar uma secretaria especial vinculada ao Ministério da Ciência, Inovação e Universidades para executar uma política coordenada com todos os órgãos públicos, o Governo espanhol deu fortes demonstrações de que está disposto a atrair talentos para o país. “Em Portugal, infelizmente, ainda não vemos esse movimento. Tudo é feito de forma dispersa na área de migração, ainda que o país tenha boas intenções”, diz.
Na avaliação de Rubin, a Espanha se deu conta da enorme briga por cérebros em todo o mundo. A visão é de que a atração de estudantes estrangeiros tanto para universidades públicas quanto para as privadas é um investimento estratégico em capital humano, com impacto em toda a cadeia produtiva. “Esses estudantes agregam conhecimentos, que levam à inovação e à maior competitividade da economia”, afirma. Para Bruno Gutman, advogado e empresário, a Espanha está formando talentos, que farão a diferença num mundo cada vez mais sedento por mão de obra qualificada para setores vitais ao desenvolvimento.
Portugal, por sua vez, têm dispensado pouca ou nenhuma atenção aos estudantes estrangeiros, mesmo tendo universidades de ponta, ressalta o diretor do Clube do Passaporte. “Para comprovar isso, basta vez o que está acontecendo nos consulados portugueses no Brasil. Mesmo com os aceites dados pelas universidades, os estudantes estão esperando até 120 dias pela emissão de vistos. Há muitos relatos de pessoas que desistiram de estudar em Portugal porque, quando os vistos saíram, já tinham se passado dois meses de aulas”, assinala.
Rubin ressalta que também há demora entre as universidades para dar o aceite aos estudantes. “Infelizmente, não vemos, por parte das instituições de ensino portuguesas, a agilidade que o processo exige, o que também prejudica os estudantes. O que estamos presenciando é desanimador”, destaca. Ainda assim, os estudantes brasileiros são quase a metade dos estrangeiros matriculados no ensino superior em Portugal, nos mestrados e nos doutorados.
Olhando para a frente, o sinal de alerta foi aceso. Diante de tantos empecilhos, a participação dos pedidos de vistos de estudos por brasileiros tem caído no cômputo geral das requisições feitas aos consulados, conforme dados obtidos pelo PÚBLICO Brasil. Em 2022, os vistos de estudos e pesquisas representaram 35,48% do total de solicitações feitas às representações portuguesas no Brasil. No ano passado, o índice caiu para 12,22% e, em 20024, para 9,24%.
Falta de coordenação e de informação
A necessidade de coordenação por parte do Governo de Portugal na política migratória não pode ficar restrita à atração de estudantes para as universidades, frisa Bruno Gutman. “Num país com escassez de mão de obra em todos os setores da economia, os ministérios deveriam estar conversando sobre como atuarem conjuntamente. Certamente, os resultados seriam muito melhores do que o que estamos vendo atualmente”, ressalta. Para ele, o Ministério da Agricultura, por exemplo, deveria estar articulado com o Ministério de Negócios Estrangeiros e a Presidência do Conselho de Ministros para atrair trabalhadores estrangeiros. O mesmo deveria estar fazendo o Ministério da Economia para as áreas de turismo e construção.
“Vemos um problema grande de desarticulação institucional em torno de um tema que se tornou preponderante para Portugal e quase todos os países europeus, a falta de mão de obra perante o envelhecimento da população local”, complementa Fábio Knauer, CEO da consultoria Aliança Portuguesa. Na opinião dele, se todas as áreas governamentais conversassem, certamente, as decisões seriam mais céleres. “Inclusive, vejo um contrassenso em Portugal, pois o país estimula a atração de imigrantes, mas não reforça as estruturas do Governo para dar as respostas que a economia e as empresas anseiam. Do ponto de vista tecnológico, Portugal está completamente defasado”, diz.
Knauer assinala, ainda, que é visível a falta de conhecimento por parte do Governo português sobre os imigrantes que vivem no país. “Recentemente, houve a informação de que 108 mil cidadãos tiveram os pedidos de autorização de residência negados pela AIMA (Agência para a Integração, Migrações e Asilo) e que parte deles já tinha deixado Portugal. Depois, falaram que haverá uma segunda chance para essas pessoas, sem que se saiba todos os dados. O Governo também não sabe exatamente quantos imigrantes têm o título de residência da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), se são 150 mil ou 170 mil. Portanto, as falhas são muitas”, reforça.
O CEO da Aliança Portuguesa destaca que a desarticulação e a falta de informações precisas sobre imigrantes prevalecem num momento em que a Assembleia da República aprovou mudanças na Lei de Estrangeiros (23/2007), que flexibilizam a entrada de cidadãos da CPLP, em especial, de brasileiros, em Portugal. “Como será o controle da nova leva de migração que deverá advir dessas facilidades? Os brasileiros, por exemplo, poderão entrar em Portugal sem vistos e, no país, pedirem autorização de residência. Quem vai atender esse público, em que tempo?”, questiona Knauer. A AIMA está com cerca de 450 mil processos pendentes e, por mais que tenha avançado nos últimos três meses, está longe das necessidades nessa área. “Vamos ver o que acontecerá”, diz.