O peixe-porco merece o trabalho que dá. E esta caldeirada comprova-o
De olho na sustentabilidade e na promoção da mudança de hábitos de consumo, pedimos ao chef Arnaldo Azevedo sete receitas com peixes populares. Esta é a terceira da série.
Arnaldo Azevedo é um chef que tanto se sente bem a combinar ingredientes improváveis no Vila Foz, onde detém uma estrela Michelin, como a recriar receitas tradicionais ligadas ao mar no Bistrô by Vila Foz, que está inserido no Mercado de Matosinhos.
Arnaldo passou pela banca do Tó Peixe e trouxe carapaus, sardinhas, cavalas, petingas, peixe-porco, sarrajão e a bela da faneca. E, numa hora, preparou sete receitas. Vamos à terceira – as seguintes serão publicadas a cada dois dias, até ao final do ano. Bom proveito!
Já publicadas:
Receita 3: Caldeirada de peixe-porco
Já houve um tempo em que ninguém queria saber do peixe-porco que, de resto, era tão ingénuo que se deixava apanhar com uma beata na ponta de um anzol. Muitas vezes, quando os pescadores estavam a tentar apanhar espécies mais finórias, o aparecimento de um cardume de peixe-porco era motivo de desespero e de mudança de marca (vulgo, pesqueiro).
E mesmo aqueles que se dedicavam à pesca submarina chateavam-se com estes peixes com papada pronunciada, porque quando farejavam o sangue de outras espécies que estavam presas no porta-peixe à cintura do mergulhador desatavam a bicá-los. Idealmente, a solução seria arpoá-los, mas nenhum mergulhador se dava a esse trabalho quando andava à caça de coisas mais sonantes.
É nossa convicção que a falta de apetite pelo peixe-porco – o nome não ajuda, é certo – se deve, em primeiro lugar, à dificuldade de o amanhar e limpar. É que o raio do peixe tem uma carapaça tão rija que esfolá-lo implica o uso de dois alicates, costas baixas e alguma perícia inicial para lhe retirar a pele. Depois, o facto de ter uma cabeça disforme faz que o aproveitamento seja escasso.
Mas, uma vez aparado o filete, verdade se diga que estamos perante um peixe saboroso e com uma textura tão firme que se uma pessoa se esquecer dele ao lume por causa de um daqueles telefonemas chatos que se recebem à hora do almoço que não se desfaz. Dá sempre jeito.
Essa firmeza muscular parece ter sido uma das razões que, a dada altura, popularizou o peixe-porco como o peixe que lasca como bacalhau. A outra – mais exclusiva ao micro-universo que se interessa pela alimentação das espécies – tem que ver com o facto de o peixe-porco se alimentar abundantemente de ouriços. Pudera, com aquela dentição de titânio, não há espinhos que impeçam a chegada às gónadas saborosas e amariscadas dos ouriços. E, obviamente, um peixe que se alimenta de ouriços é mais ou menos a mesma coisa que um porco que se se alimenta de bolotas – o sabor está garantido.
A próxima receita é publicada a 25 de Dezembro.