Israel ataca hospital Kamal Adwan em Gaza, retirando pessoal e doentes
Ministério da Saúde de Gaza disse que perdeu o contacto com o director do hospital. Testemunhos falam em incêndios no interior em algumas alas.
Israel levou a cabo esta sexta-feira o que parece ter sido o derradeiro ataque contra o Hospital Kamal Adwan, no Norte da Faixa de Gaza, deixando, segundo testemunhos, algumas alas a arder e retirando pessoal médico que vinha a recusar-se a sair e deixar os pacientes.
O Ministério da Saúde de Gaza anunciou entretanto que perdeu o contacto com o director do hospital, Hussam Abu Safiya, que vinha a ser a cara e a voz dos trabalhadores da unidade de saúde, uma das poucas com algumas partes ainda funcionais no Norte.
O hospital estava sujeito a cerco, tal como a zona Norte da Faixa de Gaza, desde o início de Outubro, e foi alvo de várias ordens de evacuação do Exército de Israel, sempre recusadas.
Com recursos cada vez mais limitados, o hospital continuava a receber feridos fruto de ataques israelitas, incluindo no campo de refugiados de Jabalia. O Exército de Israel diz que atingiu infra-estruturas do Hamas na que é já a sua terceira operação no campo de refugiados e alega que a organização islamista trabalhava a partir do hospital, que já em Outubro do ano passado tinha sido alvo de ataques.
“Temos pedido ao mundo protecção há mais de 50 dias”, escreveu Hussam Abu Safiya num artigo em forma de diário publicado pelo jornal The New York Times. “Mas infelizmente não tem havido resposta.”
A dada altura, o próprio director do hospital chegou a ser atingido num ataque, fazendo um vídeo desafiador da cama do hospital, prometendo que apesar de tudo – de cada vez serem menos médicos, menos especializados, com menos recursos – não iriam abandonar os seus doentes.
Até que, esta sexta-feira, o Exército de Israel tomou mesmo conta do hospital, com relatos de detenções de médicos e pessoal de saúde, revistas, e de incêndios em algumas das alas do hospital.
Num vídeo divulgado nas redes sociais aparece uma mulher, Shurooq Saleh Khader Al-Rantisi, trabalhadora num laboratório no hospital, que descreve como as mulheres que trabalham no hospital foram obrigadas a despir-se para serem revistadas e deixaram o hospital sem saber o que aconteceu aos doentes internados.
“As forças da ocupação estão dentro do hospital e estão a incendiá-lo”, afirmou o director do ministério Munir Al-Bursh numa declaração citada pela agência Reuters.
As Forças de Defesa de Israel (IDF) disseram que havia um pequeno incêndio num edifício vazio dentro do hospital, mas que estava controlado, dizendo que não tinham conhecimento de ter causado qualquer fogo.
Bursh disse ainda que o Exército ordenou a 350 pessoas – incluindo 75 pacientes e acompanhantes e ainda 185 do pessoal médico – para deixarem o hospital e ficarem numa escola onde estavam famílias deslocadas.
Na quinta-feira, responsáveis do Ministério da Saúde de Gaza citados pela Reuters disseram que cinco funcionários do hospital, incluindo um médico pediatra, tinham sido mortos por um ataque israelita contra um edifício adjacente ao hospital que causou um total de pelo menos 50 mortos. O Exército disse não ter conhecimento de um ataque contra o hospital.
As operações de Israel contra unidades de saúde – das quais o Hospital Al-Shifa, em Gaza, foi a mais emblemática – têm sido justificadas por uma alegada presença de centros do comando do Hamas, mas não foram apresentadas provas convincentes de um centro de comando (mas sim da passagem de, por exemplo, dois reféns levados de Israel pelo hospital al-Shifa no dia 7 de Outubro, ou de algumas armas ligeiras).
Mas elementos de organizações como os Médicos Sem Fronteiras acusam Israel directamente de levar a cabo uma guerra contra o pessoal de saúde, com agressões dirigidas aos médicos, como disse, numa entrevista recente ao PÚBLICO, Javid Abdelmoneim, chefe de equipas médicas da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) e que tinha estado em Gaza no Verão.
Quando havia uma triagem de pessoas retiradas de hospitais, quem tinha batas brancas era seleccionado para ficar sob controlo dos soldados. Muitos “foram espancados, despidos, algemados, e foram postos numa vala, com bulldozers a dirigirem-se para lá para simular um enterro iminente... para que achassem que iam ser enterrados vivos”, contou.
“Um dos meus colegas, um cirurgião ortopédico, ainda estava a coxear das agressões que sofreu em Fevereiro – e eu estive lá em Julho”, disse Abdelmoneim.
Houve ainda suspeitas de que um médico que estava preso por Israel, Adnan al-Bursh, que foi chefe de ortopedia no Hospital Al-Shifa, poderia ter sido torturado e violado antes de morrer na prisão Ofer, na Cisjordânia ocupada.