Petingas em modo de união ibérica – e sem problemas de consciência
De olho na sustentabilidade e na promoção da mudança de hábitos de consumo, pedimos ao chef Arnaldo Azevedo sete receitas com peixes populares. Esta é a quinta da série.
Arnaldo Azevedo é um chef que tanto se sente bem a combinar ingredientes improváveis no Vila Foz, onde detém uma estrela Michelin, como a recriar receitas tradicionais ligadas ao mar no Bistrô by Vila Foz, que está inserido no Mercado de Matosinhos.
Arnaldo passou pela banca do Tó Peixe e trouxe carapaus, sardinhas, cavalas, petingas, peixe-porco, sarrajão e a bela da faneca. E, numa hora, preparou sete receitas. Vamos à quinta – as seguintes serão publicadas a cada dois dias, até ao final do ano. Bom proveito!
Já publicadas:
- 7 peixes, 7 receitas (1): Carapaus de escabeche
- 7 peixes, 7 receitas (2): Tártaro de sarrajão
- 7 peixes, 7 receitas (3): Caldeirada de peixe-porco
- 7 peixes, 7 receitas (4): Torricado de faneca
Receita 5: Gaspacho com petinga braseada
Uma das características que nos afasta dos nossos vizinhos espanhóis é o apetite diferenciado pelas dimensões dos peixes. Enquanto eles apreciam sobremaneira peixes ainda não formados (polvos, lulas, enguias ou salmonetes), nós gostamos de espécimes grandes. E quanto maiores, melhor. Um grande robalo, uma corvina ou um congro com 20 quilos, um rodovalho que nem consegue entrar no forno ou um cherne de 40 quilos, eis a felicidade de um português (pescador, vendedor, restaurador ou consumidor).
Por vezes, esses peixes XXL não são os mais saborosos (textura mais rija), mas não há volta a dar: por cá, um peixe grande é símbolo de poder e ponto final.
Umas das poucas excepções à regra são as petingas (sardinha pequena) e jaquinzinhos (carapau pequeno). Nesta matéria somos mesmo maluquinhos pelo petisco. E por que razões tal acontece? Bom, talvez por duas: uma, a fritura muito simples (sal, farinha de milho, óleo quente e já está); duas, a possibilidade de se comer os espécimes da cabeça ao rabo, sem necessidade de se retirar qualquer espinha.
É uma delícia pegar com as mãos numa dessas petingas pelo rabo, comer tudo e lamber os beiços. Claro que isso é assim quando os peixes são mesmo pequenos. Se já estão naquela fase namoradeira, a espinha central atrapalha e é desagradável. Aqui já precisamos de garfo e faca.
Volta meia, coloca-se a questão de sabermos se pescar petinga é ou não legal. Ora, isso tem que ver com o stock da sardinha, que, como se sabe, é um assunto de vida ou de morte em Portugal. Sem sardinhas, frescas ou em conserva com todos os molhos e mais alguns, não sabemos viver.
Nos últimos dois anos, e devido a uma gestão inteligente do stock de sardinha por parte de Portugal e Espanha, a espécie existe em maior abundância, pelo que podemos comê-la sem problemas de consciência. Em versão tradicional ou, na versão de Arnaldo Azevedo, como se estivéssemos num restaurante com uma estrela Michelin.
A próxima receita é publicada a 29 de Dezembro.